O nascimento de FESTERING ocorre por volta de 1992, em Santo António dos Cavaleiros. Na realidade, o grupo de death metal surge em paralelo com os Extreme Unction, partilhando, no início, três dos seus elementos. Koja, no baixo e na voz, Paulo Rodrigues, na guitarra e voz, e Zé-Tó, na bateria, formaram o trio inspirado pelos Carcass e algum death norte-americano. Com o lançamento do primeiro trabalho dos segundos, e a actividade aumentar, os FESTERING cessaram actividades. Por volta de 2011, numa fase em que os Extreme Unction passavam por um longo hiato, reúnem-se as condições para recomeçarem o projecto, agora com João Galego nas guitarras. A maqueta «From The Grave» sai em 2012 e, em 2015, um álbum, com o EP «Exhumed» pelo meio, marcariam essa fase. Sete anos depois, surge finalmente o segundo longa-duração. “Estes anos de ausência deveram-se a vários factores, sobretudo elacionados com a composição da banda e disponibilidade dos seus músicos, havendo saídas e entradas de membros e a própria tipologia da banda”, refere Koja, único membro restante da formação original.
Tal como na sua génese, ainda hojeos FESTERING “um projecto paralelo às bandas principais que cada um tem. Sendo assim, a disponibilidade a despender à mesma é limitada, para além de que existem as famílias e vida laboral”. No fundo, “a música é um passatempo, embora algo sério e onde nos emprenhados de alma e coração, mas é algo que fazemos nos nossos tempos livres, ninguém é profissional”, confessa o músico. Tudo isto explica o hiato de sete anos entre discos, até se chegar a este «Compendium Of The Horrific», que tem tanto de Carcass ou até de Bolt Thrower como de death made in Tampa — basta escutar, por exemplo «Necrophagic Dine». Olhando para datas, a edição do disco coincide com a celebração de três décadas sobre a génese do grupo. “A saída deste novo CD, embora encerre em si o número redondo de 30 anos, não pretende assinalar esse facto, podia acabar por ficar associado a essa marca e até poderíamos aproveitá-lo, mas não”. Na realidade, a coincidência surge o facto “do Nuno, da Caverna Abismal, ter mostrado o interesse, intenção e disponibilidade de agenda e orçamento para editar estas dez músicas que compõem o trabalho”, explica-nos o músico. O gesto é agradecido desde logo pelo grupo, “pois, tantos anos depois, já não esperava que essa oportunidade surgisse, mas o Nuno teve a coragem de manter a aposta em nós”.
Apesar do disco ser editado agora, Koja admite que a banda está “parada, mas conta com quatro colaboradores: o Pedro, na voz, o Diogo, na guitarra, Koja, no baixo, e o Beto, na bateria”. A isso não estarão alheados os eternos problemas do underground e de que muitos grupos sofrem. “As dificuldades que encontrámos aquando da saída do «From The Grave» são praticamente as mesmas que enfrentamos agora, principalmente em relação à disponibilidade de recursos humanos”, refere o baixista. “Não temos um line-up completo e estável. Do renascimento em 2011, só eu e o Pedro nos mantemos. Depois existem as dificuldades em tocar ao vivo, quem organiza os espectáculos não olha para os Festering como tendo estatuto suficiente para participar nos seus eventos. Os convites praticamente não existem e os pouquíssimos que existiram, pedem que toquemos em troca de um frango assado e batata frita de pacote. Não se trata de vedetismos, nem nos colocarmos em bicos de pés, mas para irmos tocar, mesmo que seja em Lisboa, precisamos de fazer alguns ensaios e isso implica aluguer de estúdio, implica combustível nas nossas viaturas para as deslocações. Por muito que cada um de nós goste de actuar ao vivo, e realmente gostamos, pagar para tocar fica complicado. Cada um tem família e orçamentos familiares a juntar aos instrumentos, tudo custeado por nós, começa a ser um passatempo muito dispendioso”. Além disso, colocando o dedo na ferida, o músico refere também o problema da “promoção”, assumindo que “os Festering são uma banda marcadamente underground, têm pouca visibilidade” e “nestes meios, quem faz mais barulho, é ouvido”.
Mais ou menos “ouvidos”, o facto é que os FESTERING têm agora nas mãos um decente trabalho de death metal, polido e honesto, com qualidade suficiente para ser notado. “A história por detrás da criação do «Compendium Of The Horrific» está espelhada no próprio título do álbum”, revela o fundador do grupo. “Em 2011 e 2012, eu e o Pedro escrevemos e compusemos uma série de riffs, músicas e letras que ficaram na gaveta. Na altura, erámos só nos dois, já que o outro elemento, o guitarrista João, tinha saído da banda. Ora, essas músicas foram gravadas há praticamente dez anos por mim e pelo Pedro, e, como não tínhamos nenhum guitarrista na altura, o nosso amigo Marco Marouco, que também tocava nos Extreme Unction, gravou os maravilhosos solos”. É mais tarde, já em 2022, que aparece Nuno, que propôs a “ideia de editar essas músicas esquecidas no disco rígido de um PC, daí ser um compêndio, uma compilação de músicas que ficaram para trás, numa época horrível, de crise, aperto de cintos, cortes nos nossos bolsos, imigração… uma fase negra que todos nós nos devemos lembrar”. Face aos momentos vividos nesta década, “pegámos nas músicas, regravamos, corrigimos e completámos o que foi necessário, produzimos, misturamos e masterizamos as músicas e a Caverna avançou com a empreitada”.
Em paralelo, sempre em paralelo, há movimentações no campo dos Extreme Unction. A dupla Koja e Nuno Caverna está por trás d isso. “É mais um movimento suicida por parte do Nuno e da Caverna Abismal”. Naquilo que se pode definir como espírito de missionário do metal, “o nosso amigo Nuno, de uma forma abnegada, e em nome do apoio ao metal nacional, resolveu arriscar e pegar nos trabalhos antigos da banda e fazer dois lançamentos distintos, o álbum «In Limine Mortis», e outro com a demo «In Sadness» e talvez algum material de bónus, possivelmente alguma coisa ao vivo”. Tal como nos FESTERING, o trabalho principal passa por Koja. “Já estou a tratar da parte do som, tive ajuda do Vítor Mendes, de Neoplasmah, na digitalização e numa pré correção, e também do Marco Marouco na digitalização de material inédito antigo”, revela. De momento decorrem “algumas retificações para dar algum equilíbrio e a masterizar as músicas, não vai haver nenhuma modificação estrutural ou regravação, apenas uma melhoria do som, eliminar ruídos, corrigir graves ou agudos, mas nunca mexer nas gravações originais”. Na parte gráfica, “o Pedro Tosher, que também tratou de toda a parte criativa na composição gráfica do CD de Festering, também está a fazer o mesmo para Extreme Unction. Vamos ver quando será editado, provavelmente não deverá ser ainda este ano”. Longe das redes sociais, afastado daquele (i)mediatismo que permanece na duração das visualizações de um post, há um underground resiliente que não enche salas e raramente é chamado aos cartazes dos festivais, mas oferece obras dignas de registo. Festering e o seu «Compendium of the Horrific» são um exemplo disso.