Formados no longínquo ano de 1979, os norte-americanos EXODUS foram uma das bandas pioneiras do fenómeno thrash surgido na Bay Area de São Francisco na década seguinte e, mesmo tendo de superar a morte de um dos seus elementos fundadores, inúmeras mudanças de formação e até vários hiatos, continuam aí para as curvas. Com a edição de «Persona Non Grata», em 2021, o grupo norte-americano atingiu a marca do 11º álbum de estúdio no seu fundo de catálogo, conseguindo o feito de, tantas décadas e turbulência depois, ter assinado um dos melhores e mais completos registos da sua já longa carreira. Antevendo um muito desejado regresso a Portugal, como uma das principais atracções da edição de regresso do VAGOS METAL FEST, a LOUD! conversou com o guitarrista Gary Holt sobre os sete anos de silêncio editorial que antecederam este mais recente lançamento.
Conseguiste manter-te são durante a pandemia?
Nem por isso! [risos] Tal como aconteceu a muitas pessoas outras pessoas, comecei a beber demasiado, mas já tratei desse assunto e agora estou no caminho certo. Na verdade, foi um período muito difícil para toda a gente.
Foi quase como viver num filme de terror…
Qual é o nome do filme? [pausa] «Contagion»! É um dos meus preferidos e, às tantas, dei por mim a vivê-lo.
Alguma vez tinhas estado afastado dos palcos durante um período tão grande?
Não! [risos] Ou melhor, talvez tenha estado nos anos 90, quando me retirei durantes uns tempos. Quando regressámos da Europa depois da digressão Bay Strikes Back tinha 55 anos e, quando demos, o nosso espectáculo seguinte tinha 57. Dessa vez não foram dois anos na totalidade, mas quase. É uma cena de loucos, porque acho que não apreciamos este tipo de coisas até não a termos. É como tocar em festivais durante um Verão inteiro, sabes? Às tantas começas a pensar que lá vem mais uma viagem de algumas horas para o meio do nada, para tocarmos num sítio onde o meu telefone provavelmente não funciona… No entanto, a verdade é que agora estou ansioso para isso voltar a acontecer.
Falando do novo disco, «Persona Non Grata»; quando começaram a trabalhar nos temas?
Eu andei a compilar riffs ao longo do tempo e fui compondo mais algumas coisas em casa. Em Julho de 2020 juntei algum equipamento e fui até à casa do Tom [NR: Hunting, baterista] nas montanhas para começarmos a alinhavar algumas ideias com ele na bateria.
Gravas essas ideias que vai coleccionando no telefone?
Normalmente, sim. Uso o gravador de voz e coloco-o em frente do amplificador. Se não tiver um amplificador comigo, coloco junto à guitarra e tento gravar enquanto vou tomando alguns apontamentos. Mesmo sem guitarra, vou tirando notas. Portanto, de uma forma ou de outra, estou sempre a trabalhar em ideias.
E já alguma vez acordaste a meio da noite com uma ideia para uma canção ou um riff?
Sempre! Principalmente logo de manhã, quando acordo, geralmente tenho epifanias desse género. Sobretudo quando tenho problemas com alguma canção.
Já alguma vez ficaste lixado por te teres esquecido de um riff?
Um milhão de vezes! É por isso que, agora, os gravo. Às vezes, toco um riff que soa bem, mas depois não me lembro da versão original ou de como o escrevi – isso acontece muitas vezes. Mesmo quando gravo as ideias, às vezes percebo que não ficam bem como as tinha idealizado da primeira vez.
O «Persona Non Grata» é um disco incrivelmente consistente, em que todas as canções são boas. Ficaram com essa ideia, depois de terminarem as gravações?
Quando terminámos as gravações, ficámos com a sensação de que tínhamos feito algo super especial, sim. Penso que termos tido tempo, sem interrupções, para ir à base dos Exodus – o Tom Hunting e eu, com uma bateria e um amplificador Marshall, numa sala a trabalhar nas canções até ao ponto de nos sentirmos satisfeitos – foi essencial. A verdade é que, se as pessoas ouvissem as versões originais de alguns destes temas, iam perceber que o que está no álbum não tem nada a ver. Por exemplo, a «The Beatings Will Continue (Until Morale Improves)» nem sequer era uma canção rápida. Era completamente diferente, mas nós desmembrámos o tema, destruímo-lo e fizemos algo novo com isso. De resto, acho que não fizemos nada de muito diferente a não ser colocarmos mais horas de trabalho no que estávamos a fazer.
Continua a ser um processo de aprendizagem?
Sem dúvida, sim. Não interessa há quantos anos andamos nisto, acho que vamos sempre continuar a aprender… Falando apenas por mim, sei perfeitamente que estou sempre a aprender coisas novas ao nível da composição. Verdade seja dita, nunca fui o meu melhor editor. Às vezes as músicas têm doze minutos de duração, mas não me importo porque gosto delas assim. Neste disco, não fizemos uma tenattiva consciente de escrever temas mais curtos, mas também não tivemos problemas de deitar partes para o lixo, mesmo que fossem grandes riffs. Se não era necessário, para o bem da canção, deitávamos o que fosse preciso fora. Next!
Trabalhar no estúdio caseiro com o Tom facilitou o processo criativo por terem eliminado aquela pressão do tempo e dinheiro para terminar o processo?
Bem, para começar, os Exodus nunca gravam num estúdio convencional. Nós construímos os nossos estúdios, mas esta foi a primeira vez que tivemos material para poder gravar também a bateria. No passado, tínhamos de marcar um estúdio e gravar a bateria, o que fazia com que não tivéssemos hipótese de voltar a regravar fosse o que fosse. Desta vez, a bateria estava sempre montada e se, um mês depois lhe apetecesse, o Tom dizia: “acho que posso tocar melhor naquela canção”. A bateria estava lá e ele podia tocar e gravar novamente sem qualquer problema. Portanto, esta situação deu-nos a possibilidade de estarmos a criar constantemente e todos tiveram oportunidade de alterar as nossas partes sem termos a pressão de estarmos a apagar pelo tempo de estúdio. Esta foi a principal diferença em todo o processo. Não gostamos de viajar para ter que gravar as nossas partes num estúdio e merdas do género. É uma chatice. Prefiro acordar, beber um café e dar uns passos para começar a gravar.
Qual foi a canção que deu início a todo este processo?
Acho que foi o tema-título. Tinha essa canção completa, sem bateria, mas enviei a música ao Tom para ele se familiarizar. Acho que essa foi a primeira a ficar completa e demorou algum tempo a ser masterizada porque é um pouco complexa. Essa, a «R.E.M.F.» e a «Elitist» já estavam feitas antes de nos juntarmos.
Falando das letras, a «Clickbait» explica-se a ela própria, mas provavelmente há outras que escreveste depois de passares por algo e pode haver por aí uma pessoa que se identifique com o tema, apesar de ter passado por algo diferente…
Exactamente. Uma canção deve apelar a mais do que uma pessoa… Pelo menos é isso que espero que aconteça. Somos uma banda de diferentes ideologias, o que faz de nós uma espécie rara, porque temos pessoas num espectro antagónico a nível político, mas continuamos a gostar uns dos outros. [risos] Se todo o mundo fosse como os Exodus, estaríamos muito melhor.