Entre a maturidade criativa e a emoção das perdas pessoais, os escoceses BLEED FROM WITHIN regressam a Lisboa para apresentar o muito aplaudido «Zenith» já na próxima sexta-feira. Em jeito de antecipação, estivemos à conversa com o vocalista Scott Kennedy.
Oriundos de Glasgow, na Escócia, os BLEED FROM WITHIN surgiram em 2005 e, desde então, têm vindo a consolidar uma reputação invejável no mundo do metal mais modernaço. A sua fusão de groove, riffs esmagadores e melodias cativantes tem-lhes valido elogios da crítica e uma legião de fãs em crescimento constante, sendo que o seu mais recente álbum, «Shrine», de 2022, conta já com mais de 25 milhões de streams, afirmando-se como uma prova irrefutável do impacto global destes músicos e da sua capacidade para inovarem no género em que se movem.
Verdade seja dita, a banda não tem abrandado o ritmo desde a edição de «Shrine», um registo ambicioso e demolidor, que cimentou o estatuto dos BLEED FROM WITHIN como a banda mais pesada alguma vez saída da Escócia. Como resultado da alta energia que os caracteriza, os cinco músicos partilharam palcos com gigantes como os Megadeth, Lamb Of God ou Testament, apara lém de terem marcado presença em inúmeros festivais de renome. Só em 2024, estrearam-se nos Estados Unidos e fizeram uma digressão de treze datas pelo Reino Unido com os Trivium.
Pois bem, a mais recente digressão europeia dos BLEED FROM WITHIN atravessa actualmente uma fase de afirmação: a banda anda a tocar em salas maiores, para público mais numeroso e, pelo caminho, a confirmação de que o sétimo álbum entrou com força na discografia da banda torna-se mais que óbvia. O vocalista Scott Kennedy falou connosco poucas horas após um espectáculo totalmente esgotado em Helsínquia.
Ainda a recuperar de um vírus que circulava no autocarro da tour, o cantor os BLEED FROM WITHIN deu-nos respostas francas sobre a excelente recepção a «Zenith», o processo de composição do álbum, as perdas pessoais que marcaram as letras do disco e as colaborações especiais que surgiram de encontros improváveis.
Com a banda a tocar no LAV – Lisboa Ao Vivo já na próxima sexta-feira, dia 3 de Outubro, esta entrevista funciona como um retrato íntimo de um grupo de músicos que, ao longo dos últimos anos, aprendeu a transformar a dor numa ligação directa ao âmago dos seus seguidores, e que encara agora a responsabilidade de manter viva a música que tanto significa para os fãs.
Tocaram em Helsínquia ontem à noite e o espetáculo estava totalmente esgotado — como tens sentido a reação ao álbum até agora?
Tendo sido incrível! Esta digressão é a primeira vez que estamos a ver o impacto que o álbum teve. Porque, obviamente, quando lanças um disco estás em casa e é muito difícil perceberes o que se está a passar realmente.
Além das opiniões das pessoas nas redes sociais, a única forma real de perceber o impacto do que fazemos é sair em digressão com o disco. E a resposta nesta tour tem sido inacreditável. Todas as noites as pessoas cantam todas as letras das músicas novas. Tem sido incrível, uma experiência mesmo muito reveladora. Estamos a ver em tempo real quanto o disco significa para as pessoas.
O «Zenith» é já o sétimo álbum de estúdio dos BLEED FROM WITHIN — sentes que é um marco?
Diria que sim; por ser já o nosso sétimo longa-duração, acaba por ser uma espécie de marco. Sinto que, como músico e como banda, estamos a desfrutar o momento com cada disco que fazemos. Agora estamos um pouco mais velhos, mais maduros também, e sinto que a nossa sonoridade está a amadurecer connosco. Sinto que este disco é o melhor que já fizemos. Sei que todas as bandas dizem isso, mas sinto, no fundo do meu coração, que este é o material mais forte e maduro que já fizemos enquanto banda.
Posso estar enganado, mas estás a soar-me algo cansado.
Não estás enganado. [risos] Estamos em tour, acabei de acordar e, para tornar tudo ainda mais complicado, estou meio doente. Há um vírus qualquer a circular no autocarro, por isso tenho a minha cabeça toda lixada.
Parece-me óbvio que as pessoas estão a reagir de forma diferente a este álbum — fizeram algo diferente em termos da composição ou da gravação?
Não- De certa forma, sinto que seguimos quase sempre a mesma fórmula, mas acho que neste disco talvez tenhamos experimentado um pouco mais. Puxámos pelo nosso lado mais melódico e suave, mais do que alguma vez conseguimos fazer, e também explorámos o que é mais pesado.
O tema de abertura, intitulado «Violent Nature», é, sem qualquer dúvida, o tema mais pesado que já escrevemos; a última canção do disco, a «Edge Of Infinity», é provavelmente a balada mais suave e melódica que já fizemos. Nunca tínhamos feito nada assim antes. Estamos a tentar encontrar um bom equilíbrio entre esses dois lados da nossa música, esses dois lados da nossa personalidade, e queremos expandir isso.
Qual foi o ‘segredo’ para equilibrarem esses extremos?
Não acho que haja efectivamente um segredo, para ser sincero. Nós apenas tentamos escrever as melhores canções que estão ao nosso alcance. Depois, quando temos um conjunto de temas, é só uma questão de concordar relativamente a quais são os melhores. Na verdade houve três músicas que não entraram neste disco — e eu adoro essas três músicas. Espero que façamos algo com elas no futuro. Não há segredo: há que viver o momento e escrever o que nos parece certo.
Porque ficaram essas três músicas de fora?
Porque eram demasiado parecidas com outras que já estavam no álbum; e que eram um pouco mais dinâmicas. No entanto, são grandes canções — talvez, no futuro, façamos algo com elas. Acho que é um bom problema: quando tens de deixar músicas muito fortes de fora, isso diz muito sobre a qualidade do que já tens.
Talvez as possam lançar num EP ou como singles autónomos?
Talvez, sim. Ou talvez nunca vejam a luz do dia. Quem sabe? A verdade é que ainda não pensámos nisso. Por enquanto, estamos a desfrutar deste disco e de estarmos em digressão a ver a resposta dos fãs nos concertos.
Nesta digressão estão a fazer os maiores concertos em nome próprio que fizeram até agora — que diferenças tens sentido?
Acho que o que mais me tem impressionado tem sido a quantidade de gente a cantar as letras… As músicas do «Zenith» têm estado a revelar-se muito emocionantes nos concertos. [pausa] Além do mais, temos andado a tocar alguns temas mais obscuros do álbum «Fracture», que saiu em 2020 — e é verdade que só passaram cinco anos, mas já as vemos como antigas. [risos] A reacção das pessoas tem sido brutal! Cantam as letras e parece que essas músicas já são parte do imaginário das pessoas, mesmo que só tenham cinco anos.
Não tocaram muito essas músicas ao vivo por causa da pandemia, certo?
Pois — lançámos esse álbum durante a pandemia, em 2020. Quando finalmente fomos fazer a nossa primeira tour em nome próprio depois da pandemia, já tínhamos lançado outro álbum, por isso foi quase uma digressão do «Shrine» e «Fracture» ao mesmo tempo. Durante essa digressão tocávamos para 200 ou 300 pessoas por noite; o maior concerto foi em Glasgow, com 800. Agora voltámos a Glasgow e vendemos 4,000 bilhetes. É inacreditável. É mesmo um tempo muito bonito nas nossas vidas e estamos muito, muito gratos por isso.
O que é que achas que fez o click com o público agora?
Não sei exactamente. Já falámos sobre isso várias vezes. Acho que ajudou termos decidido lançar música durante a pandemia. Muitas bandas guardaram os álbuns porque não podiam fazer tours; mas nós pensamos ‘que se lixe — as pessoas precisam de música nova agora’.
Acho que isso jogou a nosso favor: as pessoas tinham tempo para ouvir música e havia menos discos a sair. Felizmente, o nosso foi um desses discos. Também melhorámos na utilização das redes sociais e em como nos promovemos. A composição melhorou também — é uma soma de coisas que nos trouxe até aqui. Não me vou queixar.
Em termos temáticos, que conceito atravessa o «Zenith»?
Falamos muito sobre saúde mental, sobre onde estamos pessoalmente no mundo, como nos vemos neste mundo maluco em que vivemos. Muitas músicas falam sobre perda — durante o processo de escrita perdi a minha irmã, e há músicas sobre isso. São coisas muito pessoais sobre onde estávamos na altura. Eu nunca quis escrever sobre fantasia; sem desrespeito para quem o faz, mas nunca me identificaria com isso. Quero cantar músicas com ligação emocional.
Quando tocamos ao vivo, essa emoção transparece e o público percebe que é real. As pessoas também passam por coisas semelhantes — para elas é uma fuga e acaba por fazê-las sentir que não estão sozinhas. Para mim é muito importante falar disso e fazer as pessoas sentirem que fazem parte de algo.
Mas não é mais difícil para ti tocar todas as noites músicas tão pessoais? Ou acaba por funcionar como uma espécie de terapia?
Acertaste — é quase como fazer terapia. É incrível ver pessoas a conectarem-se com músicas que eu escrevi em casa, ou que o Ali escreveu em casa (o Ali ajuda em muitas letras). Sentarmo-nos em casa a escrever letras muito pessoais e depois irmos em digressão e vermos as pessoas a ligarem-se a elas… Acho que não existe maior recompensa para um músico.
Neste álbum há dois convidados muito especiais: o Josh Middleton, dos SYLOSIS, e também o Brann Dailor, dos MASTODON. Como surgiram essas colaborações?
Conhecemos o Josh há muito tempo; andávamos a tocar no Reino Unido quando tínhamos 19 ou 20 anos. Depois, a dada altura, o nosso baterista, o Ali, chegou a tocar bateria nos Sylosis, por isso tornámo-nos muito chegados e fez sentido convidá-lo a cantar na «Hands Of Sin». Com o Brann foi diferente: conhecemo-lo durante o cruzeiro dos Lamb Of God, que foi de Miami às Bahamas.
Tocámos vários espectáculos durante esse cruzeiro e, no último, fizemos um set mais de festa com versões: uma dos Slipknot, uma do Andrew WK, uma dos Power Trip como forma de homenagear o Riley, que tinha falecido há uns meses. O Brann estava nesse concerto, viu-nos fazer a versão dos Slipknot e, como era muito amigo do Joey Jordison, veio falar connosco depois. Bebemos um copo de vinho tinto e conversámos.
Mais tarde convidámo-o para gravar algumas linhas vocais no nosso disco e ele aceitou. Foi especial porque não é exactamente um convidado óbvio: normalmente escolhes o frontman, mas contar com o talento de um baterista — cuja voz é tão importante nos Mastodon — a coloborar no disco foi incrível. Ele é uma pessoa fantástica e um vocalista incrível.
Tem sido um ano difícil com várias perdas no mundo da música — isso mexeu com vocês?
Estes últimos anos têm sido de loucos nesse aspecto. Temos perdido muita gente… O Ozzy, o Riley, o Joey — recentemente morreu também o Tomas Lindberg. São tempos estranhos. Não sei se é sinal de que estamos a ficar mais velhos, mas estamos a perder muitos dos nossos ídolos e pares. É triste. Lembro-me de ser mais novo e um dos meus tios dizer-me que quando começasse a ficar mais velho ia notar que as pessoas estão a partir.
Eu nunca tinha pensado muito nisso até agora, mas é verdade — o mundo também envelhece. E as pessoas começam a partir. Isso deixa-te muito consciente de que tens de viver o momento. Eu tinha um problema com a morte, aterrorizava-me quando era mais jovem; vivia com medo.
No entanto, às tantas percebi que, quanto mais me preocupar com a morte, menos estou a viver, porque estou sempre a pensar nisso. E quando vês tantas pessoas a morrer, percebes que isso acontece a toda a gente. Não há volta a dar. Temos de viver. As lendas nunca morrem — essas pessoas vivem nas suas músicas, temos de as manter vivas através da música.
Voltando a esta mais recente digressão dos BLEED FROM WITHIN. Como se prepararam para aquela que é a vossa maior digressão em nome próprio até ao momento?
Com muitos ensaios, claro. Tivemos sorte por termos feito muitas tours incríveis recentemente — andámos durante bastante pelos Estados Unidos com os Bullet For My Valentine e os Trivium. No ano anterior fizemos uma digressão com os Slipknot; durante este Verão também estivemos em muitos festivais grandes.
Isso ensinou-me muito sobre como ser um bom performer, frontman, e músico. Quando depois vais fazer os teus próprios concertos, trazes contigo todas essas lições. Tem sido uma experiência reveladora e incrível.
Em termos de alinhamento, vão tocar muito material do «Zenith»?
Sim. Não quero dar-vos spoilers, mas há bastante material do «Zenith» nste alinhamento. Como é óbvio, só podemos tocar durante um certo tempo e, mesmo assim, este é o set mais longo que já fizemos. Vamos tocar 17 temas. É duro, mas não há outra forma: temos de tocar alguns temas do «Zenith», mas também queremos tocar material de outros álbuns porque há pessoas que nos seguem há muito tempo e queremos que todos fiquem satisfeitos. No final, acho que conseguimos criar uma boa mistura de tudo.
Estás entusiasmado para voltar a Portugal?
Claro! Adoro Portugal, adoro Lisboa — é uma das minhas cidades favoritas de todas as que já visitei. Temos muitos amigos aí: o Melo, que costumava ser o nosso tour manager, e os rapazes dos More Than A Thousand, com quem fizemos alguns concertos. Tenho saudades de toda a gente e estou ansioso para voltar, porque não vou a Lisboa há muito tempo. Por acaso um amigo meu vai ter a despedida de solteiro em Lisboa nesse fim-de-semana, por isso também vão aparecer no concerto e vão fazer uma festa. Vai ser uma grande noite, estou mesmo muito entusiasmado.
Os bilhetes para o concerto de regresso dos BLEED FROM WITHIN a Portugal, que conta com os AFTER THE BURIAL e GREAT AMERICAN GHOST na primeira parte, estão disponíveis em primeartists.eu e nos pontos de venda habituais, por 30€.
















