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BARONESS: John Dyer Baizley recorda «Purple», um disco nascido da adversidade

Gravado após um dos períodos mais difíceis da história da banda, o álbum de 2015 continua a afirmar-se como um ponto de viragem artístico e humano para os BARONESS.

Dez anos depois do seu lançamento, o «Purple» permanece como um dos momentos mais decisivos e reveladores da discografia dos BARONESS, não apenas pela força das canções contidas no alinhamento, mas sobretudo pelo contexto humano, físico e emocional em que foi concebido. Editado no dia 18 de Dezembro de 2015 pela Abraxan Hymns, com produção partilhada entre a banda e David Fridmann, o quarto LP de estúdio do grupo de Savannah, na Georgia, marcou um ponto de viragem claro na sua história, funcionando simultaneamente como documento de superação e afirmação artística.

Para compreender plenamente o impacto de «Purple», é impossível dissociá-lo do acidente rodoviário sofrido pelos BARONESS durante uma digressão europeia em Agosto de 2012. A queda de vários metros de uma ponte en Inglaterra deixou marcas profundas, físicas e psicológicas, em todos os membros da banda, mas particularmente em John Dyer Baizley, vocalista e guitarrista, que enfrentou lesões graves e um longo processo de recuperação.

A incerteza quanto à continuidade da banda — e até quanto à sua possibilidade de voltar a tocar guitarra — pairou durante meses, lançando dúvidas reais sobre o futuro dos BARONESS. Foi precisamente desse período de fragilidade e reconstrução que nasceu o «Purple». O álbum surgiu como resposta directa à adversidade, assumindo sem rodeios o peso emocional acumulado nos anos anteriores.

Musicalmente, o álbum mantém os traços identitários dos BARONESS — a fusão entre sludge, prog e hard rock psicadélico — mas apresenta-os de forma mais directa, concisa e, em muitos momentos, mais luminosa. Canções como «Chlorine & Wine», «Shock Me» ou «Morningstar» revelam uma banda consciente da sua herança, mas disposta a simplificar estruturas e a apostar numa comunicação mais imediata, sem abdicar da densidade emocional que sempre os caracterizou.

A produção de David Fridmann, conhecido pelo trabalho com nomes como The Flaming Lips ou Mogwai, desempenha um papel crucial. O som do «Purple» é expansivo e detalhado, mas nunca excessivamente polido; há uma sensação constante de tensão contida, como se cada faixa carregasse consigo o esforço de voltar a erguer algo que esteve à beira do colapso. Essa abordagem reflete-se também na dinâmica interna dos BARONESS, que gravaram o disco já com uma formação renovada, após a saída de dois dos seus membros fundadores. A transição, longe de fragilizar o colectivo, acabou por reforçar a sua coesão criativa.

Essa vivência foi sintetizada de forma particularmente clara nas palavras de John Baizley em conversa com a LOUD!, numa reflexão que ajuda a contextualizar o espírito do álbum e que importa aqui citar na íntegra. “Continuo a estar muito satisfeito com o que fizemos nesse disco, sobretudo depois de tudo o que aconteceu com o acidente e tudo o mais. Houve ali uma altura em que não sabia muito bem se a banda ia continuar, não sabia sequer se algum dia ia conseguir voltar a tocar guitarra, mas acabei por perceber que não podia deixar a carreira dos Baroness ficar por ali. Não fazia sentido”, começou por explicar-nos.

“Ainda estava no hospital quando meti na cabeça que tínhamos de seguir o mais rápido possível e que tínhamos de gravar um disco. Isso acabou por ajudar muito na minha recuperação. À semelhança de todos os discos que tínhamos feito antes, o «Purple» é o que é, e soa como soa, porque foi escrito e gravado naquela altura. É um reflexo perfeito do que estávamos a passar, que foi sem dúvida o período mais complicado da nossa carreira.

Agora, olhando para trás, o que mais me surpreende é mesmo a facilidade com que fizemos a transição de uma formação para a outra. Já tivemos de passar por várias mudanças de pessoal durante o nosso percurso e não é algo que recomende a ninguém, mas o facto de termos conseguido superar todos os desafios com que fomos confrontados e, ainda por cima, sair do outro lado daquela experiência mais fortes, deixa-me muito, mesmo muito, satisfeito.”

Essa ideia do «Purple» enquanto retrato fiel de um momento específico atravessa todo o disco. Não se trata de um álbum conceptual no sentido clássico, mas existe uma coerência emocional evidente, uma linha contínua de resiliência e confronto com a vulnerabilidade. As letras abandonam qualquer tentativa de escapismo e focam-se antes em imagens de dor, reconstrução, memória e identidade, sempre filtradas pelo simbolismo visual e cromático que acompanha os BARONESS desde os primeiros lançamentos.

Com o passar da última década, o «Purple» consolidou-se como uma dos registos mais acessíveis dos BARONESS, funcionando muitas vezes como porta de entrada para novos ouvintes, sem nunca perder o respeito dos fãs de longa data. Ao mesmo tempo, revelou-se um ponto de equilíbrio raro entre ambição artística e necessidade expressiva, algo que nem sempre é fácil de alcançar após uma crise profunda.

Celebrar hoje os dez anos de «Purple» é reconhecer não apenas um álbum marcante, mas um momento em que a música serviu de ferramenta concreta de sobrevivência e continuidade. Num percurso feito de constantes transformações, este disco permanece como testemunho de que, mesmo nos períodos mais difíceis, os BARONESS souberam transformar a ruptura em criação de excelência — e seguir em frente com uma identidade mais clara e fortalecida.