No passado dia 22 de Fevereiro, tivemos oportunidade de escutar em primeira mão «GastiR – Ghosts Invited», o álbum de estreia dos Gaahls WYRD, banda do lendário vocalista norueguês Gaahl (ex-Trelldom, Gorgoroth, God Seed e Wardruna). Para tal, fomos ao Tivoli de Helling em Utrecht a convite da Season Of Mist, juntamente com uma série de outros jornalistas. Horas depois de escutarmos o disco, tivemos ainda a oportunidade de ver a banda norueguesa actuar perante uma sala cheia, como foi de resto habitual durante a digressão com Idle Hands, Uada, e Tribulation que terminou no passado fim de semana.
Após algumas audições, torna-se claro que o álbum se divide em quatro pares de canções, ainda que a identificação do quarto par acabe por ser facilitada por algo que o próprio Gaahl nos contaria no Q&A que antecedeu o concerto. “Trabalho do fim para o início, faço a cabeça morder a cauda,” que é como quem diz que a introdução algo ambiental do tema de abertura, «Ek Erilar», surge como sequência da «Within The Voice Of Existence», algo que fica por demais evidente fazendo um loop do disco. Focando-nos no resto da «Ek Erilar», esta permite-nos um primeiro contacto com uma das características recorrentes de «GastiR – Ghosts Invited», que é a variedade vocal. Concretamente, Gaahl passa da aspereza inicial, que através da aliteração confere uma aura algo fantasmagórica ao acto de recordar, para gritos limpos e urgentes após um crescendo de guitarra, rematando a questão com sugestivos cânticos no clímax da canção e sussurros naquele que é efectivamente o outro da mesma.
Já a abertura da segunda malha, «From The Spear», dá-nos a primeira amostra do quão criativo é o trabalho de bateria de Spektr, algo que se vai repetindo durante o disco, com o primeiro single «Ghosts Invited» e a abertura da «Veiztu Hve» a serem também disso exemplo. O resto da canção como que enceta um acto de prestidigitação, usando um belíssimo solo do Lust Kilman para transformar um violento e moderno galope numa passagem mais aberta, cuja tonalidade e fluidez é reminiscente de uns Enslaved recentes, aspecto que de resto domina a «Ghosts Invited», que se segue no alinhamento. A esta tonalidade não será alheio o facto do disco ter sido gravado por Iver Sandøy, que não só é o novo baterista dos Enslaved (e dos saudosos Trinacria), como sobretudo é o senhor responsável pela gravação e produção de discos como «Axioma Ethica Odini» e «In Times».
Chegamos enfim ao centro do disco, dividido entre a «Carving The Voices» e a «Veiztu Hve». A primeira começa lenta e repleta de melodias que transmitem uma ominosa melancolia, desenrolando-se a partir daí num fascinante e expressivo diálogo entre voz e guitarra, que acaba por transformar a aparente melancolia em catártica tristeza num belíssimo final. Já a «Veiztu Hve», entra-nos a pés juntos nos ouvidos mas depressa se transforma num urgente labirinto de gritos e cânticos, com riffs (e que riffs!) em permanente mutação. A imprevisibilidade e mistura de influências díspares é tal que sobre a segunda parte da canção as nossas notas simplesmente dizem “imagina uma mistura entre Kvelertak (circa disco homónimo) e Wardruna.” O resultado é porventura a canção mais viciante do disco e aquela cuja transposição para um palco mais ansiosamente aguardamos.
Tendo em conta o vasto catálogo de Gaahl e o insano trabalho vocal nas primeiras cinco canções do álbum, não surpreende que uma malha chamada «The Speech And The Self» acabe dominada pela voz do senhor, e é isso que acontece, em particular naquele arrepiante final, com os leads algo folclóricos de guitarra e as fascinantes linhas de baixo do Eld a também merecerem o seu destaque. O terceiro par do disco fica completo com a sua mais curta e directa malha, «Through And Past And Past». Em ambas as canções, a banda lembra-nos que por mais esoterismo composicional impresso tanto estrutural como texturalmente, «GastiR – Ghosts Invited» é fundamentalmente um álbum de black metal que mais cedo ou mais tarde acaba por nos fustigar impiedosamente os ouvidos.
Chegávamos então a «Within The Voice Of Existence», a tal canção que é tanto final como início, já com os Idle Hands em pleno sound check na sala ao lado. Seguiu-se uma conversa entre a banda e os diversos jornalistas, na qual nos foi explicado porque é que apenas iríamos escutar a «Ghosts Invited» durante a actuação: Gaahl não quer que a primeira escuta de uma nova canção se dê com um vídeo de má qualidade captado num telemóvel qualquer, pelo que para uma malha de Gaahls WYRD ser tocada ao vivo, tem de ser editada oficialmente primeiro. Perguntámos ainda aos restantes músicos se podiam confirmar que o vocalista apenas decide o alinhamento de cada concerto no próprio dia. Entre risos, responderam-nos que o alinhamento final só é definido uns minutos antes de subirem ao palco, sendo no entanto restrito às duas horas e meia de material que prepararam para o efeito.
No entanto, esta não será a abordagem da banda em todas as datas, tendo Gaahl confessado que tencionam tocar «GastiR – Ghosts Invited» ao vivo do princípio ao fim num futuro próximo, afirmando ainda que os Gaahls WYRD “são uma banda de palco”. Verdade seja dita, a performance que testemunhámos, após verificarmos que os Tribulation estão numa forma incrível e que o novo material dos Idle Hands é tão estupidamente viciante ao vivo como em estúdio, foi mais um conjunto de versões das bandas antigas do Gaahl do que outra coisa. No entanto, com o malhão que é a «Steg» a abrir as hostilidades, a «Ghosts Invited» a meio, a «Prosperity And Beauty» a fechar, e três malhas adicionais tanto de God Seed, como de Gorgoroth e de Trelldom, é difícil alguém não se sentir de barriga cheia no fim da noite.
Já sobre a composição do disco, o vocalista explicou que esta decorreu entre ele e o guitarrista Lust Kilman no processo clássico de gravar demos e fazer pré-produção na casa de cada um. O baterista Spektre e o baixista Eld contribuíram posteriormente com arranjos pessoais. “Finalmente encontrei pessoal que consigo suportar,” diz-nos Gaahl, acrescentando que “ouve-se claramente no disco que toda a gente gosta do que está a tocar. Não sinto a banda como um trabalho, é divertido e temo-nos divertido muito em conjunto.”
Conta-nos ainda que há uma influência de odinismo na exploração temática do álbum, clarificando que olha para as figuras mitológicas “como arquétipos, não como divindades, não como algo sujeito a veneração de qualquer espécie,” explicando ainda que durante a composição sentiu a influência de diversos fantasmas, alguns que convidou explicitamente, como o David Bowie, e outros que surgiram de forma espontânea, como Nick Cave e Robert Smith, afirmando entre sorrisos que “os fantasmas não precisam de estar mortos.” Sobre o vasto catálogo de tons vocais exibido no álbum, diz-nos que não resulta de uma escolha premeditada, mas de uma interpretação feita no momento da emoção que sente em relação à passagem que está a cantar.
Durante a conversa, nota-se uma diferença considerável entre o vocalista e artista visual, reservado e pouco dado a exuberância conversacional, e os restantes membros da banda, francamente mais extrovertidos. Por isso mesmo, não conseguimos extrair muito sobre a ligação entre as várias formas de expressão artística que tem explorado ao longo dos anos, com o bem disposto Kilman a responder à nossa questão com um “tens três horas?” seguido de gargalhadas. Ao longo da conversa, clarificou no entanto alguns pontos, explicando que a gravação vocal foi complicada para o resto da banda porque só se consegue colocar no estado de espírito correcto durante a manhã, ao passo que aparentemente encontra na noite o horário ideal para explorar arte visual. Terminou a conversa afirmando não ouvir muita música nos dias que correm. Não literalmente, pelo menos. “Na verdade estou sempre a ouvir alguma coisa na minha cabeça,” algo que o resto da banda confirma que resulta num constante assobiar de melodias.
Fotos: Wouter Balk