Podemos pular a discussão do é/não é metal? Para além da inutilidade habitual desse tipo de conversa, neste caso até pecaria por redundante, porque o percurso dos Ghost não é assim tão inédito como isso. Andamos sempre naquela discussão eterna do já-não-há-bandas-grandes, do quem-é-que-vão-ser-os-próximos-Iron Maiden/Judas Priest/Metallica/Black Sabbath/Kiss/whatever, mas a verdade é que sim, mesmo numa época diferente, há vários candidatos, alguns já com um nível actual semelhante até. E também não é menos verdade que, quando aparece uma com esse potencial (e que o concretiza, como é o caso), ninguém perde tempo em tentar mandar abaixo, seja por que razão for. Sejam os Ghost, sejam os Rammstein, os Mastodon, seja quem for. Portanto, sim, já passámos por essa conversa várias vezes, até porque, se há banda do antigamente em quem os suecos liderados por Tobias Forge (whoops, pelo Papa Emeritus IV, queríamos dizer) se podem espelhar, é nos Kiss. A ambição, as canções ultra-pegajosas, o big fucking rock show, os fatos, os personagens, o exército de detractores que acha tudo um circo do pior, o sucesso imparável… Claro que não é uma analogia perfeita, mal seria se fosse. Aqui não há quatro egos para gerir (assumindo que o do Gene Simmons só vale por um!), figura principal é só uma, mas é pelo menos alguém que vem do “nosso” underground, alguém com dues paid, que não caiu aqui de pára-quedas (a malta das lamúrias, quando fizerem um álbum de death metal tão bom como o «Epitome Of Darkness», ou tiverem um EP de estreia tão redondamente perfeitinho como o «Hecatomb», venham cá conversar), e que já com, parecendo que não, década e meia de Ghost, ainda parece mais interessado na música do que propriamente na máquina de marketing que, assumidamente, existe, mas que sabiamente nunca tomou a dianteira do projecto Ghost, por mais que se tente insistir nessa ideia.
Vamos lá ver uma coisa – não, por mais que se ouça o primeiro álbum e se barafuste que aquilo nunca devia ter deixado de ser assim, os Ghost não vão ser uma banda de metal extremo, nem nunca mais se vão enfiar no underground. Caramba, eu vi-os numa sala que já não existe, nos Países Baixos, a meio metro das vestes do Papa, com não mais que 500 gajos à minha volta – esse cenário é absolutamente, e obviamente, irrepetível. E mesmo esse primeiro álbum e esses primeiros tempos, por mais crueza que aparentem face às super-produções de agora, já lá tinham todos os sinais do que aí vinha. Os Ghost foram criados para existir neste formato, para serem larger than life, e só assim é que fazem sentido. E para manter o paralelo, nesta altura estão ali por volta do «Love Gun» – no topo do mundo, com uma personalidade definida, e com a única questão (para os críticos, pelo menos) a ser se ainda é a música que interessa, ou se já se podem começar a atirar produções luxuosas para cima da coisa e encobrir o facto de que já só estamos perante uma máquina de fazer dinheiro.
É que o trajecto, em termos puramente técnicos, tem sido esse. Basta pensar neles por ordem: «Opus Eponymous» -> «Infestissumam» -> «Meliora» -> «Prequelle», é um upgrade valente a cada passo, não é? E esperem até ouvir este «Impera». Não é por acaso que os Ghost foram buscar Klas Åhlund para a cadeira de produtor. Se as suas referências de “clientes” anteriores estão muito longe de ser aquilo que qualquer um de nós procura habitualmente nos discos que ouvimos (Robyn, Sugababes, Kylie Minogue, Katy Perry, Britney Spears, Madonna, percebem a ideia), a verdade é que é neste nível que os Ghost operam agora. Não o negam, antes pelo contrário – se sempre foram, pelo menos em espírito, uma banda de arena rock, agora são-no na plenitude do que isso quer dizer. Não só os seus concertos são quase exclusivamente em, lá está, arenas propriamente ditas, mas também a grandiosidade do som acompanha esse crescendo. Os puristas não gostam, mas o caminho é este. E deixando de lado os nossos preconceitos com o mainstream, a verdade é que assim que levamos com o kick sonoro de «Kaisarion», a diferença é notória.
Felizmente, no meio deste admirável mundo novo, o Tobias (desculpem, o Papa, o PAPA!) não se perdeu. Pelo menos para já, e ao contrário de outros, incluindo os próprios papás espirituais Kiss, a música ainda é o que interessa mais, e não há qualquer sinal de desleixo nesse sentido. «Impera» é mais um grande conjunto de canções, de tal ordem que suspeitamos que, se as tivessem ido gravar aos Orgone com o Gomez outra vez, a malta que só gosta do primeiro álbum teria aqui um sério problema para resolver. Não que o som não tenha evoluído – claro que sim. Claro que a cavalgada gigante de «Kaisarion» e a pianada gingona de «Spillways» (a dupla de abertura, diga-se, mesmo para cativar logo à partida) vão buscar muito ao rock uncool dos cabelos com laca do final dos anos 80, claro que o single «Twenties» é uma espécie de filho bastardo do nu-metal com o metal sinfónico, que «Darkness At The Heart Of My Love» é muito rock alternativo numa banda-sonora da Disney, ou que «Hunters Moon» é (para além do melhor tema do álbum) uma pista em relação àquilo que os Ghost ainda poderão crescer no futuro, um tema irresistivelmente catchy, mas com um potencial cinematográfico impressionante, aproveitado como tal para o mais recente «Halloween». Apesar de tudo, ainda há coisas como «Call Me Little Sunshine» (uma escolha de single relativamente surpreendente) ou a última «Respite On The Spitalfields», que apesar da roupagem luxuosa, são no seu essencial Ghost “antigo”. No meio disto tudo, estamos a evitar um termo “maldito” no nosso meio, mas a verdade é que muito disto é pop, sim. E porque não? Não se queixa tudo que a pop actual é vazia e descartável e de um mau gosto tenebroso quando comparada com a era dourada do género nos anos 80? Então qual é o mal de haver uma banda com raízes no metal que entra pela pop adentro, com substância, com canções de qualidade e, note-se, ainda hoje, a cantar sobre Satanás e a extinção da humanidade e essas coisas todas que tanto gostamos na nossa música, por mais tongue in cheek que seja?
Portanto, é gerir expectativas. Querem à força meter os Ghost no campeonato das outras bandas que adoramos, e no meio das quais o Tob… (O PAPA!) já se moveu? Esqueçam. Há muito que não fazem parte desse mundo. Se já odiaram os álbuns anteriores, este só vos vai fazer pior à azia. Não vale a pena insistir. O que há mais é música diferente desta para ouvirem sem se chatearem. Se, por outro lado, conseguem perfeitamente aceitar que o pop-metal pode ser um género válido, que há coisas que podem chegar ao mainstream sem serem envenenadas por tudo o que há de mau, e que os Ghost fazem malhas para cantarmos a plenos pulmões ao lado de 100.000 pessoas numa arena repleta de fãs, então atirem-se ao «Impera», porque é mais uma bela colecção delas.
Agora, ó Tobias, ou Papa, ou chames-te tu como chamares, livra-te é de fazer um Ghost Unmasked, pá. Ninguém merece. [8.5]