Sim, é verdade que a notícia da estreia dos icónicos BLACK FLAG em Portugal foi recebida com um misto de emoções. Houve, como habitual, quem se queixasse que, num país tão pequeno como o nosso, o concerto ia ser longe; e, claro, também houve quem afirmasse que “isto já não são os BLACK FLAG, porque só lá está o Greg Ginn“. Chegou-se até ao ponto de haver gente a referir-se à presente formação das lendas californianas como sendo “uma banda de covers”. Independentemente das reclamações, a verdade é que, nesta primeira visita a Portugal, a banda esgotou a Sala 1 do Hard Club e, a julgar pelo sorriso na cara dos presentes à saída, tal não aconteceu por acaso. Já lá iremos, no entanto. Umas horas antes, ao chegar à sala do Mercado Ferreira Borges, uma das melhores do país, a expectativa era alta, mas a desconfiança e cepticismo também estavam presentes. Estaria o “velhote” Greg Ginn ainda com pedalada? A sala foi enchendo aos poucos e, conforme prometido, os TOTAL CHAOS subiram ao palco às 21:00 em ponto.
É sabido que a banda punk californiana, fundada em 1989, teve o seu pico de popularidade durante os anos 90, tendo inclusivamente editado três discos através da Epitaph Records, que se tornou a maior editora indie do mundo após ter lançado discos icónicos dos THE OFFSPRING, NOFX, RANCID, PENNYWISE e, claro, BAD RELIGION. Não havendo uma banda local de “suporte”, coube a estes veteranos puxarem pelos presentes, algo que acabou por provar-se desafiante e complicado de início. No entanto, a opção por tocarem as músicas coladas umas às outras não deu espaço para que houvesse tempos mortos e isso jogou definitivamente a favor dos músicos. Infelizmente, aquela «Pledge Of Defiance» dedicada a todos os punks presentes — porque, como relembrou o vocalista Rob Chaos, “o punk nunca vai morrer!!!” — e o cliché “governments are shit“, não funcionaram assim tão bem. Concorde-se ou não, a verdade é que este tipo de discurso virado para as teorias de conspiração não envelheceu de forma graciosa e, em 2023, esteve bem perto de se transformar num daqueles momentos de vergonha alheia. Com o bom senso a imperar, o Rob ficou-se por ali no que toca a tiradas desnecessárias, mas o set acabou também por revelar-se longo demais e tornou-se algo monótono e um tanto ou quanto repetitivo. Porquê tocarem 50 minutos se ficávamos todos melhor servidos com apenas 30?
Despreocupadamente, três dos quatro elementos que compõem os BLACK FLAG em 2023 subiram ao palco para um breve linecheck. Sem vedetismos ou show off de qualquer espécie, Charles Wiley sentou-se atrás da bateria, Greg Ginn colocou a sua icónica guitarra transparente ao ombro e Harley Duggan agarrou o baixo. Como trio, arrancaram com o riff de «Can’t Decide» em modo jam session e ficaram a repeti-lo num loop hipnótico até Mike Vallely entrar em palco, agarrar o microfone e, de um momento para o outro, transformar o Hard Club na sala de ensaios da banda. Por esta altura, restavam poucas dúvidas em relação à validade do que tínhamos à frente e a emblemática «Nervous Breakdown», estrategicamente colocada na segunda posição do alinhamento, colocou a sala toda a cantar. A partir daí, os clássicos foram sendo distribuídos um a seguir ao outro, sem tempo a perder e sem dar hipótese para perder o foco. Vallely, que se juntou à banda em 2014, revelou-se competente e energético, e nota-se que vai buscar muito dos seus maneirismos em palco a Henry Rollins, aquele que para muitos foi o mais marcante vocalista da banda. Pese o facto de não ter a mesma pujança que Rollins apresentava nos 80s, a verdade é que, num mesmo concerto em 2023, talvez ficassem taco a taco em termos de energia. Quanto a carisma, já sabemos que nem vale a pena comparar.
«Gimmie, Gimmie, Gimmie» recebeu também uma excelente resposta por parte do público, que por esta altura já se movimentava com mais fervor e com os stage dives a acontecerem em maior quantidade — e com mais regularidade. No entanto, foi com a viagem de «Slip It In», com direito a um solo caótico e clássico de Ginn, que parece estar a tocar tudo ao lado mas que incrivelmente consegue soar bem, que se tornou claro que, afinal, estes quatro tipos soam aos BLACK FLAG como só os BLACK FLAG algum dia vão conseguir soar. Com a música a falar mais alto que tudo o resto, foi só já na recta final do espectáculo, antes de tocarem a «TV Party» (com a parte final da letra actualizada para “no Youtube“, um pormenor que não deve ter passado despercebido dos fãs mais atentos) que acabaram por dirigir-se ao público, mas também ninguém pareceu muito importado com isso e a interpretação de «Rise Above», provavelmente o momento mais aguardado por muitos dos presentes que esgotaram a sala, fez esquecer qualquer ideia de possível distanciamento entre o palco e plateia. Feitas as contas, o tema de abertura do clássico «Damaged» é mesmo o mais popular do grupo e a reacção esteve à altura do momento. «Louie Louie», o clássico mais vezes gravado na história do rock, revelou-se a forma ideal para terminar o “ensaio”, com Greg Ginn a entregar a guitarra a Shawn Smash, dos TOTAL CHAOS, para que este tocasse o solo final, dando assim oportunidade a Greg para descer junto do público e ver a “sua” banda de sempre a tocar. No final, num alinhamento que percorreu todas as fases da banda, só «My War» ficou estranhamente de fora e os mais cépticos, assim como todos os que se baldaram por esta ou por aquela razão, podem ficar com estas palavras ouvidas à saída do concerto: “Black Flag foi do c*ralho!!!“. Foi mesmo.
Fotos: Daniel Sampaio/Amplificasom