Por vezes um nome é apenas a ponta de um iceberg, aquilo que resulta de um trabalho maior, mesmo que individualizado. Quando se olha com atenção para um projecto que emerge, percebe-se que há outros que o rodeiam, existe um passado que ajudou a definir o presente, um elo de ligação. Com isto não se minimiza a banda, apenas se enquadra, permitindo perceber o seu posicionamento na cena. Se lá fora há imensos casos desses, em Portugal passa-se o mesmo, embora em menor escala. Há uns anos atrás, um pequeno grupo de bandas formou-se no Porto, naquilo que alguns até denominaram Church Of Oporto, numa alusão à Church Of Ra onde muitos deles se inspiravam. Músicos jovens que descobriam o black metal em simultâneo com o post metal. Elementos que chegavam aos NEUROSIS e às suas Tribes Of Neurot numa fase tardia, mas que ainda iam a tempo de capturar a energia da explosão da Church Of Ra, fruto, em parte, da Amplificasom, webzine e promotor de concertos, mais tarde sinónimo do AMPLIFEST.
Foi a época do surgimento dos Burning Man, dos Mother Abyss, dos Memoirs Of A Secret Empire, dos Névoa e dos Örök. Curiosamente a súmula maior desse trabalho conjunto terá sido a primeira edição do festival North Dissonant Voices. Alguns desses elementos persistem a singrar o seu trilho, outros reagruparam-se e redefiniram-se em projectos posteriores. Os ULFBERTH são exemplo disso. «Process Of Clarity», álbum de 2019, contém sete temas que navegam por paisagens entre o post-metal, o sludge e o black metal, oferecendo “uma experiência abrasiva aos seus ouvintes”. Gravado e misturado pelo André Gonçalves no Adrift Studio e masterizado pelo Brad Boatright no Audiosiege, o disco navega “por todas as influências acima descritas culminando num som intenso, bárbaro e emocional”.
O nome do grupo vem de um conjunto de espadas encontradas em vários locais da Europa, e datadas entre os séculos IX e XI, que trazem na sua lâmina a inscrição +VLFBERH+T, que se tornaria um termo usado por ferreiros ao longo dos séculos. Nas palavras de Ivo Madeira, baixo e voz, “a ideia surge da vontade de todos em dar continuidade ao que já tínhamos feito em outros projetos”. A proficuidade de ideias, essa, é grande entre estes jovens artistas, com Ivo a assumir que “sempre tivemos projectos e, como estávamos, disponíveis para fazer isso acontecer a coisa cresceu”. O “cresceu”, traduz-se numa associação a uma empresa internacional de booking, com o objectivo da internacionalização. Além de Ivo, o quarteto integra dois guitarristas, Afonso Barros e Rui Nunes, e o baterista André Gonçalves. Este último, para lá de baterista, é também responsável pelos Adrift Studios e “é lá que a magia acontece”, explica Ivo. O baterista está, de resto, dedicado a 100% ao trabalho no estúdio, tendo gravado recentemente, outros nomes como Pledge, Cruelist e Símio.
Se os dois primeiros são potenciais candidatos a figurar numa coluna como esta, SÍMIO é um projecto novo do guitarrista Afonso Barros e este não é o único elemento dos ULFBERTH, pois o próprio André mantém THE DAY I LOST MY SHADOW, descrito pelo companheiro de banda como “mistura de dark electronic com influências das bandas que já teve.” Tal como na Church Of Ra ou na Tribes Of Neurot, o talento destes jovens grupos não se contém num grupo, extravasando para outras dimensões para lá da musical. Sinal disso, além do trabalho de produtor de André Gonçalves, os vídeos dirigidos por Barros. Após o lançamento do disco, o grupo iniciou um percurso de actuações, que “tem sido muito positivo”, em termos de aceitação, pois o “pessoal tem dado bom feedback e o que queríamos passar conseguimos”, explica Ivo, referindo a “intensidade ao vivo” do quarteto. Escuta-se o disco e percebe-se a energia. Estuda-se o movimento com a distância necessária, pensa-se nos vários projectos passados e presentes e compreendem-se as últimas palavras de Ivo: “mais que uma banda, somos uma força motriz do underground nacional”.