EIVOR

EIVØR + ÁSGEIR + ELINBORG @ República Da Música, Lisboa | 05.10.2025 [reportagem]

EIVØR encantou Lisboa com uma noite de pura transcendência nórdica. A artista feroesa estreou-se em Portugal e, na República da Música, em Lisboa, assinou um concerto que ficará certamente na memória de todos os que testemunharam o seu poder hipnótico.

Há noites em que o tempo se suspende, em que a música deixa de ser só som e se transforma em algo quase espiritual. A estreia de EIVØR em Lisboa, na República da Música, a 5 de Outubro, foi uma dessas raras ocasiões. Num alinhamento partilhado com Ásgeir e Elinborg, o público lisboeta foi conduzido por quase duas horas de pura emoção, numa celebração onde a tradição, a electrónica e alma humana se encontraram em perfeita harmonia.

Desde o primeiro instante, com «Jardartrá» a abrir o concerto, ficou claro que nada nesta noite seguiria o percurso habitual de um espectáculo “normal”. A voz de EIVØR, etérea e envolvente, ergueu-se sobre a penumbra da sala como um eco das montanhas e mares das Ilhas Faroé, criando um silêncio colectivo de reverência. Seguiram-se «Salt» e «Gullspunnin», e a plateia, imóvel, deixava-se levar. Só entre canções se ouviam os aplausos — intensos, mas contidos, como se qualquer ruído desnecessário pudesse quebrar o feitiço.

A artista, que já havia prometido em entrevista preparar surpresas para o público português, cumpriu a palavra com um momento que arrancou murmúrios de reconhecimento: um delicado medley de temas de «The Last Kingdom», série onde a sua voz se tornou inconfundível, logo seguido de «Hymn 49». Foi um dos instantes mais comoventes da noite — não apenas pela familiaridade das melodias, mas também pela emoção com que EIVØR as reinterpretou, despojadas de artifícios, como se estivesse a cantar para as próprias raízes.

O concerto prosseguiu com incursões ao fundo do seu catálogo, incluindo «Let It Come» e «Boxes», temas que trouxeram a palco uma vertente ainda mais introspectiva e melódica. E, quando o público julgava já ter atravessado todos os estados possíveis da alma, surgiu uma das surpresas da noite: uma versão de «Us And Them», dos PINK FLOYD, interpretada em dueto com Ásgeir. Foi um momento de comunhão entre dois mundos — o universo etéreo de EIVØR e a melancolia luminosa do músico islandês — que resultou numa leitura tão delicada quanto arrebatadora.

Mas a magia não se ficou por aí. Elinborg, irmã de EIVØR, juntou-se-lhe em palco para dois momentos de rara beleza: o tema «Enn» e «Upp Úr Øskuni», ambos do mais recente trabalho da artista. O diálogo entre as duas vozes — tão próximas no timbre e no sentimento — revelou uma cumplicidade que só a família e a partilha criativa podem gerar.

Antes do encore, o público teve direito àquela que é talvez a canção mais emblemática da carreira de EIVØR: «Trøllabundin», com o seu ritmo xamânico e cadência ancestral, uma invocação sonora que fez vibrar a sala como se o chão pulsasse sob os pés. Para encerrar, «Falling Free» trouxe uma vez mais de volta a delicadeza e o arrepio.

A noite, que coincidiu simbolicamente com o Dia da Implantação da República, teve ainda duas actuações de abertura que merecem grande destaque. Elinborg, com a sua folk introspectiva e emotiva, preparou o ambiente perfeito para o que viria a seguir, conquistando o público com a sinceridade das suas canções. Já Ásgeir, sozinho em palco, alternando entre uma guitarra e o piano, provou por que é uma das vozes mais singulares da Islândia contemporânea — suave, cristalina e com uma capacidade rara de transformar o silêncio em música.

No final, ficou a sensação de se ter assistido a algo irrepetível — uma celebração da vulnerabilidade e da beleza em estado puro. Entre tambores de ressonância xamânica, alguma electrónica subtil e as melodias que parecem vindas de outro tempo, EIVØR ofereceu ao público lisboeta uma experiência que acabou por transcender o simples conceito de concerto. Foi, nas palavras de muitos à saída, uma comunhão. E, como todas as comunhões, deixou a promessa de um regresso — uma esperança partilhada por quem, naquela noite, encontrou na voz da artista feroesa um espelho da sua própria alma.