GAEREA

GAEREA: «Mirage», o decisivo passo em frente numa carreira sempre em crescendo [review]

Uma coisa já ninguém pode negar: enquanto «Mirage» toca, todos queremos ser GAEREA por um pouco.

É normal afirmar-se que o segundo disco de uma banda é o mais difícil, mas nem sempre é assim. Os GAEREA são um desses contra exemplos. Por razões editoriais, o quarto título do grupo nacional vale “oficialmente” como o difícil segundo disco. Razão simples, o colectivo atingiu, com «Limbo», o estatuto de referência, de “nova esperança”. Este é, por isso, o disco que concretiza o seu estatuto. Até porque o seu predecessor, por força da pandemia, não foi completamente consumado em estrada.

«Mirage», pelas mesmas razões, vai de encontro à estrada, sem antes respirar devidamente nos ouvidos dos fãs, ou curiosos. Com «Memoir», logo na abertura, resolvem-se as expectativas, mas mata-se um pouco as mesmas ao mesmo tempo. O tema é épico, recheado de pormenores,e tem uma dinâmica de bateria brutal. Layers de guitarra que entregam substância ao tema, e uma musicalidade que pode ajudar a compreender o ADN da entidade negra. A guitarra que ecoa nos primeiros instantes é cada vez mais um símbolo do som dos GAEREA —  traz a melancolia do chumbo do céu outonal do Porto. O cinza de um granito que contrasta com a luz de Lisboa.

Com «Memoir», já se consegue identificar um “som GAEREA“, que passa muito por essa guitarra, em toda a sua plenitude. Os murmúrios, que depois a acompanham, fornecem o lado mais negro, quase sobrenatural, que se espera de uma banda extrema que alguns inscrevem no black metal. Seguem-se as vocalizações guturais e o caos sonoro que o acentua. Depois deste tema é difícil ultrapassar a fasquia, e fica sempre a comparação com os seguintes. Que são bons, disso não haja dúvidas, mas a primeira acha já incendiou tudo, fazendo que qualquer malha soe a um acrescento.

A violência e intensidade de «Salve», devidamente oleada com uma melodia subjacente, já não encontra energia para reagir. Com «Deluge», ensaia-se de novo a introspecção, recupera-se aquela mistura entre momentos mais calmos e a devastação das guitarras, propulsionadas por uma bateria demonizada, que tão bem caracteriza os GAEREA. Por seu lado, «Arson» repete as mesmas guitarras acústicas no arranque. Levanta mesmo a vontade de comparar este som com aquele que Ricardo Amorim tem produzido, mas eventualmente mais apoiado nas influências de Carlos Paredes.

Não deixa, por isso, de ser interessante que Portugal tenha dois grupos, de nomeada, a explorar uma vertente semelhante, e em paralelo. Com a faixa que dá título ao disco, inicia-se nova jornada, num dos seus temas musicalmente mais audazes e experimentais. Um tema que levanta muita curiosidade sobre a sua execução ao vivo. «Mirage» é também introdutório dos momentos mais ricos do álbum, como se o lado B do vinil resultasse mais melódico e experimental.

A versatilidade do som das guitarras, as várias camadas presentes, os pormenores aqui e ali, os pequenos loops — que, por vezes, se transformam em hooks — , são muito do segredo de uma das bandas mais mediáticas que surgiu por cá neste século. Como se escuta aos quatro minutos de «Laude», “we are Gaerea”. Em «Mirage», todos o queremos ser por um pouco. [8.5]