ENTER SHIKARI

ENTER SHIKARI: Duas décadas de caos criativo e resistência electrónica

Os britânicos ENTER SHIKARI regressam a Lisboa hoje, sexta-feira, dia 7 de Novembro, para um concerto que celebra 20 anos de rebeldia sonora, pensamento crítico e libertação colectiva.

Quando Rou Reynolds sobe a um palco, não o faz apenas para cantar — faz para provocar, desafiar e libertar. É precisamente essa a essência dos ENTER SHIKARI, banda britânica nascida em 2003, em St Albans, Hertfordshire, e que desde então se transformou um dos fenómenos mais singulares do rock alternativo europeu. Misturando a brutalidade do pós-hardcore com a pulsação da electrónica, o grupo — cuja formação fica completa com Chris Batten, Rob Rolfe e Rory Clewlow — construiu um percurso muito curioso, onde o moshpit e a consciência social coexistem sem contradição.

O nome “Shikari”, que em hindi e persa significa “caçador”, foi escolhido por Reynolds em homenagem a um barco do tio e a uma personagem que criou numa peça teatral adolescente. “Sempre gostei da ideia de caça — mas não de matar. Caçar ideias, perseguir verdades, desenterrar contradições. É isso que fazemos,” explicou o vocalista numa entrevista à Kerrang!.

Essa perseguição começou de forma independente. Nos primeiros anos, como tantas outras bandas, os ENTER SHIKARI lançaram maquetas e singles de forma artesanal, organizando os próprios concertos e cultivando uma base de fãs devota através das redes sociais emergentes. Quando o álbum de estreia «Take to the Skies» foi finalmente editado em 2007, pela editora criada pela própria banda, a Ambush Reality, o impacto foi imediato: número 4 no top britânico e aclamação quase unânime.

“Queríamos provar que não precisávamos de uma multinacional para chegar longe,” recorda Chris Batten. “O público entendeu a mensagem: somos deles, não de uma corporação.” Com temas como «Sorry, You’re Not a Winner» e «Anything Can Happen in the Next Half Hour», o disco introduziu um som que parecia colidir dois mundos: o hardcore explosivo e a energia das raves. Era o início de uma revolução sonora que a imprensa chamou, a contragosto da banda, “electronicore”. “Nós nunca gostámos de rótulos estanques,” disse Reynolds à NME. “Mas se é preciso um, chamem-lhe ‘caos organizado’.”

Em 2009, «Common Dreads» mostrou que os ENTER SHIKARI não eram apenas uma banda carregada de energia, mas também de ideias. Canções como «Juggernauts» e «Solidarity» denunciavam desigualdade económica e o medo fabricado pelos meios de comunicação. “A música é a nossa forma de resistência,” afirmou a dada altura Rou à BBC Radio 1. “Queremos que as pessoas dancem, mas também que acordem.”

Três anos depois, «A Flash Flood of Colour» consolidou essa faceta política e trouxe hinos de esperança em meio ao colapso social pós-crise financeira. Foi esse o álbum que transformou os espectáculos dos ENTER SHIKARI em proverbiais actos de comunhão: luzes estroboscópicas, refrões em uníssono e um frontman a correr por entre o público, megafone em punho, como um pregador apocalíptico.

Seguiram-se «The Mindsweep», de 2015, e «The Spark», de 2017, dois discos que equilibraram a fúria e a vulnerabilidade. Reynolds, diagnosticado com ansiedade generalizada, começou a expor temas de saúde mental e empatia. “Durante anos, tentei esconder as minhas fragilidades. Depois percebi que a força vem precisamente daí,” contou à Clash Magazine. Essa abertura emocional aproximou ainda mais a banda dos fãs, transformando o moshpit num espaço de catarse colectiva.

Durante a pandemia, «Nothing Is True & Everything Is Possible», de 2020, capturou o sentimento de desorientação global. Combinando orquestrações e texturas electrónicas densas, o disco refletiu bem a era da desinformação. “Vivemos tempos em que a verdade é tratada como um produto opcional,” observou Reynolds. “A nossa resposta foi fazer um álbum que abraçasse a incerteza e a transformasse em música.”

No entanto, seria com «A Kiss For The Whole World», de 2023, que os ENTER SHIKARI alcançariam o auge: o primeiro número 1 da carreira nas tabelas britânicas. Gravado logo após o confinamento, o LP nasceu de um impulso visceral. “Nessa altura estávamos emocionalmente exaustos. Este álbum foi o nosso renascimento,” explicou Rou à BBC Radio 1. “Queríamos celebrar o simples facto de estarmos vivos.” A faixa «(pls) Set Me on Fire» tornou-se um manifesto desse renascimento, fundindo metal, synthpop e euforia colectiva num só sopro.

Essa energia vai agora incendiar Lisboa. Esta sexta-feira, 7 de Novembro, os ENTER SHIKARI regressam a Portugal para um concerto único no LAV – Lisboa Ao Vivo, uns muito longos doze anos depois da última actuação em território nacional. O espectáculo faz parte da digressão de «A Kiss for the Whole World», e promete atravessar toda a discografia da banda — daquelas explosões iniciais de «Take To The Skies» à sensibilidade mais introspectiva de «The Spark», sem esquecer os novos temas que celebram a superação e a alegria de resistir.

Verdade seja dita, uem já assistiu a um concerto dos ENTER SHIKARI sabe muito bem o que esperar: um festim de lasers, sintetizadores, riffs devastadores e um público que se move como um organismo único. Além disso, ao longo de mais de duas décadas, a banda construiu uma reputação cada vez mais rara: a de nunca se repetir. O seu legado é o de quem prova que o rock ainda pode ser radical, inovador e dançável ao mesmo tempo.

Hoje, quando as primeiras batidas ecoarem pelo LAV – Lisboa Ao Vivo, Rou Reynolds incitar a multidão a “tear down the walls”… E o “Shikari” voltará a caçar — sendo que, desta vez, o alvo é o silêncio. Os bilhetes para o concerto custam 27€, já disponíveis em primeartists.eu e nos locais habituais.