Clawfinger

EDP VILAR DE MOUROS @ Vilar de Mouros | Dia 2 – 26.08.22 [reportagem]

Depois de um arranque francamente positivo, poder-se-ia dizer que a edição deste ano do festival de VILAR DE MOUROS entrou em velocidade de cruzeiro, apesar das reservas que este segundo dia poderia ter levantado para alguns. Durante alguns meses apontado como “o dia do nu-metal”, ter-se-á abatido sobre si uma maldição que lhe levou os confirmados Limp Bizkit e Hoobastank – a certa altura, apesar de os Clawfinger se terem “desbroncado” rapidamente nas suas redes sociais, o dia 26 de Agosto só tinha mesmo os TARA PERDIDA como banda oficialmente anunciada. Diga-se de passagem que já não estávamos mal entregues, conforme a veterana banda nacional mostrou já tarde da noite, mesmo perante alguma debandada pós-Simple Minds, com um concerto meio deslocado estilisticamente do resto da noite mas cuja energia abanou algum sono que se pudesse estar a instalar nos resistentes. «Nada Me Vai Parar», indeed.

Foi também com “produto nacional”, como é habitual, que o dia se iniciou, com os NON TALKERS a terem uma prestação na linha dos The Black Teddys do dia anterior – sol abrasador, público reduzido, mas muito coração posto no seu suave folk pop. Liderados pelo casal Marco e Evita Brantner, sobreviveram a um primeiro tema de pesadelo em que o microfone da vocalista de origem belga falhava por todos os lados, e por entre temas do novo álbum «Roots» e um par de covers, cumpriram com tranquilidade a tarefa de acordar os festivaleiros que iam aparecendo.

E tal como no dia seguinte, a fasquia foi elevada, e de que maneira, logo com a primeira banda estrangeira do dia. Melhor dizendo, a fasquia fui chutada nas trombas à biqueirada e estará actualmente perdida algures em órbita. Os regressados CLAWFINGER, outrora presença habitual nos nossos palcos (foi a sua décima visita ao nosso país) mas que já não víamos por cá desde o festival Ilha do Ermal de 2005, cumpriram com tudo o que deles se esperava, lançando o caos por entre o já numeroso público presente, cativando a malta menos “metálica” que os conhecia menos bem (a quantidade de crianças a vibrar com o concerto foi um verdadeiro hino à universalidade da música pesada a sério) e mostrando-se em grande forma, apesar de alguns cabelos brancos espalhados pelos vários membros e até da pancinha orgulhosamente revelada pelo frontman Zak Tell a meio do concerto. Mesmo tendo sido a primeira banda a entrar em palco com atraso, devido a uma qualquer questão técnica que demorou uns dez minutos a mais a ser resolvida, assim que o “escudo” dos Clawfinger e o slogan “RAPMETAL SINCE 1993” apareceram no ecrã de fundo e a banda disparou para «World Domination», não mais houve um corpo quieto na vasta plateia. Falámos em caos ainda agora, mas há que notar que foi um caos boa onda, mesmo quando se gerou um espontâneo moshpit em frente ao palco – a mensagem sempre positiva dos suecos reflecte-se também na relação bem disposta que Zak Tell (e do teclista/vocalista Jocke Skog, sempre pronto a mandar a sua boca jocosa) mantém com o unanimemente sorridente público, que retribui na mesma moeda. Irrequieto, de piada fácil e irrepreensível na rendição de temas de todas as eras da banda, mesmo os mais antigos de «Deaf Dumb Blind» («Catch Me» e «Rosegrove» de seguida foram uma dupla demolidora), é essencialmente o frontman perfeito, e nunca deixou que a intensidade esmorecesse, nem quando foi revelado um tema novo, «Environmental Patients», que se enquadrou sem problemas no resto do espectáculo (é assim que se faz, Placebo!). Depois de gozar um bocado com o acto de fazerem um encore, a selvagem «Do What I Say» pôs um ponto final naquele que terá sido o melhor concerto do festival até agora.

Difícil de seguir, em condições normais, uma prestação incendiária destas, mas desta vez nem sequer se pôs essa questão. Os BLACK REBEL MOTORCYCLE CLUB não só estão a milhas de distância em termos de estilo musical em relação aos Clawfinger para sequer se pensar nisso, como são mesmo, de certa forma, o diametralmente oposto na sua aproximação ao espectáculo de palco. Para o bem e para o mal, diga-se – se, por um lado, a proibição de fotógrafos no pit lhes dá um nada abonatório ar de “estrelinhas”, a verdade é que a aura de mistério sinistro que o trio evoca em palco é notável. Abrindo logo com a batida infecciosa de «Beat The Devil’s Tattoo», uma canção incrível que até serviu para figurar na famosa série «Peaky Blinders» (e num monte de videojogos, desde que foi editada em 2010 no álbum do mesmo nome), deram o mote para uma actuação de enorme, enorme classe. Peter Hayes e Robert Levon Been não precisam de se mexer por aí além, nem de comunicar verbalmente com a audiência, para terem o impacto que têm – basta a presença daqueles espectros vestidos de negro no palco enevoado, a trocar partes de voz, e a toada constantemente ameaçadora das suas malhas para deixar tudo em sentido. Ainda que “your body’s aching / every bone is breakin’”, frase do tal tema de abertura, pudesse ser uma boa descrição para o estado de muitos dos que assistiam, o que os B.R.M.C. fizeram, ainda que por linhas tortas e torturadas, foi, para ir buscar mais um dos highlights, «Spread Your Love».

Mantendo a saudável salganhada de géneros em que o ex-dia do nu-metal se transformou – e que, já agora, acabou por provar mais uma vez que um cartaz “fazer sentido” não quer dizer necessariamente que todas as bandas tenham que ser parecidas umas com as outras ou habitar sequer os mesmos mundos musicais –, coube aos SIMPLE MINDS o lugar de headliners da noite, e mesmo sendo obviamente a banda menos LOUD!ável da noite, merece uma menção honrosa pela grandiosidade do concerto apresentado. “My leg is fucked,” avisou logo Jim Kerr ao princípio agarrando-se ao joelho direito, mas também prometeu logo que ia cantar com todo o coração, e a promessa foi cumprida. Não caindo necessariamente num alinhamento de greatest hits óbvio, apesar de os principais estarem lá, claro, os escoceses que já marcam 45 anos de carreira no conta-quilómetros têm sabido renovar-se, mantendo vivacidade e genuinidade nas suas prestações, que com esta longevidade já teriam todo o direito de ser um bocado jaded. Nota-se a idade no core dos seus membros? Sim, claro que sim, mas nunca de forma detrimental. Muito contribui para isso, claro, a energia do trio feminino que actualmente faz parte da formação: a cantora Sarah Brown (que eleva imediatamente o nível da prestação assim que aparece para «Mandela Day»), a teclista Berenice Scott, e o destaque incontestado não só do lineup actual como de todo o concerto, o dínamo imparável que é a baterista Cherisse Ossei, que até um solo de fazer corar muito baterista de metal dispara a meio do concerto. Uma força da natureza, que contrasta – ainda que de forma perfeitamente complementar – com a postura “paz e amor” de Kerr, que atingiu o seu auge na emotiva balada «Belfast Child». Gostávamos de a ter ouvido num ambiente mais intimista e sem dezenas de malta alcoolizada aos gritos a estragá-la um bocado, claro, mas them’s the brakes, como se diz. Vale mais notar a universalidade do alcance dos Simple Minds, uma banda que tem sabido envelhecer com graciosidade, e que desde senhoras septuagenárias, crianças pequenitas e metaleiros de sorriso no rosto, pôs o recinto inteiro em modo de comunhão, a dançar em modo chill como se estivesse tudo bem no mundo. Para o fim, inevitavelmente, os dois maiores hits da carreira – «Alive And Kicking» e, acima de tudo, «Don’t You (Forget About Me)», uma daquelas universais que ninguém tem desculpa para não conhecer e não adorar, em particular, no “nosso” mundo, os fãs dos Life Of Agony.

Para hoje, espera-se a maior enchente do festival e um final apoteótico com Iggy Pop e Bauhaus a fecharem o evento minhoto. Até já!

FOTOS: Estefânia Silva