O regresso a Portugal dos nossos narcotraficantes favoritos é sempre apetecido e, a prová-lo, tivemos num RCA Club, em Lisboa, cheio quase por completo (se é que não esta mesmo esgotado) para ver os BRUJERIA, projecto sui generis da música extrema que veio de Los Angeles para uma digressão ibérica que contemplou apenas esta data em Portugal. A banda surgiu acompanhada por duas propostas nacionais que conseguem rivalizar em intensidade e qualidade — os HOLOCAUSTO CANIBAL e os BESTA –, ainda que em domínios diferentes da “castanhada”. Estes últimos dispensam apresentações, mas alguém ali presente não os conhecia, não poderia ter tido melhor apresentação. Assim que Paulo Rui nos deu as boas-vindas “ao ritual da BESTA“, percebeu-se logo que íamos estar expostos a uma descarga de grind devastador (ainda mais desde a entrada de Ricardo Matias) e impróprio para cardíacos com a sucessão imparável de micro descargas capazes de deitar abaixo um quarteirão. A sala, apesar de bem composta, ainda estava a encher por essa altura, e o público, apesar de estar longe de se mostrar indiferente à violência sónica debitada no palco, manteve alguma distância. Ou estavam a guardar-se para os senhores da noite ou então era timidez mesmo. Indiferente a isso, a banda de Rick Chain e Paulo Lafaia não abrandou nem deu muito espaço para respirar, o que só fez com que todo o impacto fosse ainda maior.
Os HOLOCAUSTO CANIBAL também estão longe de ser desconhecidos, ainda para mais no ano em que celebram a sempre histórica marca de um quarto de século de carreira. Tendo sido a primeira banda nacional do género a ter um impacto duradouro além fronteiras, traçaram caminhos que continuam a rasgar, com muito sangue, suor e, claro, a dose certa de tripas, com «Crueza Ferina», um dos grandes lançamentos do estilo neste ano que está agora a findar, ainda fresco na memória de quem os segue. Foi precisamente pelo último álbum de originais que o rolo compressor de gore/grind começou a actuação, com «Êxodo Mortuoso» e «Epicédio Madrigaz» a encontrarem um público ainda algo tímido. Felizmente, a plateia não manteve essa postura durante muito tempo, com o pit a ficar bastante animado com o decorrer do concerto. Nada mais justo, verdade seja dita. Afinal, como não reagir efusivamente a clássicos como «Empalamento»?
Os BRUJERIA até poderiam ser, a nível de violência sónica, aqueles que ficavam em terceiro lugar do pódio da noite, mas assim que entraram em palco a excitação sentia-se no ar e foi logo ao rubro com a intro de «Raza Odiada (Pito Wilson)». Uma espécie de “all hell breaks loose“, mas em castelhano. Já sabemos que estes narcotraficantes vão rodando os soldados, mas o trio de ataque vocal não deixou ser o instigador para muito do reboliço no pit, até com algumas subidas ao palco por parte de fãs que pareciam esquecer-se de que o público não estava ali para os ver — algo que Pinche Peach fazia questão de lembrar, mostrando-lhes o caminho de volta para a plateia. Apesar do imaginário do conceito da banda ser tudo menos divertido, a boa disposição foi uma constante, seja na apresentação dos temas — principalmente quando Peach anuncia «La Ley De Plomo», quando a mesma já tinha sido tocada anteriormente, o que fez com El Sangrón corrigisse para «Division De Morte», a rir. Curiosamente, e apesar do álbum mais recente ser de 2016, apenas interpretaram um tema desse lançamento, sendo que o grosso do alinhamento foi mesmo retirado dos álbuns intermédios, ficando para o final o tema-título do muito celebrado álbum de estreia, «Matando Güeros». Com a sala a transbordar de energia e calor — a contrastar com o frio e chuva que se faziam sentir no exterior — a noite acabou com a já mítica rendição da «Macarena», apropriadamente baptizada «Marijuana». Os BRUJERIA são um fenómeno da música extrema e continuam a mostrar que, mais que lançar álbuns novos ou estarem preocupados em ser ou não relevantes, só têm mesmo de aparecer. E quando aparecem, as salas enchem e a festa faz-se.
Fotos: Sónia Ferreira