Trinta e sete anos depois, o «Blood Fire Death», de BATHORY, continua a ser o trovão fundador do som épico e espiritual que mudaria para sempre o metal extremo.
Há discos que mudam géneros; outros criam géneros. Lançado a 8 de Outubro de 1988, o «Blood Fire Death» pertence a esta segunda categoria. Assinado por Quorthon, o visionário sueco por detrás de BATHORY, o álbum não foi apenas o ponto de viragem de uma carreira — foi o início de uma nova era para o metal extremo, aquela em que o negrume cru e satânico do black metal cedeu lugar ao bastante mais atractivo esplendor épico das sagas nórdicas. Quase quatro décadas depois, o «Blood Fire Death» continua a soar como o relâmpago fundador de tudo o que hoje chamamos viking metal.
No momento em que se ouvem as primeiras notas de «Oden’s Ride Over Nordland», um instrumental majestoso que parece convocar exércitos ancestrais, percebe-se que Quorthon estava já a operar num plano acima de todos os seus contemporâneos. Era o prenúncio de uma viagem — não apenas por terras míticas, mas por territórios sonoros até então inexplorados. A orquestração dramática, o rugido distante das guitarras e a produção surpreendentemente clara (a primeira gravação verdadeiramente profissional dos BATHORY) estabeleciam uma atmosfera solene. Este era o som de um novo império a erguer-se.
O verdadeiro assalto começa com «A Fine Day To Die». É aqui que o génio de Quorthon se revela por inteiro: um épico de sete minutos, com mudanças de tempo, melodias melancólicas e — pela primeira vez — uma linha vocal limpa e declamatória. Se no «Under The Sign Of The Black Mark» já havia uns lampejos de ambição, no «Blood Fire Death» essa visão tornou-se inequívoca. O artista que antes rugia como um demónio encontrou a voz de um narrador ancestral, guiando o ouvinte por entre campos de batalha e visões de mortes gloriosas. Era um salto de fé criativa, e uma das decisões mais ousadas na história de BATHORY e do metal extremo.
A influência desta canção não pode, de resto, ser subestimada. Quando o Quorthon cantava “For the glory of war / For the end of all things”, abria caminho para uma estética que bandas como ENSLAVED, WINDIR ou AMON AMARTH acabariam por expandir nas décadas seguintes. Nesse preciso momento, o metal deixava de ser só profano e satânico; tornava-se espiritual, histórico, quase litúrgico.
Mas o «Blood Fire Death» não é apenas contemplação. Entre visões de glória e ruína, ainda há espaço para a fúria crua de «For All Those Who Died» e «Holocaust», faixas que recuperam a energia primitiva dos primeiros álbuns. São relíquias de uma era ainda meio punk, meio diabólica, onde a produção tosca era substituída pela urgência visceral. Se não possuem a sofisticação das peças mais épicas, funcionam como lembretes das origens subterrâneas de BATHORY.
O coração do álbum, contudo, bate mais forte nas peças monumentais: «The Golden Walls Of Heaven» e «Dies Irae» são explosões de intensidade rítmica e melódica, cheias de contrastes entre velocidade e grandeza. O toque clássico de BATHORY — as guitarras dobradas, os coros quase litúrgicos, a sensação de marcha inevitável rumo ao destino — já estava totalmente formado. E depois há ainda o tema-título, a apoteose. «Blood Fire Death» é uma epopeia de dez minutos onde o acústico e o eléctrico, o humano e o divino, o caos e a ordem se entrelaçam. Começa como um cântico melancólico, termina como uma catástrofe cósmica. É o testamento de um artista que sabia estar a escrever história.
À época, poucos perceberam o alcance da metamorfose. O underground ainda se andava a debater com as fronteiras entre thrash, black e death metal, e BATHORY surgiam como uma entidade incómoda, sem categoria definida. Hoje, a distância histórica permite ver o que o «Blood Fire Death» foi realmente: uma ponte entre o Inferno e o Valhala. Um álbum que uniu o espírito primitivo do metal extremo à nobreza estética da mitologia nórdica, e que fez da brutalidade um veículo para a transcendência.
Revisitar este disco em 2025 é mais do que celebrar um aniversário; é reconhecer a fundação de uma linguagem. Quando as guitarras ecoam o riff titânico da «A Fine Day To Die» ou quando aquelas vozes distantes invocam os deuses no tema-título, percebe-se que BATHORY não compuseram apenas música — criaram mitologia. E assim, trinta e sete anos depois, o «Blood Fire Death» mantém-se não só como um marco sonoro, mas como um monumento de imaginação e coragem. Um álbum onde o fogo ainda arde, o sangue ainda corre, e a morte continua a cavalgar sobre o norte.
















