Com duas décadas de experiência às costas, seria fácil ver os BETWEEN THE BURIED AND ME sentados à sombra das entradas nas tabelas da Billboard, das pontuações máximas de jornais de referência como o The Guardian, das nomeações para os Grammys, ou dos muitos quilómetros de estrada percorridos em nome próprio ou com gente como os Lamb Of God ou os Mastodon. Na verdade, até podiam estar só um bocado a curtir o facto de terem uma espécie rara de estrelas do mar pré-históricas, descobertas em 2018, com o nome da banda. Seria fácil dizer que não têm mais nada a provar, mas desenganem-se os mais incautos, porque os músicos pensam diferente. Com «Colors II», decidiram elevar a fasquia e assinam uma sequela de «Colors», considerado “um dos 100 melhores álbuns de hard rock e heavy metal do século 21”. Alguém aí falou em pressão? Com os pés bem assentes na terra, o vocalista/teclista Tommy Rogers explicou-nos que é tudo uma questão mental.
Como tem sido este último ano para ti, Tommy?
Acho que não me posso queixar muito, na verdade. Quer dizer, é lógico que tive de fazer alguns ajustes na minha vida, porque foi o maior período de tempo em que estive fora da estrada desde que tinha, provavelmente, uns 18 anos, sabes? E agora tenho mais de 40. Como em tudo na vida, houve prós e contras. Fiz muita autoavaliação durante o período da pandemia, passei muito tempo com o meu filho e a minha esposa. Tento sempre ver os lados mais positivos de tudo e, olhando para trás, sinto que gostaria de ter aproveitado melhor este tempo de inactividade com eles. No que toca à banda, estivemos ocupados, não ficámos a chorar no canto a lamentar-nos. Quando percebemos que íamos ter de cancelar a digressão de 20.º aniversário, que devia ter acontecido em 2020, começámos a trabalhar e escrevemos o novo álbum. Além disso, estive a trabalhar noutro material fora dos BTBAM, por isso as coisas não foram tão diferentes assim além de não podermos estar na estrada. Estávamos muito animados para começar a digressão. Felizmente, acho que vamos poder fazê-la em breve, mas foi uma daquelas coisas que… Não sei. Foi horrível termos de cancelar tantas vezes, mas ao mesmo tempo, isso deu-nos oportunidade de trabalhar no novo álbum, que seria algo que não teríamos sido capazes de fazer de outra forma.
É curioso, porque muitos músicos apontam essa oportunidade de fazer alguma auto-reflexão como consequência positiva da pandemia.
Tendo a concordar, sim. Fiz muito disso e acho que foi, acima de tudo, daquelas situações que me lembrou que tudo isto nos pode ser tirado de um dia para o outro – o trabalho, a vida em geral, tudo isso. Fez-me colocar as coisas em perspectiva e permitiu-me avaliar o que é importante. E o que não é realmente assim tão importante. Fez-me ver que não posso perder muito tempo a pensar nas pequenas coisas mundanas do dia-a-dia, tenho de tentar não me concentrar nisso, e dar mais atenção à família, ao que gosto de fazer e a todas as coisas que podem melhorar a minha vida.
Parece-te justo dizer que, por esta altura, duas décadas depois de terem dado os primeiros passos, os Between The Buried And Me são já uma dessas coisas importantes na tua vida?
Sim, sem dúvida. A banda já faz parte da minha vida, é algo que sei que me faria muita falta se, por alguma razão, decidíssemos parar. Sei que me tornaria numa pessoa bem mais amarga. [risos] Foi por isso que, durante o último ano, fizemos questão de não ficar sentados sem fazer nada. Além do disco, mexemo-nos de uma forma que acho que nos ajudaram a criar uma ligação ainda mais forte com os fãs. Fizemos as reedições, com os álbuns mais antigos remasterizados. E senti que houve uma espécie de ressurgimento, de empolgação, especialmente com relação a uns desses discos – e isso deu origem a um fortalecimento entre nós e o público. Apoiaram-nos muito e estiveram lá durante aquele tempo, o que só nos fez perceber o quão sortudos somos, porque há por aí muita gente para quem a música que fazemos significa tanto, ou ainda mais, do que para nós.
Sentiram que esses álbuns precisava de ser retocados, foi isso?
A editora que detém os direitos dos álbuns que fizemos para a Victory, que é a Concord Music, mostrou abertura para fazer algo do género, por isso fizemos isto por conta própria e lançámos com eles, o que foi fixe. E, para responder à tua questão, não se tratou de não estarmos satisfeitos com as edições originais, mas… Especialmente o nosso produtor, o Jamie King, há muito tempo que nos dizia que só queria ter uma segunda oportunidade de misturar os primeiros discos porque sabia que conseguiria fazer muito melhor. A única coisa que tivemos em mente foi que não podíamos adulterar o resultado final, não havia espaço para mexer muito nas coisas. O objectivo era apenas fazer com que soassem mais adequados à forma como ouvimos música agora.
Como te sentiste a revisitar esse material mais antigo?
Foi óptimo mergulhar de novo nesses álbuns. E foi divertido, porque a maioria dos temas duraram pouco mais de dois anos nas nossas vidas. Já não ouvia alguns deles há mais de uma década, por exemplo. Portanto, pode dizer-se que foi uma viagem, revivi memórias imensas, de quando estávamos a escrever e a gravar. O quão rápido este tempo passou é simplesmente uma loucura… Porque aqueles temas foram escritos há muito tempo, mas eu não sinto isso, sabes? Não me parece que tenha passado assim tanto tempo, é bizarro.
Reeditaram o «Colors» recentemente, andaram a tocar o «Colors» na íntegra em 2017 e, agora, aqui está o «Colors II». Quando surgiu a ideia de fazerem uma sequela desse disco?
Nunca falámos realmente sobre isso – não naquela época. Tivemos a ideia de fazer isto mesmo antes de começarmos a escrever, provavelmente em 2019. Começámos a falar e queríamos criar uma mentalidade semelhante àquela em que estávamos quando fizemos o primeiro «Colors». Como banda, estamos sempre a tentar ser muito criativos, mas desta vez parecia diferente. Parecia que tínhamos realmente de dar um passo à frente e mostrar ao mundo que ainda aqui estamos. Não sei se foi por sermos uma banda já há 20 anos, mas sentimos mesmo necessidade de mostrar que ainda somos uma unidade muito forte. O que fizemos foi voltar a essa mentalidade, ao facto de não haver regras, de não haver qualquer necessidade de encaixar num grupo, tratar-se apenas de explorarmos a nossa identidade e sermos nós mesmos; tanto quanto possível. Essa foi a ideia inicial. E depois, quando a pandemia nos atingiu, tornou-se muito poético porque nos vimos nesta posição, em que estávamos a viver algo totalmente novo e a começar do zero. Toda a gente estava a sentir as coisas à sua maneira e tivemos oportunidade de colocar isso na nossa música e criar algo especial.
Não há dois discos dos BTBAM iguais, mas mesmo assim há sempre a vontade de ir mais longe, o que não deixa de ser impressionante.
Sim. Sempre. Quer dizer, isso é que é divertido. Eu sempre achei que se, se não for assim, se estivermos sempre a correr no mesmo lugar, deixa de ser emocionante. Até porque as cores do «Colors» original eram apenas a simples ideia de começar do nada e fazer algo – e isso é o que a música é. E continua a ser algo muito bonito. Podemos sentar-nos, nos nossos apartamentos, nas nossas casas, do zero, e construir algo que se torna… Música, que dura mais que o tempo que vamos estar aqui. Nós temos muita sorte de fazer isto e continua a ser muito divertido fazê-lo, nunca sabemos qual será a próxima curva enquanto estamos a escrever. Estamos constantemente a surpreender-nos e, contanto que isso continue a acontecer, estamos em boa forma.
Vivem da música desde que lançaram o segundo álbum. Há sempre o estigma de que, quando tens que colocar comida na mesa com o dinheiro que ganhas da música, a linha é muito ténue entre o compromisso e a criatividade. Vocês não estão muito preocupados com isso, pois não?
Acho que isso não funcionaria connosco. Temos muita sorte no sentido em que os nossos fãs gostam de encorajar-nos a fazer coisas novas a experimentar; o que, convenhamos, não é algo que muitas bandas que possam dizer. Nunca sentimos tanto essa pressão de termos a banda como trabalho em tempo integral como durante o último ano, porque tivemos o stress de estar todos a olhar uns para os outros e a pensar ‘como diabos vamos continuar a flutuar?’ Para bandas como nós, as tours são a principal fonte de rendimento.
Pois, as vendas de discos, apesar de terem subido, continuam a ser residuais. As plataformas de streaming não pagam o que deviam…
Honestamente, a venda de discos nunca foi grande prioridade para nós. Nunca foi algo do qual vimos muito dinheiro, sempre esteve em segundo plano. É lógico que é empolgante ter bons números, isso funciona em nosso benefício em alguns aspectos do negócio. Mas sempre estivemos mais preocupados em criar uma grande base de fãs, levar as pessoas aos concertos e fazer bons discos. Não posso dizer que as coisas estejam a melhorar no que toca atentarmos vender a porra de um disco, o que é triste de dizer em 2021, mas lá está… Não diria que esse é o foco principal da maioria de nós. Estamos apenas a dar um passo de cada vez.
Lembro-me que o vosso disco de estreia foi apresentado como metalcore, estilo que na altura estava em alta. Podiam ter seguido esse caminho e ter sido tão grandes como os Killswitch Engage.
Não sei se teria sido efectivamente assim, mas percebo que o dizes. [risos] O “problema” é que nunca estivemos interessados em seguir um rebanho e, estando aí há tanto tempo, vimos como as tendências caem rapidamente quando as pessoas seguem esse caminho. Portanto, estou muito feliz por nunca termos sido esse tipo de banda, que só faz aquilo que vai resultar. Isso dificilmente funciona. E esse foi um dos propósitos para começarmos logo assim, como uma banda pesada, que não queria ser como todas as outras.
Acho que não correm o risco de ser confundidos com mais ninguém. Quem raios se ia lembrar de enfiar elementos de gospel e três solos de bateria num tema, como fizeram na «Fix The Error»?
Sim. [risos] É engraçado, porque esse é mesmo o tipo de reacções que gostamos de ter. A «Fix The Error», soou, desde o início, diferente. Era divertida e, especialmente depois dos últimos anos, era importante fazermos algo que tivesse uma vibração positiva. E, sim, os solos de bateria são tão ridículos que é meio impossível não ficarmos com um sorriso na cara à medida que as coisas vai ficando mais e mais exageradas. Quando a mostrámos ao pequeno círculo de pessoas que deixámos ouvir o álbum, foi um tema que saltou e, como também a adoramos e foi óptimo colaborar com o Portnoy, o Navene [NR: Koperweis, dos Animals As Leaders] e o Ken [NR: Schalk, dos Candiria], decidimos dar-lhe honras de clip. Se calhar surpreendeu algum pessoal, mas lá, está… Faz tudo parte do jogo.