Quais mastins de caça confinados à espera de perseguirem a sua presa, os elementos dos GAEREA estiveram pacientemente a ansiar por um regresso aos palcos desde o lançamento do muitíssimo aplaudido «Limbo», que chegou em 2020 e marcou a estreia do grupo no respeitado catálogo da Season Of Mist. No entanto, se 2022 já foi um ano em grande para os músicos nacionais, com uma sequência de digressões muito bem sucedidas pelo mundo e a edição da novidade «Mirage», 2023 promete ser ainda melhor – e maior. Bom presságio disso, e do crescimento exponencial que tem sofrido nos últimos tempos, com o mais recente álbum a conquistar lugares de destaque nas listas dos melhores lançamentos de 2022, o colectivo anónimo vai apresentar o seu mais recente álbum em dois espectáculos exclusivos em solo nacional, agendados para 31 Março e 1 de Abril, no LAV – Lisboa Ao Vivo e no Hard Club, no Porto, respectivamente. Na ressaca da primeira digressão nos Estados Unidos, estivemos à conversa com o estratega e mentor do grupo e antecipámos aqueles que vão ser os seus únicos concertos em solo nacional este ano.
Com o apropriadamente intitulado «Limbo» a ser lançado estoicamente em plena pandemia e o ciclo de promoção desse disco a arrancar muito mais tarde do que seria desejável, os GAEREA ainda fizeram todas as actuações que lhes foram possíveis e, em vez de se ficarem apenas a lamentar, decidiram então focar-se na composição de novo material. Resultado disso, quando o mundo abriu, não só lançaram um álbum soberbo – o muito elogiado «Mirage» – como se atiraram de cabeça, e com força invejável, a uma intensa agenda de digressões, que os viu a percorrerem a Europa, a protagonizarem a primeira incursão pela América Latina e nos Estados Unidos e, basicamente, a tocarem perante plateias totalmente rendidas em alguns dos mais importantes eventos de massas do género.
NA AMÉRICA
“Ainda estou a recuperar da tournos Estados Unidos. Acabei de fazer a minha lavandaria ontem, três ou quatro máquinas de lavar, mas está tudo bem. Estamos a preparar-nos para fazer estes dois concertos e, depois, arrancamos para os festivais, passa tudo muito rápido e nunca há tempo para nada, mas vamos ver se corre bem. Estivemos um mês nos Estados Unidos e, no final, foi tão bom, que parecia que só tínhamos feito uns dez concertos. Parece que foi a digressão que fizemos que passou mais rápido mentalmente, mas enfim… É o que é. Foi incrível podermos lá ir pela primeira vez. As viagens são muito longas, e não estávamos num tour bus – éramos a banda de abertura. Nós e os Uada tínhamos duas carrinhas diferentes e o resto da malta estava num autocarro. Mas as viagens são gigantes. Nós até fizemos um plano, de coisinhas que gostaríamos de visitar nas cidades onde íamos, e não vimos nenhuma. Não se vê nada. Se na Europa já não se vê nada, e as viagens são de três ou quatro horas, com viagens de nove, de sete horas… Depois com o azar que tivemos com a tempestade que apanhou uma parte da tour, tivemos de cancelar dois ou três concertos, tornou-se impossível ver fosse o que fosse. Sais do hotel às 5 ou às 6 da manhã, chegas à venue às duas da tarde e, depois, é load in, entrevistas, soundcheck. Depois tocas e siga, load out e seguimos para a próxima. Nesse aspecto foi cansativo, mas nunca estive num país tão lindíssimo como os Estados Unidos. Vimos o deserto do Nevana, a Costa Pacífica é lindíssima e fomos muito bem recebidos, de uma forma como eu não estava à espera… Até na fronteira com o Canadá.”
«LIMBO»
[Editar o álbum durante numa altura em que não podia ser tocado ao vivo por causa da pandemia] “foi inevitável. Nós temos bastantes colegas de editora que não o fizeram, e que depois arriscaram ter três ou quatro anos de diferença entre discos. O que os afectou nos festivais do ano a seguir, por exemplo. A determinada altura a malta da editora perguntou-nos se queríamos adiar; podiam pôr outra banda no schedule porque havia quem o quisesse fazer. E nós queríamos fazer. Eu tive logo aquele pensamento, breve, de ‘se o pessoal está em casa, tem tempo para ouvir música, e se calhar vai dar certo’. E deu! Até então, 2020 foi o nosso melhor ano, conseguimos fazer muitas coisas. Fizemos os vídeos, todas as fotos que queríamos – havia tempo, porque não havia concertos. Não vivemos assim tão longe uns dos outros, conseguimos ensaiar, conseguimos ir a outros estúdios regravar o disco. Foi um ano bastante ocupado e eu fico feliz por termos lançado o «Limbo» quando o queríamos fazer, independentemente de se havia pandemia ou não. Não mexemos na data. Há tanta gente que traz o «Limbo» para os concertos, que ainda o compra, que o quer assinado, que quer isto tudo com o «Limbo»… Se calhar ainda mais que com o «Mirage», talvez por ser um disco ainda bastante recente, mas… Há muita malta que nos está a conhecer agora, mas com o «Limbo», sem ser propriamente com o «Mirage». Notarmos que se se tornou um disco importante, e isso deixa-me satisfeito. É excelente.”
RECUPERAR TEMPO
“Em 2021, fizemos um ou dois concertos, tocámos em Portugal para aquelas salas estranhas que tivemos de fazer. Depois, em 2022, tocámos bastante, fomos ao Hellfest e todos os festivais de Verão ainda foram com o «Limbo», apesar de já estarmos a fazer alguma promoção do «Mirage». Fizemos o VOA. Lá está, não fizemos tanto como eu gostava que tivéssemos feito, queria ter feito pelo menos uma tour europeia só com o «Limbo», mas a verdade é que, quando começámos a apresentar o «Mirage», sentimos que era importante tocar temas do «Limbo» porque havia gente interessada. Não podíamos simplesmente “saltar” esse álbum porque já tínhamos um novo. Sentimo-nos um bocadinho dessa, não diria pressão, mas necessidade, de tocar os temas que se tornaram mais importantes do «Limbo» porque ainda ninguém os tinha ouvido ao vivo. Mesmo nós, queríamos tocar os temas. Somos uma banda que cresce à medida que toca ao vivo, é como acho que crescemos e nos desenvolvemos, e não tanto nos ensaios, nos discos e na produção dos álbuns. É a tocar ao vivo que nos conhecemos e nos inspiramos, e conseguimos crescer como músicos e pessoas. Foi por isso que foi tão importante tentarmos tocar tanto quando possível em Portugal quando não dava seguer para ir a Espanha – fizemos tudo o que podíamos ter feito. Aqueles três ou quatro concertos que fizemos na altura, para salas muito reduzidas, foram importante para ‘assentarmos’ aquele disco e começarmos a moldar aquilo que daria para fazer quando voltássemos à estrada.”
«MIRAGE»
“Fizemos todo o trabalho de promoção do «Limbo», todos aqueles vídeos, os pequenos concertos e depois tínhamos uma tour com os Harakiri For The Sky e Schammasch, que entretanto foi feita, mas que foi adiada uma série de vezes. Chegou uma altura, no início de 2021, em que estávamos próximos de poder ir para a estrada e fazer essa digressão, mas… Enfim, surgiu outra variante qualquer e fodeu-nos o 2021 todo outra vez. Essa frustração, aquele momento em que já tínhamos feito tudo, não queríamos a estar a fazer mais nada com o «Limbo», não podíamos tocar, deu o mote para começarmos a escrever. De todos os discos que fizemos até agora, o «Mirage»… Foi feito em duas semanas, entre compor, escrever, ensaios – em duas semanas tivemos o álbum como as pessoas, mais ou menos, o conhecem. Depois tudo o resto aconteceu com o Miguel, no estúdios Demigod. Mas sim, foi um processo muito expontâneo, e acho que isso acaba por notar-se. É uma das grandes diferenças entre o «Limbo» e o «Mirage», essa expontaneidade e a forma como não tivemos receio de não sermos a banda mais agressiva e mais rápida do planeta. É uma coisa que temos no «Limbo», que é um álbum muito frenético, bastante dissonante. Apesar de não sermos completamente uma banda de black metal, esse é um álbum que queria ser bastante black metal. O «Mirage» não é tanto isso, é um álbum mais libertador, mais minimalistas, com bastantes paisagens sonoras diferentes.”
BLACK METAL OU NÃO BLACK METAL?
“O facto de não sentirmos necessidade de querermos estar a mostrar que podemos tocar muito rápido, deixa-me bastante contente. Parece que, hoje em dia, há muito isso; tem de ser tudo muito rápido, muito frenético, muito explosivo. Nós conseguimos um balanço, um equilíbrio sonoro, que para nós é muito interessante. Conseguimos fazer isso, principalmente no «Mirage». Mesmo a forma como escrevemos música, os temas não têm propriamente um padrão, é como se estivessemos a contar uma história. Não construímos as canções com padrões A/B/C/D, mas isso não é algo que queiramos fazer assim, é como sai. E isso que faz com que não sejamos A BANDA de black metal. Mas também temos muitas coisas que nos fazem ser uma banda de black metal, e eu acho que tocamos black metal, no sentido da liberdade artística que o estilo tem, nós partilhamos isso, mas há tantas outras coisas que temos no nosso som. Algumas das quais nem eu sei bem definir. É aquilo que gostamos de fazer, é música explosiva, música agressiva, mas música que possa fazer com que as pessoas, sei lá, fechem os olhos e sintam o que estão a ouvir. Não tem de ser algo que as pessoas têm de estar a apreciar o quão bem é tocado, por exemplo. Tem muito mais a ver com a performance, e é por isso que tentamos tocar o máximo possível, por é aí que nos construímos.”
AI PORTUGAL, PORTUGAL
“Temos uma agenda bastante cheia, ainda temos muitas coisas para anunciar, há três ou quatro tours que ainda temos de anunciar, não só na Europa, e achámos que… Isto talvez tenha sido uma coisa que aprendemos, ou que tirámos, do que andámos a fazer na altura do «Limbo». Portugal é um país pequeno, e nós na altura talvez tenhamos tocado demasiado em Portugal, porque era o que dava para fazer. Agora, qcho que mais vale fazer dois bons concertos do que estarmos a pensar que tocamos no Porto e, daqui a meio ano, se calhar estamos outra vez a tocar no Porto. Claro que para nós é incrível tocar no Porto; é a nossa cidade, adoramos aquilo e, neste momento, estou cheio de saudades de voltar a Portugal. No entanto, também temos de ser realistas. É um pais pequeno, é um país onde se demora muito tempo a construír uma nova audiência e nós, quando tocávamos muito mais em Portugal, notávamos que, felizmente mas também infelizmente, apareciam sempre as mesmas pessoas – era complicado atraír um novo público. Basicamente, porque temos uma cena muito pequenina, as novas gerações não aparecem tão depressa quanto seria desejável e nós não podemos andar a tocar em todo o lado, porque toda a gente sabe que as tours em Portugal não funcionam. Foi também por isso que quisemos fazer só estes dois concertos e demos este espaçamento entre a edição do «Mirage» e levarmos este espectáculo a Lisboa e ao Porto.“
OS CONCERTOS DE REGRESSO A CASA
“Mais vale tentarmos fazer o melhor que conseguimos – e o melhor que conseguimos é fazer, talvez, a maior produção que alguma vez tivemos. É o que vamos ter nestes dois concertos, espectáculos como realmente sempre quisemos ter para os Gaerea. Vamos finalmente conseguir fazer isso, com uma boa equipa e uma excelente produção. Vão ser duas actuações planeadas com muito detalhe, vamos actuar em duas das melhores salas em que uma banda como nós pode tocar e vamos fazer tudo para se seja algo de que as pessoas se lembrem durante muito tempo. O plano passa por trazermos muito do «Mirage» pela primeira vez para o palco, existem alguns momentos específicos… Enfim, não quero estar a revelar muito, mas estamos a tentar que seja algo bastante especial, algo bastante detalhado. Vai ser bastante orgânico na mesma, mas temos estado a trabalhar numa produção que, a vários níveis, será muito interessante – e acho que não há melhor sítio que Portugal para experimentarmos algumas destas coisas pela primeira vez. Não sei, isto pode soar um bocado arrogante, mas se nós estamos a viajar, se estamos a fazer tudo isto para darmos dois concertos em Lisboa e no Porto, acho que alguém que viva, sei lá, no Algarve ou no Alto Minho, também pode deslocar-se porque nos quer ver. Nesse aspecto é um compromisso de ambas as partes e acho que é importante que as pessoas investirem naquilo que gostam, como nós também fazemos.”