Aproveitando o regresso dos lendários EYEHATEGOD a Portugal para um concerto único a 3 de Maio, no RCA Club, em Lisboa, recuperamos esta reveladora conversa com o icónico MIKE IX WILLIAMS.
Influente banda de New Orleans, os EYEHATEGOD emergiram no início dos anos 1990 com uma mistura imunda e intransigente de doom, blues punk e metal misantrópico, que rapidamente os empurrou para a frente da fértil cena underground de NOLA. Desde a estreia em 1990, com «In The Name Of Suffering», acumularam uma legião de seguidores leais com discos tão potentes e demolidores «Take As Needed For Pain», «Dopesick», «Confederacy Of Ruined Lives», «Eyehategod» e «A History Of Nomadic Behavior», de 2021.
Foi precisamente este último, ainda o mais recente dos EYEHATEGOD, hoje um quarteto formado por Mike IX Williams, Jimmy Bower, Gary Mader e Aaron Hill, que serviu de mote a esta reveladora conversa com Williams, uma das mais carismáticas figuras do underground nas últimas décadas.
«A History Of Nomadic Behavior» é um grande título para um disco dos EYEHATEGOD. Como surgiu?Já tinha escrito essa frase antes sequer de pensar no álbum ou nos temas. Era algo que tinha num dos cadernos em que vou rabiscando letras. Não significava nada, estava apenas lá. Na altura de escolhermos um título para o disco, soou-me bem. Tem um pouco a ver com os nossos últimos anos, sempre em digressão, e com a forma como que nos relacionamos com isso; portanto, decidimos usá-lo.
Fizeste um transplante de fígado e, de seguida, embarcaste numa digressão que durou quase três anos. Não terá sido demais?
Não! A verdade é que apenas vivemos uma vez. Olho para tudo isso e penso logo que quase morri, sabes? Estive à porta da morte, por isso nada melhor que ir para a estrada e aproveitar ao máximo. Nunca sabemos o que pode acontecer a seguir e foi daí que veio a ideia de ficar tanto tempo em digressão. Queríamos andar por aí e mostrar que éramos capazes de o fazer, e regressar de novo. Tivemos de aguentar a tour o máximo que podíamos, e foi divertido.
Foram essas as principais razões para ter passado tanto tempo desde o último álbum de estúdio dos EYEHATEGOD, a tua doença e essa tour?
Isso foi parte da razão. Esse disco anterior demorou treze anos a aparecer, por exemplo. Esse é o tipo de banda que somos, sempre foi assim. Nunca estivemos preocupados com o que as editoras dizem. Não colocamos um disco à venda e partimos em só para logo a seguir escrevermos mais um disco.
Gostamos de construir as coisas, de gravar temas de que gostamos, bem vividos. Queremos tirar tempo para compor. Preferimos ir lançando splits, colaborarmos noutros grupos, mantermo-nos ocupados. Quando nos apetece lançar um disco dos Eyehategod, fazemos isso. Nunca vamos escrever músicas só por obrigação.
E como foi a experiência de preparares e escreveres um álbum dos EYEHATEGOD durante a pandemia? Basicamente, ficaste preso em casa a ver o mundo a mudar.
Todas as letras deste disco foram escritas antes disso. Muitas delas foram provêm mesmo de um passado longínquo, bem antes de 2020 e de toda a merda que atingiu os Estados Unidos e o mundo. De certa forma, é o que sinto durante todo o tempo, esta fase não me mudou nesse aspecto.
Sempre fui anti-governo, contra a corrupção que grassa. As minhas letras sempre andaram por aí e as minhas convicções pessoais também. Desta vez terminei algumas letras em estúdio e, se calhar, de alguma forma foram afectadas por tudo isto. Talvez.
Os outros membros da banda perceberam, finalmente, que estavas certo desde sempre?
Penso que toda a banda sempre teve uma visão enegrecida do mundo que nos rodeia. Conforme vamos envelhecendo, ficamos mais positivos, mas nos anos 90 pensávamos que o mundo ia terminar no dia seguinte. Era a forma como pensávamos, por isso vivíamos no limite e sempre com pressa. Não nos preocupávamos com as consequências do que fazíamos ou com aquilo que poderia acontecer. Por tudo isso, toda a banda esteve sempre preparada para uma queda da sociedade tal como a conhecíamos.
O disco termina com «Every Thing Every Day» e, convenhamos, não há nada de subliminar na frase “kill your boss”.
Gostaste disso? [risos]. É, provavelmente, a minha faixa favorita no disco. Penso que qualquer pessoa se pode relacionar com essa letra. “Vai para a escola”, “vai para o trabalho”… Essas repetições na letra serve, para criar a monotonia do dia-a-dia. E introduzem alguma tensão na música.
Foi das que retocaste em estúdio?
Para ser sincero, não me lembro de quando escrevi essa letra, ou sequer se lhe mexi em estúdio. Não escrevo sobre “conceitos”. Esta letra é uma excepção. Geralmente, as minhas letras são apenas palavras e frases que me soam bem. É arte, e creio que a arte não tem sempre de ter algum sentido. É algo mais abstrato, encriptado.
Em palco sente-se perfeitamente que tomas o momento para entoar o tema como te apetece.
Sim, é a minha técnica… Sempre foi assim. Quisemos ser diferentes. Não escrevemos canções normais, com versos e refrões. Por vezes, as letras até se alteram em palco, dependendo de como me sinto, de como as coisas correm.
Creio que isso torna tudo mais interessante, para não ser sempre a mesma coisa quando vais ver uma banda actuar. Não nos consideramos uma banda de metal. Nem sequer gostamos do termo. E em particular, odiamos o termo sludge. Gostamos de fazer música como todos os outros e queremos ser diferentes nisso. Conseguimos fazê-lo sem sequer termos de tentar, porque somos um bando de weirdos.
Não gostas do termo sludge, mas os EYEHATEGOD são frequentemente referidos como pioneiros da tendência.
Isso é tudo muito estranho. Esse termo nem existia durante os primeiros quatro ou cinco anos de existência da banda. É como quando os Sex Pistols surgiram. Não foram de imediato considerados punk, o termo só foi inventado depois para os descrever.
Para mim, foram os jornalistas que inventaram o termo sludge para nos descreverem a nós e a outras bandas, por isso já cá estávamos antes do termo ser criado. Se o quiserem usar, podem estar à vontade com isso; por mim, está tudo bem. Apenas acho que somos uma banda de rock. E isto é um pouco gamar o Lemmy, que dizia o mesmo sobre os Motörhead.
No início tudo o que vocês e outros tantas era, de facto, apenas descrito como parte da “NOLA scene”.
Colocaram o mesmo rótulo a tantas bandas diferentes. Por exemplo, os Soilent Green foram logo metidos nessa cena do sludge, e sempre foram totalmente diferentes de tudo o resto. Passava-se o mesmo com os Crowbar, com os Down… Todas estas bandas soam de forma muito diferente umas das outras. Até grupos fora de New Orleans, como os Electric Wizard, receberam esse rótulo.
Há muitas bandas classificadas como sludge, mas que nada têm a ver umas com as outras. É algo próprio dos jornalistas, acho. Eu também costumava escrever para revistas, e compreendo isso. Por vezes precisas de uma palavra para descrever um tipo de som e nem sempre é fácil arranjar uma que funcione. Creio que sludge foi um termo que pegou bem.
Em vinil, o novo álbum foi lançado em onze versões diferentes. Porquê
Foi, basicamente, uma decisão da editora. Hoje em dia gostam de apostar em várias edições de pequenas tiragens e, dessa forma, uma loja até pode ter a sua própria versão à venda. Acho uma excelente ideia. Adoro vinil, em especial o colorido. O mais provável é nem chegar a ter metade dessas edições.
Os miúdos de hoje estão a aprender a gostar do vinil, como nós quando tínhamos a idade deles. Creio que para alguns desses miúdos demorou um bocado, mas agora, na internet, vejo-os a quererem ter um de cada cor. É giro ver isso.
Nessa altura, quando ainda eras um miúdo, nos anos 80, esperavas estar tanto tempo nos EYEHATEGOD?
Não, nunca. Quando começámos esta banda, todos tínhamos outros grupos e planeávamos coisas diferentes. Esta era uma banda secundária para todos nós, onde queríamos meter coisas mais lentas que tínhamos na cabeça. Foi tudo criado por diversão. Pensámos em provavelmente editar um disco e fazer uma digressão. Nunca pensámos fazer 50 tours e lançar oito discos, ou por aí. Nunca pensámos em chegar a esta data e ainda estar a falar dos Eyehategod. Na verdade, até acaba por ser um bocado estranho.