Perante uma sala totalmente rendida e um futuro já em movimento, os GAEREA encerram a sua mais recente digressão europeia com um regresso triunfante à capital.
Ontem à noite, o LAV – Lisboa Ao Vivo transformou-se num templo de sombras, fervor e exaltação com o regresso dos GAEREA à capital para a data de encerramento da sua mais recente digressão europeia. Num momento particularmente simbólico da carreira do colectivo, este regresso a casa terá sempre de ser visto como uma afirmação clara do que virá a seguir — uma transição entre ciclos criativos, um marco para o underground nacional e uma prova da maturidade internacional que a banda conquistou ao longo da última década.
Os novos ventos que rodeiam os GAEREA eram já por demais evidentes muito antes de terem sequer tocado o primeiro acorde. A assinatura recente com a Century Media Records e a revelação dos singles «Hellbound» e «Submerged» criaram um clima de expectativa fora do comum. Lisboa recebeu a banda com a casa quase cheia, num misto palpável entre orgulho e antecipação, consciente de que a ascensão do colectivo há muito ultrapassa os contornos nacionais.
À semelhança do que tinha acontecido na noite anterior, a abertura do espectáculo ficou de novo a cargo dos emergentes APOTHEUS, que, com a habitual precisão melódica e um registo entre o melodeath progressivo e a ficção conceptual, aqueceram a sala com competência e intensidade. Mas foi quando as luzes baixaram e o palco se afundou num negro quase táctil que o LAV percebeu que estava prestes a entrar numa das experiências visuais e sonoras mais singulares e impactantes do metal extremo contemporâneo.
Com o palco a ostentar o enigmático sigilo dos GAEREA dividido em dois, metade à direita, metade à esquerda, e a bateria posicionada ao centro como um coração pulsante prestes a entrar em combustão, quando as luzes se dissiparam e as cinco figuras encapuçadas tomaram finalmente os seus lugares, a sala mergulhou numa onda de antecipação palpável — quebrada segundos depois pela violência súbita dos novos singles.
«Hellbound», em particular, surgiu como uma descarga vitriólica, rapidamente seguida de «Submerged», cuja melancolia sufocante ganhou uma dimensão ainda mais intensa ao vivo, reforçada por projecções que prolongaram o imaginário do vídeo-clip e revisitaram a sensação de afundamento interior, de luta contra uma maré invisível, que se materializou-de forma quase física no LAV.






A actuação prosseguiu com «Hope Shatters», cuja construção acrescentou tensão ao ambiente, antes de «World Ablaze» incendiar a sala com a sua espiral ascendente. «Salve», um dos temas mais intensos do período de «Mirage», surgiu como um momento de catarse, com a sala mergulhada numa densidade quase sufocante. Aqui tornou-se claro que, apesar das raízes no black metal, actualmente os GAEREA operam num território muito próprio, marcado por camadas atmosféricas, texturas e crescendos pós-metal e uma sensibilidade contemporânea que os distingue completamente das convenções do género.
Visualmente, a banda manteve intacta a estética que a tornou reconhecível nos palcos: máscaras sombrias, gestos ritualizados, ausência total de individualidade. No entanto, foi, como habitual, o vocalista Guilherme Henriques quem acabou por captar os olhares da sala durante a totalidade da actuação. Exuberante, confiante e teatral, moveu-se em espasmos convulsivos, quase desconfortáveis, como se fosse veículo de uma energia impossível de conter. Muito graças a isso, os temas assumiram contornos de sermão dirigido a um público que reagiu como se estivesse perante uma espécie de liturgia negra.
A segunda metade do alinhamento trouxe alguns dos momentos mais hipnóticos da noite. «The Poet’s Ballet» desenhou uma espiral emocional onde brutalidade e delicadeza coexistiram num equilíbrio algo instável, antes da sala se afundar no peso de «Mirage», interpretada com uma precisão que só está ao alcance de bandas incrivelmente rodadas.









Seguiu-se «Unknown», com a sua tensão crescente, preparando rapidamente o terreno para «Wilted Flower», que, ao vivo, acabou mesmo por ganhar proporções monumentais. A banda ergueu aqui um dos muros sonoros mais densos da noite, num dos momentos em que o vórtice emocional criado pelo colectivo atingiu a sua forma mais claustrofóbica e irresistível — uma verdadeira tempestade de beleza niilista.
Com a sala totalmente na mão, os GAEREA atiraram-se então à incontornável «Laude», uma despedida que funcionou como o encerramento perfeito para um concerto que oscilou entre violência, introspecção e transcendência. No ar, ficou a sensação de termos sido fustigados por uma tempestade em permanente expansão, onde cada ruptura, cada explosão instrumental e cada silêncio aprofundou ainda mais a forte ligação entre a banda e o seu público.
E sim, é verdade que o concerto que deram no EVILLIVƎ FESTIVAL no início deste Verão já tinha deixado bem claro que os GAEREA atingiram uma maturidade plena. No entanto, ontem, no LAV – Lisboa Ao Vivo, essa certeza ganhou forma definitiva. Não se tratou apenas de técnica ou potência: tratou-se da forma como os cinco músicos transformaram o palco num espaço emocional partilhado com a plateia, elevando a experiência a um patamar físico e sensorial que poucas bandas conseguem alcançar.
Com o novo álbum «Loss» previsto para 20 de Março de 2026, e com o novo capítulo editorial em pleno arranque, este espectáculo assumiu uma dimensão simbólica profunda. Os GAEREA regressaram a casa e encontraram um público à altura do momento. O ritual consumou-se — e o próximo ciclo já está em movimento.











