BALANÇO 2012: NUNO COSTA

Há quem diga que o mais difícil não é chegar ao topo, mas sim mantermo-nos lá. É essa a sensação que muitas vezes fico em relação a várias bandas e suas sonoridades mais ou menos revolucionárias. Aliás, faz também parte desta revolução assumirem a sua própria identidade ao invés de andarem a tentar saltar de galho em galho. Os discos que escolhi para preencher a minha lista de “melhores do ano” explica-se muito por aí. Hoje em dia é muito difícil encontrarmos uma “carta fora do baralho”, até porque os ouvidos transbordam de música há muitas décadas e muitas vezes parece que já nada é possível inventar. Posto isto, é importante destacarmos aqueles que ao menos fazem tudo para manter a fasquia alta e se baseiam num certo “extremismo” ideológico para tentarem marcar uma posição.


Neste contexto, «Koloss» é um exemplo perfeito. Só o facto de os MESHUGGAH atingirem o pico da sua popularidade vinte anos depois da sua formação, explica bem o quão à frente estavam do seu tempo. De há uns bons tempos para cá tornou-se um desafio dantesco escrever um álbum dentro deste universo muito particular, mas Fredrik Thordendal e Cª mostram mais uma vez que provavelmente nunca recuperarão do “desequilíbrio” mental que os torna tão geniais.

Não menos atrás estão os NILE. É verdade que fazer bom death metal não implica necessariamente tocar à velocidade da luz ou debitar um número absurdo de notas. Porém, não há mesmo quem toque daquela forma e consiga ainda criar um conceito tão convincente. O gás parece que não lhes acaba e é sempre viciante ser espancado de tempos a tempos com um disco de (mais uns) extraterrestres disfarçados de músicos.

Com os GOJIRA também não encontramos muitos paralelos com a realidade comum. Já tinham percebido que estavam a cavar o seu próprio “túmulo” onde enterram um mundo cheio de encantos mórbidos e inatingíveis pelos demais. São mais um caso de identidade inquestionável. É curioso constatar que, apesar dos panegíricos técnicos, a sua música é cada vez menos cerebral e mais sensorial. Com o death metal como base, ainda que já bastante desvanecido, quase arriscamos dizer que estão a entrar num plano de melancolia sinistra que os torna numa experiência auditiva singular.

E como se efectiva o regresso em força do rock e doom clássicos, onde já muitos (demasiados) tentam agarrar o mesmo “osso”, só alguns conseguem mesmo reportar tal herança com verdadeira classe. É quase arrepiante inalar o mofo salubre das composições dos WITCHCRAFT, onde Tony Iommi parece ter aparecido noutro projecto sem aviso. E como seria sempre de aplaudir, a banda não se cinge ao óbvio, mostrando alguma audácia no campo do rock progressivo. Parece despontar aqui uma brilhante carreira.

Ora se com o thrash já praticamente tudo foi definido (e até porque é essa rigidez de ideias que o torna um género tão simpático), apresentar o vigor dos TESTAMENT e KREATOR ao fim de 30 anos de carreira é algo que não está ao alcance de qualquer um. Apesar das relativas metamorfoses dos Kreator, conseguem demarcar-se cada vez mais dos restantes com a dissimulação de elementos nórdicos na sua sonoridade. Com os Testament é a capacidade inata de jorrar por todos os cantos grandes malhas, e sempre com a mesma pica, que os faz essenciais na história do thrash.

Como género de horizontes bem largos, também sempre foi delicioso constatar no metal a capacidade de se harmonizar com linguagens tão distintas como o jazz. É verdade que fusões como a que os T.R.A.M. nos apresentam, ainda mais em formato instrumental, servem muitas vezes apenas para os nerds das guitarras, dos baixos e das baterias (atenção que aqui também há muito saxofone). Todavia, quando o desafio é colocado por membros dos Animals As Leaders, The Mars Volta e (aqui mais surpreendentemente) Suicidal Tendencies, temos assegurado um nível de qualidade superior.

Do mesmo espírito bebem os DIABLO SWING ORCHESTRA. Mais uma vez a grande virtude da sua música está na capacidade fazerem comungarem na perfeição variadíssimos géneros musicais (quase em exagero, muitos poderão dizer). A avidez pela experimentação e por quebrar barreiras é cada vez mais de louvar e para estes suecos nada parece ter limites. Agora até com guitarras afinadas bem em baixo e blastbeats é caso para temer cada vez mais este cocktail de rock, metal, salsa, funk, música clássica… and so on.

2012 assiste à união efectiva de duas das personalidades mais respeitadas da música progressiva – Mikael Akerfeldt e Steven Wilson. De antemão, estes STORM CORROSION podiam ser vistos apenas como manobra de charme, mas dissipa-se facilmente essa ideia perante a insubmissão da sua música. Orquestral, esotérico, cinemático, Tim Burtonesco… talvez sejam as palavras mais acertadas para definir o que se passa nesta estreia homónima. Os dois músicos bem avisaram que não iam seguir o caminho mais fácil, pois ainda que muito ambiental e suave, esta não é música para se ouvir enquanto se limpa a casa. Suga-nos a atenção, muitas vezes (a maior parte delas) para nos intrigar (obrigatório ver o videoclip de «Drag Ropes»).

E voltando um pouco à questão do manter a personalidade, é verdade que «Dead End Kings» quase surge como uma segunda parte de «Night Is The New Day», mas é complicado renunciar à sensibilidade e beleza da música dos KATATONIA. Se um «Night Is The New Day» seria difícil de imaginar, imaginem o que são dois com a mesma amplitude. Mais uma colecção fantástica de gothic metal progressivo.

Passando agora para o plano doméstico, apraz-me dizer que já é um habitué a quantidade e qualidade dos lançamentos nacionais. Ainda que possa não chegar para constituirmos uma referência mundial, Portugal continua a construir nomes capazes de impressionar, sem fronteiras, pela personalidade e talento.


Sendo que os THE FIRSTBORN nunca se preocuparam muito com o estrelato, talvez seja por isso que a sua música se tornou tão especial. «Lions Among Men» é mais um passo em frente na demanda por cultivarem uma sonoridade tão apaixonante quanto difícil de entender. Densa, cerebral e até visionária, empurra cada vez mais o grupo lisboeta para as malhas de uma cena pluridimensional que deve servir de referência a todos.

E o ano transacto fica marcado pela aparição dos COLOSSO, assim como surgidos do nada. Max Tomé é sobejamente reconhecido pela sua participação nos Holocausto Canibal, mas certamente que a maioria não esperava vê-lo a assumir as rédeas de um projecto tão poderoso e viciante. Exclusivamente da sua cabecinha saem malhas de death metal com espasmos progressivos que focam uma composição na lógica das partes para um todo coeso. Sem tecnicismos exacerbados, o groove que emana e a cumplicidade entre cada tema fazem de «Abrasive Peace» uma autêntica pérola.

O cenário post-rock dissemina um pouco por todo o mundo. Como tal também devidamente importado, os KATABATIC surgem em destaque num rol já ocupado pelos sumptuosos Riding Pânico, Catacombe ou The Allstar Project”. A estreia «Heavy Water» pode até nem surpreender os mais calejados, mas demonstra enorme talento logo à nascença. Excelente capacidade para conduzirem um disco com dinâmica e temperamentos diversos – na sempre complicada tarefa que é exprimir sentimentos sem voz. Pode estar aqui apenas a ponta do “icebergue”.

Da banda mais aclamada e ao mesmo tempo mais odiada pelos portugueses, surge «Alpha Noir/Omega White». Sim, o facto de os MOONSPELL já terem atingido o que atingiram não lhes deve permitir descanso (e é esta a pressão que muitos lhes tentam impor) e fora algumas invejas e de este estar muito longe de ser o seu melhor registo, os “lobos” lusitanos continuam a marcar pontos pela longevidade criativa (e desta vez numa bipolarização idiossincrática interessante).

A fechar esta penosa e angustiante tarefa de escolher os “melhores”, decidi atribuir destaque ao regresso dos HOLOCAUSTO CANIBAL, até porque já muitos sentiam saudades da sua perversão mutiladora. Seis anos depois há «Gorefilia» e uma banda claramente marcada pela mudança dos tempos, pelo menos interna. A violência continua toda lá, mas desta feita muito mais moderna, o que não belisca a fúria sanguinária deste disco.

INTERNACIONAIS
1. Meshuggah – «Koloss»
2. Nile – «At The Gates Of Sethu»
3. Gojira – «L’Enfant Sauvage»
4. Witchcraft – «Legend»
5. Testament – «Dark Roots Of Earth»
6. T.R.A.M. – «Lingua Franca»
7. Diablo Swing Orchestra – «Pandora’s Piñata»
8. Kreator – «Phantom Antichrist»
9. Storm Corrosion – «Storm Corrosion»
10. Katatonia – «Dead End King»

NACIONAIS
1. The Firstborn – «Lions Among Men»
2. Colosso – «Abrasive Peace»
3. Katabatic – «Heavy Water»
4. Moonspell – «Alpha Noir/Omega White»
5. Holocausto Canibal – «Gorefilia»

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