Foi uma noite fantástica. Todas as regras ditam que este texto não devia começar assim, mas é inevitável não o fazer quando o entusiasmo ainda está fresco, passadas escassas horas apenas de ter soado a última nota. No entanto, é inevitável não se ficar entusiasmado depois de viver algo que, por incrível que pareça, é cada vez mais raro — uma noite de hard’n’heavy de qualidade superior. De volta ao nosso país estavam os ENFORCER, um dos grandes nomes da “nova” (já lá vai mais de uma década) vaga de heavy/speed metal, acompanhados por duas bandas nacionais, os AFFÄIRE, que regressavam ao RCA Club após dois anos de ausência, e os WOULD YOU KINDLY, que se estrearam nos palcos. Começamos precisamente por eles. São uma banda jovem de Cascais, sem muitas informação disponível, a dar o seu primeiro concerto de sempre. Tal como esperado, com algum nervosismo à mistura. A sonoridade é rock com um sabor intermitente entre o mais alternativo ou até o mais musculado, com a particularidade de ter duas jovens vocalistas e uma banda de apoio onde temos que destacar o baterista, que trouxe uma energia acrescida aos originais, dos quais «Chunk» parece o mais forte. Curiosamente, a cover de «Zombie», dos The Cranberries, acabou por ser o momento mais fraco do alinhamento. O regresso dos AFFÄIRE ao palco do RCA Club ficou marcado por ser o primeiro com a nova formação da banda, onde Tawny Rawk, encarregue no passado do baixo, assumiu o papel de frontman. Fê-lo com confiança e garra, para que a banda estivesse ao seu nível habitual. Ou seja, altíssimo. Com um alinhamento que tentou (e conseguiu!) focar todos os lançamentos, foi um esbanjar de classe hard rock com «Paradise Café» e «Wild Romance» a garantirem elevada eficácia e a terem também boa repercussão entre o público, mostrando que sim, há fãs do género em Portugal, o que não existem é muitas oportunidades para que se manifestem. Felizmente, são estas excepções que se tornam ainda mais saborosas.
E, claro, o momento mais esperado era mesmo a subida ao palco dos ENFORCER, com uma sala ávida do seu heavy metal de elevadas octanas. Ficou, desde logo, que iam satisfazer o desejo aos presentes, já que começaram com uma rendição demolidora da «Destroyer», colocando a fasquia bem acima — e não voltariam a baixá-la mais. Sendo o historial da banda em Portugal feito de concertos que nunca satisfizeram por completo, podemos dizer que, nesta ocasião, esteve tudo perfeito. Quer em termos sonoros — o som tem sido o calcanhar de Aquiles da banda –, quer no alinhamento. A qualidade sonora esteve ao nível esperado — pese o nível da voz de Olof Wikstrand estar um pouco abaixo do desejável, mas isso foi sendo corrigido ao longo do concerto –, com o público, claramente entusiasmado, sempre a cantar. O alinhamento, curiosamente, não reflectiu tanto o recente «Zenith» (comdois temas escolhidos) e incidiu sobretudo nos álbuns anteriores, o que poderá significar que perceberam que, apesar de competente, o álbum não consegue capturar a energia desejada. Divagações que, na altura, nem sequer vieram à baila, dado o despejar de clássicos atrás de clássicos, com «From Beyond» e «Katana» (esta já no encore) a soarem simplesmente arrasadoras. Impossível esquecer o ponto alto inevitável, «Take Me Out Of This Nightmare». Uma noite maior para os amantes das sonoridades tradicionais e mais uma prova que, apesar da crença de que são neste momento o patinho feio da música pesada, há muita gente não concorda e comparece à chamada. É assim que a magia acontece.
FOTOS: Jorge Botas