Um gesto político que reforça uma postura profundamente crítica face às indústrias tecnológicas e culturais — GODSPEED YOU! BLACK protestam contra o Spotify e a ligação de Daniel Ek a empresas de armamento.
Os GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR, uma das mais emblemáticas bandas de post-rock, anunciaram a retirada do seu catálogo de praticamente todas as plataformas de streaming, permanecendo a sua música apenas disponível no Bandcamp (e nos formatos físicos, pois claro). A decisão, que já foi confirmada pela Constellation Records, ecoa um gesto político que se insere num movimento mais amplo de contestação à forma como a música é explorada e monetizada no universo digital.
Em comunicado, a editora dos GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR declara: “A Constellation Records pode confirmar que os Godspeed solicitaram a remoção do seu catálogo de todas as plataformas digitais, com excepção do Bandcamp. Nem a banda nem a editora têm mais comentários a fazer neste momento.” A brevidade da nota é, no entanto, reveladora; o silêncio do grupo não anula o peso político da decisão, antes o amplifica, uma vez que os GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR sempre deixaram a sua música e os seus gestos falarem por si.
O movimento acompanha o de outras bandas, como XIU XIU, KING GIZZARD AND THE LIZARD WIZARD ou DEERHOOF, que já tinham anunciado os seus boicotes ao Spotify após o surgimento de notícias sobre o envolvimento/investimento de Daniel Ek, CEO da plataforma, na Helsing, uma empresa alemã dedicada ao desenvolvimento de software militar recorrendo a inteligência artificial. A polémica levantou questões de nível ético entre os artistas que veem a associação de Ek ao sector do armamento como incompatível com a função cultural e social da música.
No caso dos GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR, este passo não surge como uma surpresa. Desde o seu aparecimento em meados dos anos 90, o colectivo de Montreal construiu uma identidade inseparável da crítica política e da recusa em alinhar com lógicas de mercado dominantes. Em 1997, quando lançaram a estreia «F# A# ∞», já se afirmavam como uma banda de pensamento radical, combinando composições instrumentais longas com projecções visuais de teor político e social. Essa vertente visual e ideológica transformou os seus concertos em experiências de denúncia contra injustiças, guerras e desigualdade.
O álbum «Lift Your Skinny Fists Like Antennas To Heaven», de 2000, consolidou esta visão: quatro faixas monumentais que funcionam quase como sinfonias de resistência, cheias de tensão e catarses. Ao longo da sua carreira, os GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR nunca esconderam a sua aversão ao capitalismo e às estruturas opressivas, fosse através da estética apocalíptica dos seus álbuns ou do activismo directo.
Em 2013, por exemplo, quando receberam o prestigiado Polaris Music Prize, decidiram doar a quantia monetária a programas de educação musical em prisões, recusando o prestígio individual em favor de uma ação colectiva. Este gesto de agora insere-se nessa linha de coerência. O streaming sempre foi visto com desconfiança por parte de músicos independentes, uma vez que as receitas geradas são residuais para os artistas quando comparadas com os lucros das plataformas.
No caso do Spotify, as críticas têm-se intensificado não só devido ao parco modelo de remuneração, mas também devido a decisões bastante polémicas, como a introdução de sistemas de reconhecimento facial para verificação de idade e a permissão de faixas geradas por inteligência artificial em páginas de artistas falecidos — práticas que muitos consideram desrespeitosas e perigosas.
Neste momento, os primeiros dois álbuns dos GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR, lançados pela Kranky Records, continuam disponíveis no Apple Music, mas a editora já confirmou que estão em processo de remoção. Quando isso acontecer, o Bandcamp será o único espaço digital oficial onde ouvir legalmente a discografia completa do colectivo.
Ao abdicar da visibilidade global garantida pelas plataformas digitais mainstream, os GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR reafirmam a sua posição enquanto entidade artística e política. O gesto não é apenas um boicote a uma empresa ou ao seu CEO, mas também uma forte tomada de posição sobre o futuro da música no espaço digital. A banda parece estar a questionar até que ponto os artistas devem submeter-se a plataformas cujo lucro é frequentemente dissociado da justa remuneração criativa e cujas ligações empresariais levantam dilemas éticos profundos.
No actual panorama sociopolítico, em que conglomerados tecnológicos expandem o seu poder para áreas como a inteligência artificial, a vigilância digital e até a indústria militar, a decisão do colectivo canadiano coloca em evidência a tensão entre a criação artística e a lógica corporativa. Para os fãs, a mensagem é clara: ouvir GODSPEED YOU! BLACK EMPEROR é também escolher um lado.