A 4 de Setembro de 2001, os CONVERGE mudaram para sempre a face da música extrema como era conhecida até então.
Separar um álbum de seu legado é ainda mais difícil no espectro do hardcore, onde a arte representa na frente das t-shirts e dos hoodies tende a ser uma representação tão crucial e permanente de um caminho de vida como as tatuagens que os fãs exibem orgulhosamente no corpo. Leais e decididos, os seguidores mais dedicados valorizam com devoção os álbuns sobre os quais o género — e as suas subtis mutações — foi construído.
No entanto, frequentemente são aqueles que estão nas trincheiras que mantêm a melhor perspectiva. Um dos mais importantes porta-vozes da tendência é o icónico Jacob Bannon, vocalista do e membro fundador dos CONVERGE que, vinte anos após a edição do icónico «Jane Doe» — o disco saiu exactamente uma semana antes dos ataques de 11 de Setembro de 2001 — descreve a obra-prima da banda como “simplesmente outro álbum para nós”.
A verdade é que, com os petardos «Petitioning The Empty Sky» e «When Forever Comes Crashing», quando lançaram o seu definidor terceiro álbum, os CONVERGE já estavam bem estabelecidos no mundo do metal e do hardcore, mas não há como negar que o «Jane Doe» foi um ponto de viragem decisivo na missão criativa do grupo que, verdade seja dita, só floresceu desde então, com os quatro músicos a assinarem contracto com a Epitaph e a lançarem discos tão aclamados como «You Fail Me», «Axe To Fall» ou «All We Love We Leave Behind» nos anos seguintes.
Editado a 4 de Setembro de 2001 pela Equal Vision Records, o «Jane Doe» afirmou-se desde cedo como um registo mais intrincadamente obscuro do que fortemente raivoso. É sabido que grande parte da cena metal/hardcore dos anos 90 em que os CONVERGE nasceram — do caminho traçado pelos primeiros lançamentos da Revelation, como os BOLD, os JUDGE ou os CHAIN OF STRENGTH ao desvio tomado pelo elenco da Victory, que incluía os EARTH CRISIS, os HATEBREED e os STRIFE, entre muitos outros — dependia de riscos muitas vezes desajeitados e de um tipo de agressão militante, quase a roçar o gratuito.
Chegados ao final da década de 90, a fórmula estava cansada e até se tinha tornado bastante previsível, chegando perto demais do nu-metal. No entanto, ao lado de bandas como BOTCH, CAVE IN e COALESCE, o ataque visceral contido na música dos CONVERGE soava decididamente mais planeada e complexa, fugindo dos habituais breakdowns e dos riffs roubados aos SLAYER que tinham pautado os seus primeiros passos.
O álbum abre com uma onda de baixo e bateria cortesia da devastadora «Concubine» e, sobretudo quem não está familiarizado com este tipo de música, pode ser apanhado de surpresa pelo grito apocalíptico de Bannon, um dos vocalistas mais viscerais de que há memória no espectro da música extrema. Em menos de um minuto e meio, o tema passa de um frenesim de blastbeats para um compasso lento, só para voltar rapidamente ao ritmo alucinante do início. «Fault And Fracture» parte do sítio onde o tema de abertura nos deixou e, mais uma vez, os instrumentos perdem as suas origens, fundindo-se num ataque sonoro letal.
A bateria bruta, mas incrivelmente matizada de Ben Koller, que gravava aqui o seu primeiro disco com os CONVERGE, e o baixo musculado de Nate Newton funcionam como fio condutor, com Kurt Ballou a fazer a sua guitarra guinchar a cada oportunidade que tem. Na verdade, até atingirmos «Distance And Meaning» não é fácil perceber que papel desempenha o hardcore nesta equação mas, ao terceiro tema, a banda diminui o ritmo apenas o suficiente para que passamos perceber o que Bannon está a rosnar — “That’s where they die, that’s where they suicide“.
O «Jane Doe» cresce assim, tecendo um épico de caos e agressão apoiado em diferentes vertentes da música mais pesada, construído com o cuidado de manter o ouvinte interessado. À medida que o álbum avança, torna-se claro que a banda não está apenas a exibir a sua impressionante variedade estilística; está a contar-nos uma história que atinge um pico incrível em «Homewrecker» (“No love! No Hope!“) , se solidifica em «The Broken Vow» e chega ao clímax com «Phoenix in Flight»/«Phoenix In Flames», que começa como um canto fúnebre e termina como um cataclismo absoluto de ruído.
No final, mesmo tantos anos depois, continua a ser difícil não coçarmos a cabeça e perguntarmos o que raios foi aquilo que acabámos de ouvir. Em última análise, com o «Jane Doe», os CONVERGE resistiram à taxonomia fácil, provando pela primeira vez (de muitas) que não estavam dispostos a vergar-se a rótulos ou a expectativas — o que, num mundo em que o plágio é frequentemente confundido com talento, é provavelmente o melhor elogio que lhes podemos tecer.