É já no início da próxima semana, 2.ª feira, dia 1 de Agosto no Hard Club no Porto, e no dia seguinte no Capitólio em Lisboa, que os norte-americanos CLUTCH nos visitam pela primeira vez. Já estamos à espera do rock energético e incendiário da banda liderada pelo vocalista Neil Fallon desde antes da maldita pandemia, mas desta é que é, e para celebrar esta estreia muito aguardada, o José Carlos Santos conversou um bocadinho com o barbudo cantor, que está desejoso por descobrir o que Portugal tem para oferecer.
Tem sido especial voltar à estrada depois de tanto tempo de ausência?
A resposta curta é sim. [risos] Somos uma banda que vive das performances ao vivo, tal como os nossos fãs. Fizemos algumas digressões curtas nos Estados Unidos nos últimos meses, mas esta vai ser a primeira vez que vamos regressar à Europa desde 2019. Todas estas datas foram marcadas pela primeira vez há mais de três anos, o que parece uma loucura.
Um grande homem escreveu uma vez, “if you’re gonna do it, do it live on stage, or don’t do it at all”. Sem querer centrar a conversa toda nisto, como é que foi para vocês lidar com este período em que não podiam de todo do it live on stage?
[pausa] O que tento manter em mente é que não fomos só nós. Não foi só a nós que isto aconteceu, foi a toda a gente. Percebes? Tudo o mais que eu possa dizer, pode soar a que eu acho que nós é que tivemos um período horrível, mas não foi o caso, de todo. O que posso dizer é que, apesar de nós sempre termos feito questão de apreciar aquilo que temos com esta banda, estes anos fizeram-nos apreciá-lo ainda mais. Para além disso, o facto de nos termos conseguido rapidamente adaptar à questão dos livestreams que fizemos, foi o que nos salvou, tanto financeiramente, como mesmo mentalmente. E musicalmente! Se tivéssemos passado dois anos sentados sem tocar música de forma alguma… é como um músculo, acho que tinha atrofiado e teria sido dificílimo voltar. Portanto acho que tivemos sorte de ter conseguido fazer isso e manter algum tipo de actividade.
Nada mais dramático que isso, nenhum questionar da existência da banda ou algo do género.
Sim, foi por aí. Claro que, durante muitos meses, tínhamos um grande e sinistro desconhecido à nossa frente, não nego que foi assustador. Não sei quantos mais… [pausa] Se tivéssemos que fazer Zooms e concertos em stream para os próximos dez anos, por exemplo, então aí poderíamos ter discutido a existência da banda.
Há um apelo limitado para esse tipo de coisa, por importante que tenha sido.
Sim, houve uma “novidade” que se desvaneceu rapidamente, tanto para os músicos como para os fãs a assistir. Foi um apoio importante, claro que sim, conseguimo-nos manter em contacto com os fãs e amigos dessa forma, mas não é substituto. Não é substituto para efectivamente ver uma banda ao vivo.
E os concertos de “regresso”, como é que tem sido a vibe? Tem sido celebratório, de alguma forma? Na interacção com as pessoas, vocês em palco…
Tem sido estranho… particularmente nos primeiros concertos, no fim do ano passado. É que cada região ou cidade tem mesmo uma personalidade diferente, pelo menos aqui nos Estados Unidos. Em alguns lugares foi muito awkward, parecia um primeiro encontro onde não há nada para dizer. E noutros sítios, parecia que estavam extra-loucos, muito mais que o normal. Já na digressão mais recente, já pareceu mais normal. Não havia grandes diferenças entre o “antes” e o “depois”, já.
Já que falamos de diferenças, e já que vão voltar à Europa dentro de dias, quais são para ti as principais distinções entre andar na estrada no teu país, e fazê-lo na Europa?
Falando em termos gerais, o que me impressiona mais de todas as vezes que aí vamos é como, na Europa, há tantas diferenças geográficas em distâncias relativamente curtas. Em termos culturais, de língua… e até mesmo entre cidades dentro do mesmo país, o quão individuais são algumas comunidades de pessoas. Estás numa cidade que faz uma salsicha de determinada maneira, e a outra cidade que fica a 20km de distância acha que isso é um disparate e a salsicha deles é que é boa. [risos] Isto é muito mais notório e pronunciado aí, nos Estados Unidos podes andar 1.000km para qualquer lado, e… um Walmart é um Walmart é um Walmart. [risos] Não estou também a dizer que não temos diferenças culturais aqui deste lado, mas…
O mundo parece um bocadinho mais pequeno aqui, não é?
Sim, mais denso. E também tenho alguma inveja da forma como os europeus, na sua generalidade, apreciam e protegem as artes. E poder ser um transeunte na baixa de uma cidade sem ser obrigado a ter um carro. Imensa inveja. Falando de música, especificamente, acho que a Europa percebeu melhor a ideia do que é um festival de música há muito mais tempo que os Estados Unidos. Aqui, durante anos e anos, havia festivais de country, de metal, de hip-hop, e só se ouvia bandas desses géneros em cada um e mais nada. Só nos últimos vinte anos é que começámos a ter eventos com isso tudo reunido, o que eu acho muito mais interessante, para toda a gente envolvida.
E para a tua primeira visita a Portugal, algumas expectativas? Tens ideia do que vais encontrar»
É uma das coisas mais fixes sobre ir a algum sítio pela primeira vez – não sei! Uma das coisas maravilhosas sobre andar em digressão é que acabamos por conhecer uma boa parte do mundo. Somos muito mimados nesse aspecto. Houve uma altura da minha vida em que nunca tinha ido a Amesterdão, por exemplo. Agora, já lá fui tantas vezes que, sem dizer que já não é entusiasmante, mas já sei o que esperar. Lembro-me da primeira vez que fui à Europa, tudo era novo para mim, e estar em Portugal vai ser como nessa altura outra vez, vou experienciar uma língua e uma cultura que são totalmente novas para mim. É das melhores partes de estar em tour, aprende-se imenso.
Fala-nos um bocadinho do recentemente anunciado álbum novo, «Sunrise On Slaughter Beach».
Vai sair em Setembro, foi gravado no ano passado com o Tom Dalgety, muito conhecido por ter produzido um álbum dos Ghost, também dos Pixies. Fazer o álbum foi super, super fácil. A parte frustrante é produzir vinil. Que é uma parte importante do processo, especialmente para nós, bandas de rock e de metal. Estamos à espera de ter as cópias físicas em vinil nas nossas mãos para anunciar uma data específica [NR: felizmente, entretanto, já foi confirmado o dia 16 de Setembro], não vale a pena estar a mandar uma data e depois deixar as pessoas à espera seis meses, ou seja o que for. Repara, por exemplo, fizemos um concerto para o Doom Saloon em Dezembro, e o vinil dessa performance só ficou pronto esta semana. Em relação à música em si, é um disco um bocado estranho… Bom, se calhar estranho não é a melhor descrição. Mas é mais experimental do que é costume.
Foi um “bebé da pandemia”?
Foi, sim. Jurei aos sete ventos que queria escrever um álbum que não tinha nada a ver com a pandemia, que não ia ser sobre solidão ou seja o que for, mas dito isso, acabou por ser um álbum bastante escuro. Só há alguns temas que são mais de rock da festa, o restante é bastante obscuro.
Já vamos ouvir alguma coisa no vosso concerto, não é?
Sim, temos tocado os temas que já lançámos publicamente. Um é «We Strive For Excellence» e o outro é o «Red Alert (Boss Metal Zone)», vamos tocar esses.
É complicado construir uma setlist dos Clutch hoje em dia? Pelo menos uma que tenha tudo o que “tem que ter” e que não chegue às três horas.
[risos] Pois, a minha voz já não conseguia fazer isso. E sim, é cada vez mais complicado. Quanto mais canções escrevermos, e só continuamos a tocar cerca de vinte por noite, mais coisas temos para excluir. Acho que vamos tentando manter um equilíbrio… Se por um lado há os fãs que só querem ouvir os hits, por outro também há aquele tipo de super-fã que quer é ouvir os temas que nunca ouviu ao vivo. Acabamos por tentar fazer um bocadinho de cada. Como não podemos agradar a toda a gente ao mesmo tempo, tentamos agradar-nos a nós próprios, e esperamos que os nossos fãs sejam um bocadinho parecidos connosco.
Tendo passado esta fase difícil e tendo ganho esse extra de apreciação pelo que vocês fazem, achas que a banda pode ter ganho um boost de longevidade? Uma injecção nova de motivação para fazer isto mais uns anos?
É difícil dizer, sabes, porque pelo menos no meu caso, continuo com aquela sensação de estar sempre à espera de receber más notícias. Não quero relaxar por completo. Mas dito isso, apreciamos verdadeiramente os nossos fãs que nos têm dado um apoio enorme e têm sido tão pacientes. Demorou um bocado até eu perceber que isto é uma carreira, e não só uma cena que eu faço antes do próximo emprego. Estou nesta banda há 30 anos, nesta altura, e tenho mais ou menos a certeza que é isto que eu vou fazer até morrer. Assim que aceitei isso, ficou muito mais divertido, sinceramente. Deixei de tentar fazer tudo ao mesmo tempo. Ganhei outra perspectiva. Portanto… Quem é que pode saber o futuro? O que posso dizer é que, deus nos livre, mas se isto tudo acabasse amanhã, posso olhar para trás e dizer, porra, foi altamente. Saber que passei a maior parte dos meus dias a entreter as pessoas e que elas passaram um bom bocado.