Os tempos são estranhos, as bandas reinventam-se, as salas rearranjam-se, tudo em nome da resiliência, porque resistir, sobreviver, é o mote. Aquilo que estava destinado a ser uma festa, tornou-se em algo anormal, dentro da normalidade imposta. Heavy metal para gente sentada, em que o álcool ocorre mais rapidamente numa solução de gel que na tradicional cerveja. Um encontro de mentes sibilares, que acaba em acenos à distância, num adivinhar se aqueles olhos são do conhecido. É 2020, aquele ano que nunca prevíramos e que desejamos não tivesse existido.
Talvez por isso a catarse dos OAK tenha resultado bem e os guturais do guitarrista não se destinassem apenas ao baterista que o enfrentava, mas antes à libertação de frustrações. Começaram em tons de azul, ferveram para o vermelho e terminaram numa explosão de luz, tão contida quanto impõe este ano de todos os males. Três temas que se desenrolam quase em ritmo de jam. Não há mais porque o tempo não o permite e porque apenas sobrou uma canção de «Lone». Disco perdido nos finais de 2019, mas que ainda se vai a tempo de descobrir. Duo excelente, que no palco da Sala 1 perdeu a intimidade de um clube, mas que resultou enquanto grito de desespero.
ALINHAMENTO OAK: «Sculptures», «Mirror», «Maze»
De repente quase todos se levantaram, mas rapidamente as cadeiras voltaram a ser o local onde estar, porque assim tem de ser… e a noite dos GAEREA chegou. «Limbo» é um grande disco, e antes de o ser, a sua importância já o fizera ser. Os cinco elementos, em cima de palco, sabem-no. Primeiro chega o som, depois o vocalista entra no palco. Maestro para esta noite, o comunicador de serviço, o jogral que faz a ponte com o público, gesticulando.
Sente-se a adrenalina, o prazer de ter ali chegado, a satisfação de o conseguirem, num país em que tantos ajudam a ir para trás. Talvez esse excesso de energia, tenha sido o maior inimigo da noite, sentindo-se mais um ambiente de festa que o peso do vazio que o grupo celebra no seu disco. De início sente-se a falta de uma guitarra. Por um par de vezes o cabo do micro desliga-se entre a complexidade do suporte e a exuberância dos gestos. Claramente se percebe que a situação actual leva à falta de rodagem. Este é o primeiro concerto do grupo, em meses. Limitado a pouco mais de uma centena de pessoas, sentadas. 2020, é isto. Cerca de um ano depois de terem surpreendido muitos na Sala 2, os GAEREA mostraram porque percorrem o grande caminho que tantos lhes apontam. Noite de celebração, mas também grito de revolta em nome dos muitos grupos amordaçados pelo momento. «Limbo» foi a estrela da noite, mas o passado não foi esquecido. Tudo correu bem e foi bom, com a certeza que na próxima será ainda melhor e todos estarão juntos e de pé a celebrar.
ALINHAMENTO GAEREA: «To Ain», «Whispers», «Absent», «Null», «Urge», «Conspiranoia», «Endless Lapse», «Catharsis», «Mare», «Void of Numbness»