GENOCIDE

QUADRO DE HONRA: GENOCIDE, «Genocide» [1994]

No próximo Sábado, dia 5 de Outubro, os GENOCIDE vão actuar no Hard Club, no Porto, no que, até ao momento, parece ser uma ocasião única para rever ao vivo e a cores uma das mais lendárias e aplaudidas bandas saídas do underground luso durante a década de 90.

Sem que nada o fizesse prever (aliás, tudo apontava para o contrário), os GENOCIDE anunciaram o seu regresso aos palcos para o que, até ao momento, parece ser uma ocasião única para rever ao vivo e a cores uma das mais lendárias e aplaudidas bandas saídas do underground luso durante a década de 90. No dia 5 de Outubro de 2024, o quinteto portuense vai actuar no Hard Club, no Porto, num evento cujo cartaz conta também com a presença dos BIOLENCESKINNING e, como avançado anteriormente, das lendas austriacas do metal extremo experimental DISHARMONIC ORCHESTRA.

Os mais atentos sabem que 2024 assinala duas efemérides muito importantes na vida dos Genocide: os 25 anos do segundo álbum «Breaking Point» e os 30 anos do álbum de estreia «Genocide». Para comemorar convenientemente, vamos voltar à carga para um concerto único“, revelou a banda num comunicado. Podes consultar toda a informação já disponível na página oficial do evento no Facebook. Os bilhetes para esta produção da Nightfear Productions estão à venda nos locais habituais por 20 €. No dia do evento, o preço sobe para 25 €.

Quando surgiram, em plena génese do boom do underground nacional que se viveu na passagem dos anos 80 para os 90, os GENOCIDE marcaram posição com uma força avassaladora. Com bandas a surgiram em sucessão, a torto e a direito, de norte a sul do país, o quinteto abalou as estruturas do movimento com uma abordagem – para a época, que os tempos eram definitivamente outros – mais moderna, desenvolvida em termos técnicos e, a todos os níveis, extrema.

Quando editaram a estreia homónima, em 1994, estavam já muito à frente da competição e, com o seu poderoso híbrido de death/grind, estabeleceram-se como uma das referências daquela época. Aqui, recordamos um momento único na história da música extrema nacional.

Quando gravaram o álbum de estreia, estavam juntos há cerca de três anos e tinham gravado uma maqueta, mas a formação do grupo já tinha sofrido alterações profundas.
Alfredo Barbosa: A maqueta foi gravada em 1991/92 – mais ou menos na altura em que fui para a tropa – e o álbum já nos apanhou numa fase de alterações, sim. Estávamos com a formação que, até certo ponto, foi aquela que se manteve no activo durante mais tempo, com o Luís na voz, o Gustavo Costa na bateria, o Rui Cruz no baixo e o Rui Paulo na guitarra… Nessa altura, já só sobrava eu da formação original dos Genocide.

De certa forma, acaba por ser difícil falar dos GENOCIDE sem mencionar os estúdios Rec’n’Roll, que surgiram mais ou menos na mesma altura.
Luís Gonçalves: Lembro-me que, quando comprei a maqueta dos Genocide, ainda não conhecia o pessoal da banda, mas fiquei muito impressionado com o que ouvi – sobretudo no que toca à qualidade da gravação. Já tinha uma colecção considerável de demos – comprava tudo o que ia saindo – e a gravação deles destacava-se, sobretudo quando comparada a tudo o resto que tinha lá em casa. Mesmo em termos de composição foi algo que me chamou logo à atenção, notava-se que eles estavam a tentar fazer algo novo e diferente.

Alfredo: Lembro-me que a maqueta teve um impacto enorme… As reacções foram óptimas e acho que teve muito a ver com isso, porque, na altura, a maior parte das demos que eram lançadas tinham uma qualidade de gravação muito má. Nesse sentido, o surgimento dos Rec’n’Roll, onde os W.C. Noise já tinham gravado, veio alterar isso e, basicamente, foi a qualidade dos trabalhos feitos pelo Luís Barros que nos fez ir gravar lá. O maior problema no início dos anos 90 era o facto das bandas terem de ir gravar a estúdios em que os técnicos não percebiam o que eles estavam a fazer. Pura e simplesmente, não conheciam o género.

Não é que a música que os irmãos Barros fazem alguma vez tenha tido muito a ver com o que nós fazíamos, mas pelo menos sempre estiveram por dentro do metal e isso acabou por ser uma ajuda preciosa. Julgo que é unânime que não havia muita coisa que estivesse ao mesmo nível em termos de qualidade de gravação em relação ao que saiu de lá durante aqueles anos. Marcaram uma época.

E como correram as gravações do «Genocide»?
Alfredo: Foi tudo muito pacífico. Aliás, quando chegou a altura de gravar o álbum não pensámos duas vezes porque sabíamos com o que contar. Já os conhecíamos e o pessoal estava todo à vontade, por isso a escolha era mais que óbvia. Além da relação profissional que havia entre nós – que sempre foi mais com o Luís, que era quem nos produzia – havia uma relação de amizade, por isso correu tudo muito bem. Estávamos mesmo muito à vontade com ele, apesar de haver sempre a limitação do tempo, claro.

Luís: Sim, isso já era como hoje – tempo é dinheiro. O disco foi feito numa semana, da captação à mistura.

Alfredo: Foram dias em que chegava a casa, queria deitar-me e a música não saía da cabeça. Foi sempre a dar-lhe, mas depois havia aquela “curte” de nos sentarmos no sofá a vê-lo a trabalhar e os temas a tomarem forma à nossa frente… Só queríamos ter aquilo gravado numa cassete para ouvirmos em casa.

Luís: Eu lembro-me de lhe dizer “Eu não saio daqui sem uma cassete! Vê lá isso, mas eu tenho de ouvir isto em casa!” Era um brinquedo! [risos]

Foi complicado solidificarem essa formação?
Alfredo: Na altura já havia diversas bandas no Porto, mas era complicado arranjar pessoal que achássemos que se enquadrava. Sobretudo em termos de baterista, era mesmo muito complicado. E em termos de vocalistas também não era fácil.

Como encontraram o Luís e o Gustavo?
Luís: Eu estava numa banda pequena, que nem nome tinha, e foi o Pedro Medina, que era o manager deles na altura, que estabeleceu o contacto entre nós. Depois fui fazer um teste e convidaram-me para ficar. Andei uma semana a digerir aquilo porque eram uma banda de que já gostava muito.

Alfredo: Com o Gustavo a situação foi semelhante – ouvi-o a tocar e percebi imediatamente que seria muito difícil encontrar alguém que se enquadrasse tão bem no que estávamos a fazer.

Luís: O Gustavo tinha os Shattered e, quando fui fazer o teste para a banda, acho que estava a ensaiar com os Genocide há uma ou duas semanas, se tanto. Fiquei de queixo caído ao ver aquele miúdo de dezasseis anos a tocar bateria com uma técnica incrível.

Alfredo: Nunca me vou esquecer que lhe disse para aprender a «Twisted Corpses» e, no ensaio seguinte, ele tocou-a do início ao fim – de primeira!

`Além da qualidade da gravação, algo que vos destacava de grande parte das bandas nacionais era a música que faziam, bastante mais extrema do que era habitual para a altura.
Alfredo: Se virmos bem, entre todos, nunca estivemos propriamente limitados em termos de gostos pessoais ao que fazíamos e cada um de nós acabava por contribuir com a sua influência para o resultado final. Desde o início havia uma ideia do que deviam ser os Genocide e esse fio condutor manteve-se inalterado ao longo dos anos, mas acho que sempre fomos um reflexo de todas as nossas influências, que eram muito diversas. Havia coisas mais melódicas, outras mais agressivas…

Luís: Tivemos o cuidado de fazer um disco em que as músicas não soassem todas iguais, que era o problema de grande parte das bandas de death metal e grind na altura. Mesmo hoje em dia, às vezes, sente-se isso. Eu gosto muito dos Hate Eternal, por exemplo, mas ouço um disco e aquilo é uma linha do início ao fim, acaba por ser um bocado saturante. Lembro-me de falar com pessoal e nem toda a gente tinha o mesmo tema favorito – havia quem gostasse muito da «Twisted Corpses», outros gostavam mais da «Mind Despair» – e isso, para nós, era muito positivo.

Havia muito trabalho de casa e de ensaio para atingiram o nível técnico que pretendiam?
Alfredo: Eu dava-lhe bem. [risos] Sou totalmente auto-didacta, mas passava horas a fio agarrado à guitarra. Muitas horas a fio, mesmo. Posso falar por mim, posso falar pelo Gustavo… O Luís nem tanto, porque não precisava, tem um dom e pronto, é daquelas coisas que já nasce com a pessoa. Nunca ficou sem voz, nunca ficou rouco e nunca tivemos de cancelar um concerto por ele estar afónico.

Luís: Eu, confesso, sempre fui um bocado baldas. [risos]

Alfredo: No geral, os Genocide não eram uma banda que trabalhasse muito na sala de ensaios…

Luís: Não trabalhávamos muito e, na minha opinião, trabalhávamos de uma forma muito lenta também – o que acabou por reflectir-se em termos de edições. Nem sempre ensaiávamos com regularidade e, em dado momento, nem sequer ensaiávamos uma vez por semana… Às vezes íamos dar concertos e tínhamos dois ou três ensaios de preparação. Algo que foi muito positivo para a evolução da banda foi o facto de termos tocado bastante ao vivo depois da edição do primeiro disco. Isso ajudou imenso.

Sendo que, nessa altura, também não era comum uma banda tocar assim tanto ao vivo.
Alfredo: Nesse período demos mesmo muitos concertos, tocámos em todo o lado. Tínhamos um ou dois por semana, pelo menos. Fizemos uma mini-digressão de três datas com os Hypocrisy e demos concertos com uma série de outras bandas internacionais, como os Napalm Death, os Gorefest, Forbidden, Cannibal Corpse, Grave, Cradle Of Filth, Benediction, Extreme Noise Terror, Dismember…

Luís: Tocámos em aldeias, garagens privadas – em todo o lado que se possa imaginar. É verdade que nunca tocámos muito no centro e no sul, mas no norte tocávamos com muita frequência… Não sei se por questões logísticas ou de orçamento, mas na altura as bandas de Lisboa também não tocavam muito no Porto.

Havia, efectivamente, uma “cena” a fervilhar na Invicta?
Alfredo: Estava a passar-se aquilo que, em Lisboa, já se tinha passado. É óbvio que em Lisboa o movimento tomou forma muito mais cedo, não tenho dúvida nenhuma, mas a partir de certa altura, as coisas também começaram a acontecer no Porto e, aí, não se pode não mencionar o aparecimento das salas de ensaio da Poltergeist. Até aí era muito difícil ter condições para tocar, pouca gente tinha um sítio para ensaiar, fosse por causa do barulho ou de outra coisa qualquer.

A maior parte dos ensaios lá eram pagos e isso permitia-lhes ter material minimamente decente. Havia uma bateria razoável, os amplificadores também eram razoáveis… e isso permitia-nos fazer ensaios muito porreiros. Foi crucial para o aparecimento de muitas bandas daqui.

Como era a relação com, por exemplo, os W.C. Noise, que eram da mesma geração e a outra banda emergente da cidade?
Luís: No fundo acho que havia um bocadinho de rivalidade, mas era uma rivalidade saudável. De vez em quando encontrávamo-nos e bebíamos uns copos com eles. Ainda hoje me dou muito bem com o Pedro e com o Nando.

Alfredo: É engraçado porque, naquela altura, não havia propriamente uma relação chegada entre nós e os W.C. Noise. E nem sei bem porquê. Éramos, de facto, as bandas portuenses com mais exposição e, claro, as pessoas associavam as duas. No entanto, os Tarântula já estavam no lugar que merecem e os Gangrena, por exemplo, também lançaram o disco no mesmo período que nós.

Passaram-se apenas alguns meses entre a edição da maqueta e do álbum, que foi gravado já com um contrato assinado com a Música Alternativa. Algo pouco comum na altura também.
Alfredo: Já não sei quem, se o Samuel Lopes ou o Carlos Pinto, mas alguém da Música Alternativa ouviu a maqueta e, eventualmente, a proposta acabou por surgir.

Luís: O convite surgiu no programa do Gustavo Vidal, na Rádio Energia – em directo. Tínhamos ido a Lisboa dar uma entrevista e fizeram-nos a proposta de surpresa, no programa. O Samuel estava por lá e fez-nos a pergunta – “Então e um disquinho? Vai?” [risos]

Na altura era um sonho tornado realidade, não?
Alfredo: Um disco era um sonho, claro. Para qualquer banda, acho.

Luís: Não era uma coisa nada banal, não. Termos o disco na mão, vê-lo a sair… Imagino que não seja como agora, que é tudo mais fácil.

Alfredo: O pessoal agora não tem noção das coisas que passávamos e da “curte” que era conseguir atingir as metas que tínhamos. De certa forma, nós, os W.C. Noise e uma série de outras bandas daquela altura – do Porto, de Lisboa e de outros pontos do país – ajudámos a abrir portas para muito do que se faz hoje em dia.

Luís: A primeira metade dos anos 90 foi muito importante nesse aspecto – no que toca a abrir portas e, mais ainda, mentalidades. Mesmo em termos de visual e de estilo de vida… Era perfeitamente normal saíres à rua e ouvires “bocas” porque tinhas o cabelo comprido.

Com um contrato assinado, um álbum na mão e, posteriormente, tanta actividade de relevo ao vivo, nunca houve intenção de fazer dos Genocide uma ocupação a tempo inteiro?
Alfredo: Ponderámos a hipótese, claro que ponderámos, mas acabou por não surgir essa oportunidade…

Luís: E nós sabíamos que ia ser muito difícil!

Alfredo: Muitas coisas correram mal. Questões relacionadas com a banda, com o management, com ajudas que nunca se materializaram. A própria Música Alternativa, por exemplo, tinha todos os meios à disposição para fazer chegar o disco a muito mais sítios. Não o fez, mas era suposto ter feito. A nível internacional, o feedback foi mesmo muito reduzido.

Luís: Não menosprezando o trabalho que o Alberto Barros fez, porque tocámos imenso enquanto estivemos com ele, acho que depois precisávamos de ter encontrado outra pessoa com capacidade para trabalhar todo o potencial que estávamos a desenvolver. Como já disse, éramos um bocado preguiçosos, por isso tínhamos mesmo necessidade de ter alguém a “cascar-nos” na cabeça. Acredito que teríamos ido mais longe.

Entretanto começaram a perder “gás”, demoraram cinco anos a gravar o segundo álbum e, a dada altura, os concertos eram cada vez mais esporádicos. O que aconteceu?
Alfredo: O pessoal começou a envelhecer e a ter outros objectivos, foi essencialmente isso que aconteceu.

Luís: Quando estamos na casa dos vinte anos é tudo mais fácil, mas a partir do momento em que temos de ter uma base financeira para sobreviver e trabalhar para sustentar o hobby que é a música, aí as coisas já não são tão simples. A verdade é essa.

Alfredo: Primeiro tivemos todas as mudanças de formação entre os dois álbuns, depois as vidas das pessoas mudaram e há que fazer opções. Em termos de horários e datas, as coisas começaram a tornar-se muito complicadas e, às tantas, os Genocide passaram a ser assumidamente um hobby.

Texto originalmente publicado no livro QUADRO DE HONRA, lançado em Maio de 2016 pela Saída de Emergência, com prefácio assinado pelo escritor José Luis Peixoto.