Os CORPUS CHRISTII afirmam-se hoje como os mais ilustres porta-estandartes do black metal em território lusitano e, passo a passo, têm vindo a aproximar-se da perfeição. Revelando uma clarividência exemplar, Nocturnus Horrendus, o mentor e líder espiritual do projecto lisboeta guia-nos na análise de um percurso excelso e do mais recente registo de longa-duração, «Delusion», um verdadeiro manifesto de intenções que não pode, nem deve, passar despercebido a quem gosta de metal extremo obscuro, com um pé na tradição dos 90s e o olhar focado num futuro bem negro.
No início, quando criaste a banda, alguma vez pensaste que esta “viagem” poderia durar tanto tempo?
Não, nunca pensei nisso, mas volta e meia “bate-me”. Já passaram dez anos? Já passaram quinze? Confesso que este álbum soa como o fechar, efectivo, de uma longa época, de uma longa era… Senti isto quando o estava a gravar e, ainda mais, agora que o ouço. Na verdade são dezanove anos, não vinte, mas vai dar tudo ao mesmo porque eu já tinha em mente fazer a banda antes de 1998. Digamos que, agora sim, tenho realmente passado algum tempo a pensar no assunto, é um facto, e tem estado a “bater” – forte. Quando fiz o «PaleMoon» não pensei em nada disso.
O «Delusion» parece o irmão mais velho do «PaleMoon», que soava um pouco mais impulsivo.
Tens razão, o «PaleMoon» foi um disco que serviu sobretudo para me tirar de cima todos os problemas que tive depois da edição do «Luciferian Frequencies». Todos os problemas com a Candlelight, a pressão com que tive de lidar em termos de music business, todas as frustrações a tentar marcar concertos porque não nos pagavam ou não os conseguíamos marcar… Houve muitas dificuldades nessa fase e tudo isso acabou por dar origem ao «PaleMoon». Para mim, fazer esse disco, foi uma lufada de ar fresco, um regresso à base. Voltei a sentir-me como um puto de 16 anos, o mesmo puto que sentia “aquela cena” quando ouvia black metal. É isso que eu sinto quando ouço o «PaleMoon», que é um disco muito sincero, cheio de rancor, de ódio e de querer matar tudo e todos. É rasgar a pele.
Revês-te muito ali, é isso?
Sempre me revi muito na música que faço, mas normalmente não costumo ficar com os pelos dos braços em pé quando ouço os meus discos e, desta vez, fico; totalmente. Ouço os álbuns que faço, e sempre ouvi, tentando apreciá-los como ouvinte e não como músico. Basicamente, sou sempre o maior fã da música que crio, mas neste álbum acho que, pela primeira vez, consigo aperceber-me que sou eu que estou ali naqueles temas. É uma bela chapada na tromba… [risos] E é uma chapada mesmo muito forte. Que me deixa mesmo muito tocado, emocionado, ao ouvir o disco. Aconteceu por acaso, a «Carrier Of Black Holes» ser a última canção, ter aquela letra e acabar como acaba, com aquela frase, mas acho que resume bem o que sou – como pessoa, como satanista, como black metaller e como tudo. Mais uma vez, não sou dizer que é a minha obra-prima, mas estou mesmo apaixonado por este álbum. Já cheguei ao cúmulo de deixar de o ouvir, e tenho de fazê-lo para preparar os concertos, mas tenho estado a tentar evitar ao máximo porque toca mesmo lá fundo e isso, às vezes, é difícil de gerir. Não estou propriamente preocupado com “gastar” o álbum, nada disso, mas tem sido sempre uma experiência tão intensa que fico, digamos, traumatizado.
O «Delusion», à semelhança de todos os anteriores, não soa como uma maqueta dos anos 90.
Eu, com os Corpus Christii, quero ter à disposição os recursos que me permitam estar uma série de tempo fechado num estúdio a criar os discos, de preferência longe de onde habito para não haver distracções e poder focar-me só na música. Se o estúdio, por acaso, tiver um gravador de oito pistas, vai inevitavelmente soar podre, mas é óbvio que, tendo em conta o orçamento disponível, faço as coisas da melhor forma possível. Para as gravações do «PaleMoon» encontrámos os estúdios GeneratorMusic, que são para os lados de Sintra, e fomos gravar. Foi, uma vez mais, um tiro no escuro, não sabíamos o que ia acontecer… O “Vegeta” é, essencialmente um produtor de rock, mas saiu-nos uma pessoa impecável e fiquei muito satisfeito, por isso voltámos lá para fazer o «Delusion». E este disco tem um som mesmo fodido, mas está tão bem misturado que se percebe tudo nitidamente.
Este foi o primeiro disco que escreveste e gravaste totalmente sóbrio em muito, muito tempo…
Aí desde o «The Fire God», sim.
Em algum momento temeste que isso pudesse, de alguma forma, alterar a tua capacidade para criar?
Não, de forma alguma. Zero, não tive qualquer receio disso porque, a partir do momento em que subi pela primeira vez ao palco totalmente sóbrio, não restaram quaisquer dúvidas de que conseguia continuar a fazer o que sempre fiz sem qualquer problema. A chama acendeu-se desde o primeiro segundo e comecei a cantar, foi assim tão simples. Desde aí sinto as coisas de uma forma ainda mais iluminada e muito mais forte – mais forte que nunca, para ser muito sincero. É engraçado porque, quando toco com as bandas de black metal… Isto, para alguém tão fodido da cabeça como eu, faz sentido, mas para o resto das pessoas deve soar estranho. No entanto, quando estou focado no obscuro, com Morte Incandescente ou Corpus Christii, sinto-me mais perto que nunca de Satánas. E, se estiver a tocar com Son Of Cain ou A Tree Of Signs, estou totalmente na onda… Risonho e bem disposto. [risos] Isto faz com que consiga ser duas pessoas totalmente diferentes em palco que, em última instância, são exactamente a mesma pessoa. O que, para quem está de fora, deve ser um mindfuck brutal, mas para mim é muito porreiro.
A versão integral deste artigo foi publicada da LOUD! #194, de Maio de 2017.