São provenientes de uma das nascentes de rock da mais fina estirpe do nosso país, ali algures para os lados de Barcelos. Os indignu, assim sem maiúscula, entregam agora o seu quinto álbum. Surgido na sequência de mudanças na sua formação e de um processo criativo que se alongou por três anos, escolheram o Arda Recorders, no Porto, para o fazer, trabalhando com Ruca Lacerda, produtor dos Mão Morta e Pluto, na gravação e ma mistura. A masterização esteve a cargo do islandês Birgir Jón Birgisson,que já trabalhou com nomes como Bjork, Sigur Rós e Spiritualized, entre outros. Para todos os que necessitam de etiquetas e fronteiras intelectuais, será simples referir o post rock e alguns dos seus sumos artífices. Pelo meio, podem referir-se colaborações com Ana Deus, Manel Cruz ou o escritor Valter Hugo Mãe. Quem já escutou os seus discos, ou teve a oportunidade de os ver ao vivo, como na passagem recente pela última edição do Amplifest, há umas semanas atrás, sabe que os indignu quebram muitos paradigmas. Também neste disco isso volta a acontecer, com a reinvenção contemporânea do fado, que nos foi oferecida pelos grandes Dead Combo, a fomentar nessa forma de sentir tão portuguesa. É um adeus que contém uma promessa de retorno, que fere o âmago e lhe dá esperança pelo reencontro, um adeus que sabe a saudade.
O novo disco, apropriadamente intitulado «adeus», é composto cinco temas, minimamente vocalizados e com títulos enigmáticos como «Devolução da essência do ser» ou «Urge decifrar no céu». “Sempre fomos enigmáticos q.b em grande parte dos nossos títulos”, afirma Afonso Dorido. “No novo disco, o conjunto de todos os títulos das canções são uma frase-poema. Além disso, há também uma palavra que se forma se olharmos atentamente. À parte disso é um disco que apela muito no seu conceito à partida humana e, ao mesmo tempo, ao recomeço num novo mundo, seja ele qual for. É uma espécie de fronteira, é um vestir uma nova pele, mas sem nunca perder a essência. Uma metamorfose, mas emocional. Sempre que algo parte e se transforma, procuramos buscar no céu respostas… Podemos não as encontrar, mas vamos sempre procurar”. Voltando à história, o colectivo nasce em Barcelos em 2004. Desde sempre, experimentaram diversas mutações estéticas e musicais, mas foi em 2013, com o álbum «Odyssea», que se definiram as directrizes sonoras pelas quais ainda se orientam hoje. Apesar de mais circunscritos ao núcleo central no processo criativo, ao longo dos anos não se escusaram a desenvolver colaborações dentro e fora do universo musical, como são exemplo os trabalhos com o cinematógrafo egípcio Omar Abou Doma ou com artista plástico Mário Vitória.
Depois de «fetus in fetu», de 2010, «Ophelia», de 2016, e «Umbra», de 2018, chega agora, «adeus». Os temas fluem novamente debaixo de um céu que é o de indignu. “O céu será sempre o mesmo, acho que a forma como olhamos para ele é que nos dá diferentes directrizes para escrever música. Normalmente há alguém que traz a primeira ideia, o primeiro riff, e depois de validação do colectivo é esculpido até ficar num ponto que o consideramos terminado. No entanto entre a primeira ideia e a conclusão da peça podem passar-se meses. No caso de indignu e como as músicas por norma têm dez minutos de duração ou mais… é de facto um processo longo de procura de saídas. Às vezes, o grosso do tema fica pronto nuns dias, mas as pontas que o unem ou às vezes uns simples compassos demoram muito até fazerem sentido e tudo encaixar como pretendemos e sem nunca (nos) parecer forçado. Tempo… os temas têm sempre de fluir com tempo faça sol ou faça chuva vinda do céu”.
Curiosamente, o disco intitula-se «adeus» e marca o regresso após um hiato pandémico. “Desde a saída do «Umbra» até o disco ficar gravado em Março deste ano, muita coisa aconteceu no colectivo. A saída de elementos do núcleo central, o trabalhar com novas pessoas, a procura de um caminho com novas paisagens sonoras, uma pandemia e… a despedida de pessoas que mais próximas de nós ou não nos influenciavam como músicos e/ou artistas”. Para Afonso, guitarra solo e também responsável pelo baixo, este «adeus» é “uma espécie de partida para um novo lugar, mas para o podermos fazer antes temos sempre de nos despedir, de dizer adeus. De encerrar um capítulo. Nós achámos que era essencial dizer adeus antes de partir para outra. Nunca, quando em 2004 começámos a ensaiar numa pequena garagem em Barcelos, pensámos editar cinco discos, fazer concertos fora do país, lotar salas… estamos gratos por tudo o que fizemos até agora, mas decididamente que é hora de ir para lá das nuvens e voar mais alto. Não é tanto ambição, mas sim vontade de fazer melhor. Será essa vontade que move sempre seja quem for a continuar a fazer algo”. Com edição em vinil, existem como que dois discos. “A «Noturna», a «Devolução da essência do ser» e «Em qualquer entranha» são uma trilogia”, que compõem uma “espécie de tema maior”. Desfilam “sem qualquer tipo de pausas, o que preenche toda a primeira parte do disco”. Desta forma, «Em qualquer entranha», com o seu piano, a sua duração, soa mais como um outro, pois “o tema acaba por ser o epílogo do Lado A do «adeus», mas sendo ouvido num outro formato que não vinil, acaba por ser uma pausa para respirar, para dissecar tudo o que ainda ficou nas entranhas de mais difícil acesso da essência. Nesse caso sim também funciona como intervalo de intensidades para o que vem a seguir no álbum”.
Musicalmente, o disco está recheado de pormenores deliciosos, bebendo de uma contemporaneidade que repesca sons mais distantes no tempo. Em «Devolução…», há ali uma essência de guitarra portuguesa. “É uma guitarra eléctrica, mas os dedos de quem a toca são portugueses. Foi colocado um microfone junto à guitarra numa captação mais orgânica sem passar por nenhuma coluna e a junção destes factores acentua essa essência e melancolia, que aliás sempre esteve presente desde o «Odyssea» de forma mais ou menos vincada. Nunca deixaremos de ir beber às nossas raízes e possivelmente na «Devolução da essência do ser» elas afloram por entre todas as outras influências na qual vamos beber”. Hoje, o colectivo transmutou-se. “No núcleo central estão o Afonso Dorido, a Graça Carvalho, o Pedro Souza e o Ivo Correia. Foi este quarteto que escreveu a maior parte do «adeus» e o finalizou. Até 2020 outras pessoas trabalharam no início desta nova fase, como é o caso do Mateus Nogueira, antigo elemento, ou do Ruca Lacerda, que acabou por gravar e misturar o disco contribuindo também para estética dele. Ainda assim é sempre possível que ao vivo o número de pessoas possa aumentar ou variar quando assim se justificar”. Ao vivo, a ultima actuação, passou pelo Amplifest, num “balanço é muito positivo”, pois “foi o concretizar de um sonho, visto o Amplifest ser um dos nossos festivais de eleição, enquanto público”. Além disso, “a reacção das pessoas foi incrível, tivemos muita gente do público a manifestar que gostou muito do concerto e isso é motivador. No fundo, foi uma antestreia do «adeus» e ainda por cima em palco. Isto ainda está a arrancar a nível de estrada, mas este primeiro impacto dos novos temas em palco, ainda por cima no Amplifest foi muito intenso. Tão cedo não o esqueceremos e aguçou-nos a sede de levar o disco a todas as paragens possíveis”.
Aquele que é o quinto disco da banda, está agora disponível em várias plataformas digitais e em formato físico, com selo da Dunk!Records. Não é apenas um disco, é uma experiência. Uma viagem pela melodia e pelas emoções. Um disco claramente outonal, em que tudo flui como folhas que caem lentamente de árvores.