Mesmo que inadvertidamente, com o lançamento do «The Spaghetti Incident?», a 23 de Novembro de 1993, os GUNS N’ ROSES chegaram ao fim de uma era.
Foi um proverbial momento WTF!?, aquele“Gimme some reggae!” que ecoou em Wembley e nas televisões um pouco por todo mundo. Estranho, no mínimo; mas seria assim que Axl Rose ficaria associado a uma versão de «Knockin’ on Heaven’s Door» para toda a eternidade. O original é de 1973, escrito para o filme ‘Pat Garrett And Billy The Kid’. Lançada nesse ano, a película tem direcção de Sam Peckinpah, contando com James Coburn e Kris Kristofferson. Bob Dylan, autor do tema, até faz um “perninha” neste western, mas a versão mais popular é mesmo a dos GUNS N’ ROSES.
De resto, o infame grupo de inadaptados oriundo de Los Angeles nunca se furtou a prestar homenagem às suas referências ou a reinterpretar uns quantos clássicos do cânone roqueiro. No caso da canção de Dylan, a história, que o nosso Emanuel Ferreira explorou a fundo aqui, remete-nos para a primeira tour britânica dos GUNS N’ ROSES. Todd Crew, um amigo próximo de Slash, viajou para a Europa e cruzou-se com o grupo em Londres. No Marquee, onde tocaram várias noites, executaram pela primeira vez ao vivo a «Knockin’ On Heaven’s Door».
Já depois de regressarem aos Estados Unidos para terminarem o incontornável «Appetite For Destruction», durante uma estadia em Nova Iorque, Todd morre de overdose, nos braços de Slash. Escassos meses mais tarde, num concerto promocional no Ritz, Axl decide dedicar o tema a Todd e a «Knockin’ On Heaven’s Door» não só passa a ser um tema definitivo nos alinhamentos dos GUNS N’ ROSES como uma homenagem ao amigo próximo.
Em 1991, surge a versão de estúdio, incluída no álbum «Use Your Illusion II». Com a Use Your Illusion World Tour, o grupo acaba por assumir rapidamente uma dimensão hollywoodesca, com a formação expandida para incluir percussão, teclas e coros.
Essa digressão, que duraria um par de anos, acaba por cruzar-se com a homenagem a Freddie Mercury no Estádio de Wembley — estava-se em 1992, e acontecia o The Freddie Mercury Tribute Concert. E ouviu-se aquele “gimme some reggae!“. Dado o impacto do tema, acaba por não ser estranho que, num momento de menor inspiração, tenham tentado recriá-lo — 13 vezes.
“A great song can be found anywhere. Do yourself a favor and go find the originals“
23 de Novembro de 1993. A 17 de Julho, pouco mais de quatro meses antes, a Use Your Illusion Tour chegava ao fim e a Geffen Records queria capitalizar o sucesso dos GUNS N’ ROSES. Cansados, a braços com graves problemas de ego e de uso e abuso de drogas e álcool, sem sequer imaginarem o desfecho que acabaria por resultar num hiato de quinze anos sem lançarem nada novo até à edição do mediano «Chinese Democracy», em 2008, os GUNS N’ ROSES acharam que essa seria uma boa altura para aproveitarem a sua incessante vontade de tocarem temas de outras bandas e apostaram num disco com covers de punk e de rock dos anos 1970 e 1980.
Verdade seja dita, a empreitada nem sequer lhes deu uma grande trabalheira, uma vez que muitas das faixas que compõem o «The Spaghetti Incident?» tinham sido originalmente gravadas com o guitarrista Izzy Stradlin durante as sessões que deram originais aos dois tomos de «Use Your Illusion». Essas linhas de guitarra seriam eventualmente regravadas por Gilby Clarke, mas a verdade é que a maior parte do trabalho já estava feita.
O disco começa num clima bastante leve com a descontraída balada «Since I Don’t Have You», dos The Skyliners; o único tema que ainda lhes valeu algum airplay. Depois, temos o baixista Duff McKagan a evidenciar as raízes punk em «New Rose», dos THE DAMNED, «Attitude», dos THE MISFITS, e «You Can’t Put Your Arms Around A Memory», do malogrado Johnny Thunders, uma excelente «Down On The Farm», dos UK SUBS, uma arrebatadora interpretação de «Hair Of The Dog», dos NAZARETH, um take inspirado da «Black Leather», dos SEX PISTOLS, a polémica «Look At Your Game Girl», do assassino Charles Manson (escondida ao final do disco) e uma série de outras versões menos dignas de nota.
Sem digressão de promoção, com o Sr. Rose cada vez mais afastado do resto dos GUNS N’ ROSES e com a maioria dos músicos envolvidos em projectos paralelos, o disco acabou por cair rapidamente no esquecimento, sendo muitas vezes visto apenas como um apêndice na carreira da banda. O bom do Axl parecia que estava a adivinhar, no momento em que mandou colocar a frase “A great song can be found anywhere. Do yourself a favour and go find the originals” na contra capa do álbum. Uma coisa é certa, se este disco serviu para alguma coisa foi mesmo para provar que os GUNS N’ ROSES sempre foram pródigos em libertar versões dos grupos que os influenciaram em primeira instância.
Verdade seja dita, apesar do ecletismo excessivo, no geral o «The Spaghetti Incident?» nem sequer é um mau disco, mas — numa altura em que o grunge estava a explodir — a resposta por parte do público ficou bastante abaixo do esperado, com cerca de “apenas” 190 mil cópias vendidas na primeira semana, chegando ao quarto lugar na Billboard 200.