Poder-se-á especular que a tarefa da escolha de alvos preferenciais para a jornada Barroseliana de 2022 está ligeiramente facilitada em relação ao habitual pelo cartaz menos numeroso que este SWR Feast de transição oferece, mas tal é a qualidade condensada na menor quantidade que, no meu caso pessoal, no que diz respeito ao par de abertura da minha lista, podia ser um festival de oito dias com 300 bandas a actuar, que dificilmente a minha escolha seria diferente. Sendo assim, Este ano vou a Barroselas ver…
AUTOPSY
Se o SWR Feast consistisse só do concerto dos norte-americanos, cobriria os cerca de 400km que me separam da vila minhota com todo o gosto só para os ir ver. Os Autopsy são, e trata-se de uma opinião que atiro aos quatro ventos para quem quiser ouvir desde que o «Severed Survival» me violou os ouvidos há coisa de três décadas e que desde então só tem saído reforçada, a minha banda de death metal favorita, sem qualquer contestação. E pelas características únicas que introduziram no género, de lentidão podre e peso compassado, ainda costumo enfiá-los à bruta na categoria death/doom e dizer que são a minha favorita dessas também. E se me passarem umas cervejas enquanto discurso e me deixarem ir, ainda consigo fazer pontes com o punk, portanto tenham cuidado com isso. O bom do Chris Reifert é a razão pela qual tenho um fascínio especial por bateristas/vocalistas, e tudo aquilo onde o homem toca parece tornar-se em ouro – ouro todo cagado de lixo e tripas e escarros, sim, mas ouro do puro. Siege Of Power, Abscess, Doomed, Painted Doll, Violation Wound, até os recentes Static Abyss com o novo baixista Greg Wilkinson, só para referir alguns (e nem indo à sua passagem pelos Death), todos estão na minha rotação regular. E não só do Reifert, mas dos outros “Autopsies”, tudo o que irradia também é bom – Necrosic, Brainoil, Deathgrave, House By The Cemetary, enfim. O riff de abertura da «In The Grip Of Winter» é capaz de ser, juntamente com o da «Supagorgonizer» dos Iron Monkey (e há aqui uma linha evolutiva directamente traçável entre os dois), o que mais rapidamente me leva dos zero aos “selvajaria absoluta” mais rapidamente. Só por curiosidade, referir que, ao longo dos anos, felizmente, tivemos a oportunidade de falar de música e do festival muitas vezes com os irmãos Veiga, organizadores do SWR. E nos muitos encontros LOUD!/SWR, seria interessante calcular a percentagem de quantos incluíram a frase “então e Autopsy, é este ano?“. Se os Autopsy não fossem os Autopsy, suspeitaria que só os foram buscar finalmente para nos calar.
FILII NIGRANTIUM INFERNALIUM
Que me perdoem todas as outras, e algumas dão-lhes ali competição férrea (o que já diz tudo sobre a sua qualidade), mas os Filii Nigrantium Infernalium são a minha banda portuguesa favorita. Foram eles que, numa altura em que os meus ouvidos estavam sintonizados em quase exclusividade, com a Noruega, e partes selectas da Grécia, Suíça, Inglaterra e Estados Unidos, me mostraram que aqui, ao lado de casa, também havia coisas tão fascinantes como os horrores internacionais que me consumiam. «Os Métodos Do Pentagrama», primeiro, e «A Era Do Abutre» depois (e crucialmente), esses monumentos Venom-Voivodianos de black/thrash de expressão inolvidável, inconfundível e inquestionável, foram os responsáveis por me arrastar pelos colarinhos para a cena nacional à qual, até aí, a minha versão adolescente-parvo não prestava a atenção devida. Mesmo com o percurso algo errático que qualquer fã percebe que faz parte integrante do universo Filii, uma entidade cósmica à parte das restantes, é de aquecer qualquer coração negro e morto que por esta altura continuem não só activos, mas talvez numa das melhores fases de sempre, dando concertos absolutamente explosivos, ainda alimentado-se da energia daquele que será, friamente analisando, o seu melhor álbum de sempre (sim, o «Hóstia»), e pelo que consta, próximos de lançarem o próximo capítulo. Não há futuro, claro, mas naquele que vai havendo, dormimos um bocadinho melhor por saber que ainda há concertos e álbuns dos Filii por vir. To the death!
DEATHHAMMER e BESTA
Face a dois colossos da magnitude dos anteriores, daqueles que nos fazem comprar várias edições e vários formatos do mesmo disco ao longo do tempo, quase dá vontade de ficar por ali, mas seria uma injustiça perante a qualidade do restante cartaz do SWR Feast, do qual ainda fica muito por onde escolher. Assim sendo, já que temos death metal e black metal (mais ou menos) na lista até agora, completemos o poker de estilos com thrash e com grind. Quando mencionei há pouco que nos early 90s estava sintonizado à Noruega, deverão calcular certamente que não era pelo seu thrash, apesar de haver algum desse género primordial transversal à evolução do black metal norueguês, como é óbvio. Mas com o tempo, e especialmente através da famosa e hilariante Kolbotn thrashers union, o país veio a tornar-se um berço importante para manter vivo o thrash, especialmente enquanto o género ia estagnando noutros países. Os Deathhammer não são de Kolbotn, mas a questão parece ser puramente geográfica, já que bem poderiam juntar-se em espírito aos Darkthrone, Condor, Nekromantheon e demais “membros” do clube. Cheios de referências deliciosas aos primórdios do metal extremo e debitando sempre thrash malévolo e entusiasmante, o duo formado por Sargent Salsten e Sadomancer é uma espécie de resposta norueguesa aos suecos Nifelheim, e pela sua vitalidade constante, são sempre uma das prioridades quando tocam ao vivo seja onde for. O mesmo se poderá dizer dos “nossos” Besta, capazes de aniquilar qualquer palco e público onde “aterrem”. O solo nacional é fértil para o grindcore, nas suas múltiplas expressões e variantes, mas a banda de Ricardo Correia, especialmente desde que Paulo Rui se juntou à formação, tem sabido transcender as suas fronteiras, tendo já uma apreciável carreira fora de portas – e isto tudo, sem nunca deixar de se expressar em português, o que é de louvar. Já se imaginam corpos suados e copos de cerveja pelo ar quando os Besta subirem ao palco para partir tudo no SWR Feast.