Entre o caos e a genialidade, a guitarra de BRENT HINDS contou histórias que ninguém mais ousou escrever. A sua morte inesperada deixa uma ferida irreparável, mas também um legado que muito dificilmente encontrará paralelo.
Brent Hinds morreu como viveu: rápido, imprevisível e sem concessões. A notícia do acidente de mota que lhe roubou a vida perto da meia-noite de 20 de Agosto de 2025 deixou o mundo da música em choque. Com ele desaparece não apenas o carismático ex-guitarrista e vocalista dos MASTODON, mas também uma das últimas encarnações daquilo que se pode chamar, sem exagero, uma verdadeira estrela do rock. Cabelo vermelho selvagem, uma tatuagem facial muito bad ass, personalidade volátil e um génio criativo sem filtros: Hinds nunca aceitou caber nas convenções do mundo moderno, e talvez por isso a sua perda pese tanto.
Nascido a 16 de Janeiro de 1974 em Helena, no coração do Alabama, Brent Hinds cresceu rodeado não pela distorção eléctrica, mas pelo som agreste do bluegrass e do country. Foi o banjo, instrumento que o pai o obrigou a aprender antes de ceder à guitarra, que lhe deu o estilo de dedilhado híbrido que lhe era tão característico, e que mais tarde se tornaria uma das marcas inconfundíveis do som dos MASTODON.
A música foi desde cedo uma obsessão, tão intensa que, como recordou em entrevista à Rolling Stone, a mãe perguntava se estava bem por não sair do quarto durante dias. A resposta, com humor irreverente, foi tão típica de Hindsquanto reveladora: “Não te preocupes, mãe. Não estou a masturbar-me, estou a tocar guitarra!”.
A mudança para Atlanta nos anos 90 abriu-lhe portas. Por essa altura, já era visto como lenda local: um guitarrista genial, ainda que muitas vezes imprevisível, capaz de faltar a ensaios por causa de excessos, mas de transformar qualquer jam em electricidade pura. Foi nesse contexto que se cruzou com Troy Sanders, Bill Kelliher e Brann Dailor, músicos que viriam a formar com ele os MASTODON.
O início foi caótico, com episódios que iam desde brigas em restaurantes a ensaios arruinados pela embriaguez, mas também marcado por uma química musical rara. Como recordaria Bill, no segundo ensaio Brent começou a disparar riffs que deixaram os colegas atónitos: “Este gajo é incrível. Onde é que estava ontem à noite?”
Essa combinação de instinto selvagem e dedicação total forjou a sonoridade de uma das bandas mais importantes do metal do século XXI. Desde «Remission», em 2002, até «Hushed And Grim», em 2021, o contributo de Hinds foi sempre fundamental. Os riffs intrincados, a voz nasalada e cortante, as melodias inesperadas e o instinto para fundir progressivo, sludge, psicadelismo e metal clássico fizeram dos MASTODON um dos nomes mais celebrados e influentes da sua geração.
Álbuns como «Leviathan», de 2004, «Blood Mountain», de 2006, «Crack The Skye», de 2009, e «The Hunter», de 2011, não só se tornaram clássicos modernos como consagraram Brent Hints como um dos guitarristas mais inovadores do seu tempo. No entanto, o músico, também era, inevitavelmente, uma personalidade difícil. Capaz de ternura e lealdade, mas igualmente de impulsos destructivos, era alguém que desafiava qualquer tentativa de simplificação.
Em 2011, Brann Dailor dizia dele: “As pessoas pensam que o Brent é um caso perdido, mas há uma pessoa bonita lá dentro. Ele é complexo, e nós amamo-lo.” O próprio Hinds reconhecia a tensão que sempre existiu dentro da banda: “Ainda conseguimos fazer-nos rir. Ainda conseguimos irritar-nos uns aos outros. Mas temos uma missão importante juntos: tocar música para as pessoas, e para nós mesmos.”
Essa dualidade marcou toda a sua carreira. Fora dos MASTODON, nunca se acomodou. Criou os Fiend Without A Face, os West End Motel, mergulhou em super grupos como os Giraffe Tongue Orchestra e os Legend Of The Seagullmen, e colaborou ainda com nomes que iam dos The Black Keys a CKY. A sua influência estendeu-se a músicos de peso, como Joe Duplantier, dos GOJIRA, que admitiu ter moldado o som de «Fortitude» após conversas com o amigo.
Mesmo assim, Atlanta continuava a ser o seu ponto de ancoragem. Foi lá que viveu, tocou, ensaiou e se manteve ligado às suas bandas paralelas. A cidade, que nos últimos anos se tornou polo da indústria cinematográfica, foi descrita por ele em 2021 como “um buraco infernal, um sítio onde andar de mota é uma sentença de morte”. Palavras que hoje soam tragicamente proféticas.
A morte sempre rondou a sua arte. Desde «The Hunter», baptizado em memória do irmão Brad, até «Hushed And Grim», dedicado ao falecido manager Nick John, a discografia dos MASTODON está impregnada da consciência da finitude. O próprio Hinds admitia: “Parece que alguém tem sempre de morrer para fazermos um álbum. Quando escrevemos música para quem já partiu, mantemo-los vivos.” Essas palavras ecoam agora como epitáfio involuntário.
A sua saída dos MASTODON, em Março de 2025, após desavenças internas, deixou marcas na relação com os colegas e na percepção pública da sua personalidade. Ainda assim, é impossível dissociar o seu nome da banda que ajudou a erguer. A força criativa, a personalidade maior que a vida, a guitarra que tanto bebia do country como do metal progressivo: tudo isso moldou não só a sonoridade do grupo, mas também o imaginário de toda uma geração de fãs.
A morte de Hinds retira ao mundo um dos últimos grandes arquétipos de “rock star”. Um músico que não cabia em rótulos fáceis, capaz de momentos de pura ternura e de acessos de fúria, dono de uma obra que atravessa géneros e gerações. Como escreveu certa vez, “o legado não me interessa, o que me move é transformar espírito selvagem em som cativante”. Esse som, felizmente, permanece. Em álbuns, em memórias de concertos, em histórias contadas por amigos e fãs. Brent Hinds não queria ser lembrado como mito, mas como músico. Ironia suprema: ao rejeitar a ideia de imortalidade artística, conquistou-a.















