DARWIN

DARWIN e o reflexo de um «Distorted Mirror»: a arte humana na era digital

Num panorama musical cada vez mais dominado por algoritmos e fórmulas previsíveis, o projecto de rock progressivo DARWIN emerge com «Distorted Mirror», o seu novo LP que funciona não apenas como uma peça musical, mas como uma declaração de intenções. Recentemente, estivemos à conversa com o líder e timoneiro destas paisagens sonoras complexas, orgânicas e desafiadoras.

A génese da novidade «Distorted Mirror» está intrinsecamente ligada a «Five Steps On The Sun», o seu predecessor. Numa conversa recente, a mente por trás do grupo revelou que ambos os discos nasceram de um único e fértil surto de criatividade. “Na verdade, estes dois álbuns foram basicamente escritos ao mesmo tempo. E nós decidimos simplesmente dividi-los“, explicou. A abundância de material de qualidade colocou a banda perante um dilema moderno: lançar um ambicioso LP duplo, à semelhança dos clássicos do rock que veneram, ou adaptarem-se aos novos hábitos de consumo.

A escolha recaiu sobre a segunda opção, uma concessão pragmática a uma era de atenção fragmentada. “Sentimos que talvez o mundo actual nem saiba o que é um álbum duplo“, reflecte DarWin. “As pessoas muitas vezes nem ouvem a canção inteira. Querem apenas um pequeno clip“. Esta decisão de separar os trabalhos permitiu que cada conjunto de canções respirasse e desenvolvesse a sua própria identidade, evitando sobrecarregar o ouvinte e garantindo que a riqueza musical de cada faixa fosse devidamente apreciada.

O som de «Distorted Mirror» é, mais uma vez, o resultado de uma colaboração entre músicos de calibre excepcional. A produção e a bateria do lendário Simon Phillips continuam a ser a espinha dorsal de tudo isto, conferindo-lhe uma precisão e uma dinâmica inconfundíveis. A ele juntam-se ainda o vocalista Matt Bissonette, o virtuoso da guitarra Greg Howe e a mais recente adição, a fenomenal baixista Mohini Dey. O processo criativo é descrito como profundamente orgânico e sinérgico. “Mesmo uma ideia simples, eles conseguem fazê-la soar bem“, afirma DarWin, sublinhando como a mestria individual eleva o colectivo. “E acaba sempre por soar muito melhor do que se poderia ter imaginado“, reitera.

Musicalmente, o projecto continua a desafiar categorizações fáceis. Embora frequentemente rotulado como “prog”, DarWin insiste que o rótulo é mais uma consequência do que um objectivo. “Acho que a razão pela qual dizem que somos ‘prog’ é provavelmente porque nem sempre tocamos em 4/4“. Como é fácil de prever, esta liberdade rítmica e harmónica é uma rebelião silenciosa contra o que ele percebe como a estagnação da música popular.

Há muitas bandas de rock que… Bem, digamos que todas as canções começam a soar iguais, álbum após álbum, porque é sempre o mesmo ‘groove'”. Em contraste, temas como «Inside The Zoo» alternam entre compassos de 3/4 e 4/4, criando uma tensão que serve a narrativa em vez de seguir uma convenção. O objectivo, segundo DarWin, é fazer com que o ouvinte “aprenda algo“, guiando-o através de estruturas complexas de uma forma que se sente natural e recompensadora, tornando o complexo acessível.

O título do LP, «Distorted Mirror», não é acidental. Reflecte directamente sobre um dos assuntos mais prementes e intrigantes da actualidade: a ascensão da Inteligência Artificial e o seu impacto na arte. Enquanto a produção do álbum celebra o analógico e o vintage — “usámos muitas coisas antigas para obter o som que se ouve“, explica o músico —, as suas letras e conceito exploram as implicações de um futuro cada vez mais artificial. DarWin pondera sobre a capacidade da IA de replicar estilos musicais, mas mantém-se céptico quanto à sua capacidade de substituir a essência humana.

Acho que, no final de contas, as pessoas querem saber o que outras pessoas estão a fazer, como se estão a sentir. É aí que acho que os humanos terão sempre esta vantagem de se relacionarem com outras pessoas“, elabora o músico. Em última análise, «Distorted Mirror» é mais do que uma colecção de canções; é um manifesto. É um testemunho da beleza da complexidade, um elogio à colaboração e à mestria musical, e uma defesa convicta da criatividade humana. Num mundo que corre o risco de se tornar um eco de si mesmo, DarWin oferece um reflexo distorcido, mas profundamente honesto, do que a música pode e deve ser: imprevisível, emocionante e, acima de tudo, humana.