Até onde pode ir uma versão? E, no caso dos GUNS N’ ROSES a recriarem BOB DYLAN, será que a versão esvaziou todo o sentido do original?
“Gimme some reggae!” ecoou em Wembley e nas televisões um pouco por todo mundo. WTF?!? Estranho, no mínimo. Mas seria assim que Axl Rose ficaria para a eternidade associado a «Knockin’ on Heaven’s Door». O tema é de 1973, originalmente escrito para o filme ‘Pat Garrett And Billy The Kid’. Lançado no mesmo ano, a película tem direção de Sam Peckinpah, contando com James Coburn e Kris Kristofferson. Bob Dylan, autor da música, também aparece neste western.
A letra é claramente sobre o Vietname, era o auge da contestação e poucos meses depois terminaria a intervenção militar, com a derrota dos Estados Unidos. “Mama take this badge from me / I can’t use it anymore” ou “Mama put my guns in the ground / I can’t shoot them anymore” não deixavam muita margem para outra leitura. Rapidamente se tornou uma música pacifista, celebratória do fim de uma guerra.
Com o tempo, foram muitos os artistas que a adoptaram, recebendo mais de centena e meia de versões. Eric Clapton seria um dos primeiros, em 1975, gravando-a primeiro com Arthur Louis e, depois, num disco a solo. Em ambos os casos, optou por cruzar a folk simples do original, com um ritmo reggae. Anos mais tarde, Roger Waters também a recuperaria em «Flickering Flame – The Solo Years Volume I», de 2002. Outra versão curiosa é a contida em «Wake – In Concert at The Royal Albert Hall», dos THE SISTERS OF MERCY.
Porém, a versão mais popular é mesmo a dos GUNS N’ ROSES. Tudo começa na primeira digressão britânica da banda. Todd Crew, amigo próximo de Slash, viaja para a Europa e cruza-se com o grupo em Londres. No Marquee, onde tocam várias noites, a banda executa pela primeira vez a versão de Dylan. O grupo regressa aos Estados Unidos para terminar «Appetite For Destruction» e no processo, em Nova Iorque, Todd morre de overdose, nos braços de Slash.
Meses mais tarde, num concerto promocional no Ritz, Axl dedica o tema a Todd e, desta forma, «Knockin’ On Heaven’s Door» não só passa a ser uma malha definitiva no live set do grupo como uma homenagem ao amigo próximo. Em 1991, entre as várias versões gravadas, surge uma do tema, em estúdio, no álbum «Use Your Illusion II».
Com a Use Your Illusion World Tour, o grupo assume uma dimensão hollywoodesca, com a formação expandida para incluir percussão, teclas e coros. Essa digressão, que duraria um par de anos, acaba por cruzar-se com a homenagem a Freddie Mercury — estava-se em 1992, e acontecia o The Freddie Mercury Tribute Concert. A 20 de Abril o evento reuniria METALLICA, GUNS N’ ROSES, EXTREME e DEF LEPPARD, entre outros, sendo televisionado para todo o mundo, trazendo à memória a performance, no mesmo local, anos antes, de QUEEN no Live’Aid.
O grupo de Slash executou três temas: «Paradise City», «Only Women Bleed» e «Knockin’ On Heaven’s Door». Este último veio a ser editado em single, ficando como vídeo promocional a actuação em Wembley. O tema começa singelo, tal como na abordagem. Slash conduz, mas logo a distorção assume um peso maior que no original, com a double neck a permitir diferentes afinações.
Freddie era um personagem demasiado grande e Axl Rose não poderia ficar atrás e, pouco passa dos três minutos, quando se começam a escutar-se os coros, conferindo ao tema um registo mais próprio da Broadway que da introspecção que Dylan teria idealizado. Os três minutos originais, multiplicavam-se para nove, face aos diferentes solos. E aos seis minutos, Axl tenta arrastar toda a multidão de Wembley, como anos antes Freddie tinha feito com «Radio Gaga».
Consegue, mas não se fica por aí e entra nas suas habituais corridas, clamando por reggae. Naquele instante, «Knockin’ On Heaven’s Door» deixa de ser a mensagem anti-guerra, ou a singela homenagem a Todd, transformando-se apenas numa canção hedonista que almeja “chegar ao céu”. E assim, se pode desvirtuar um tema.