De uma forma geral, a história do nosso underground é feita de perseverança. Persistência. Teimosia, vá. Perante o facto de estarmos num país onde a cultura é desvalorizada, a música (em todas as suas vertentes) continuar a não ser levada a sério como uma actividade e o rock ser um (micro) nicho, tudo é uma luta. esta noite no RCA Club não deixou de ser uma representação perfeita dessa resistência, com as BLACK WIDOWS a fazerem a sua festa de apresentação do seu segundo álbum, «Among The Brave Ones», lançado vinte anos após a estreia «Sweet… The Hell», nesta ocasião bem acompanhadas pelos MY ENCHANTMENT (que também estavam a apresentar o EP «Malebolge») e pelos PRIMAL WARFARE. Com a casa ainda a meio gás, a noite começou precisamente com a actuação destes últimos, que estavam a dar apenas o seu segundo concerto. Apresentaram um thrash metal rudimentar e primitivo, que nos fez recuar umas boas décadas e que encontrou muito entusiasmo entre público presente. O que lhes falta em rodagem e experiência compensam com entusiasmo — e, pelo que foi possível notar, já começam a ter uma base de seguidores. Já os MY ENCHANTMENT estão num patamar diferente, e também numa fase renovada da sua carreira. O outrora sexteto apresenta-se agora no formato de quarteto, contando com pistas de teclados pré-gravadas e com Fernando Campos a acumular as funções de guitarrista e vocalista, desafio que superou com sucesso. «Malebolge» foi tocado quase na íntegra e, após uma mudança simbólica de máscaras, visitaram o passado mais recente, nomeadamente o álbum «Saligia», com «Ira» e «Gula», acabando com «So Blood Became Wine» e com o seu hino «Inner Sanctum» — estas últimas, interpretadas já sem máscaras.
As senhoras da noite eram mesmo as BLACK WIDOWS, o entusiasmo à frente do palco era bem palpável antes de subirem sequer ao palco e isso alimentou a actuação da banda desde o primeiro momento. O foco, como seria de esperar, foi para «Among The Brave Ones», que foi tocado na íntegra com um alinhamento diferente e que tornou o espectáculo ainda mais interessante. Se em estúdio este álbum funciona muito bem, em palco não perde em nada o seu poder de impacto — apesar de Rute Fevereiro se ter dirigido após alguns temas para Fernando Matias (produtor do álbum presente na assistência), referindo-se a eles como sendo muito difíceis de tocar ao vivo. Apesar desse facto, a interpretação esteve lá, no ponto. Desafio superado com sucesso, portanto. Rute esteve bastante comunicativa, e quando não esteve ela, Marta Brissos (também dos Gwydion) assumiu essa função com naturalidade e bom humor. Para o encore, após explorado o novo álbum completo, reservaram uma visita ao passado, ao primeiro disco, através de três temas, cada um com uma dedicatória, onde não faltou a homenagem a Carla Marques, eterna referência na história do grupo. Uma noite que a banda não esquecerá e em que o público compareceu, e bem, ao chamado para apoiar a criação de mais um pedaço de história do metal lusitano.
FOTOS: Sónia Ferreira