A estreia dos AVKRVST em Portugal acontece hoje, Domingo, 21 de Junho, no Comendatio Music Fest e marca o início de um novo capítulo na história intimista e progressiva de uma das propostas mais singulares da Noruega contemporânea.
A história dos AVKRVST não é feita de acasos. É feita de promessas. De pactos de infância selados entre amigos inseparáveis. De silêncios partilhados em florestas norueguesas. De uma ligação quase telepática entre dois músicos que cresceram em mundos paralelos, mas profundamente entrelaçados. “O Simon e eu fomos melhores amigos desde que nascemos. E sempre falámos sobre começar uma banda quando fôssemos mais velhos”, conta Martin com simplicidade.
O que poderia parecer apenas um sonho de miúdos tornou-se realidade anos depois, com a criação dos AVKRVST, um projecto que — como os próprios sublinham — é para a vida. “Esta banda é como… Acho que vamos tocar nela até morrermos. Porque é o nosso bebé. Não estamos a apressar nada. Estamos só a fazer a música que realmente queremos fazer. E é isso que vamos continuar a fazer nos próximos 40 anos”, explicam.
Esta visão de longo prazo, profundamente ancorada numa amizade de décadas e numa abordagem sem compromissos, é o que dá aos AVKRVST uma identidade tão própria dentro do universo do progressivo. A cumplicidade entre os dois fundadores da banda é evidente ao longo de toda a entrevista. Conhecem-se desde bebés, partilharam férias em família, longas viagens, ensaios dos pais (também músicos), e uma adolescência passada entre guitarras, discos e sonhos. No entanto, a primeira colaboração musical séria só aconteceu muitos anos depois.
“Dos seis aos onze tocávamos juntos. Depois disso, cada um seguiu o seu caminho. Eu tocava numa cena, o Martin noutra. Mantivemo-nos em contacto, fomos sempre melhores amigos, mas não tínhamos como tocar juntos”, explica Simon. Só por volta dos 27 anos é que a semente plantada na infância começou então a germinar com mais força. O momento da decisão surgiu, como tantas vezes acontece, de uma forma até aparentemente banal: durante uma estadia numa cabana.
“Estávamos numa das nossas cabanas e começámos a falar sobre como talvez aquele fosse o momento. Uns anos atrás. Pegámos no calendário e começámos a escrever música.”, recordam Do impulso nasceram os AVKRVST e o seu primeiro álbum, «The Approbation», um trabalho que chamou de imediato a atenção pela sua maturidade e sensibilidade emocional. Agora, com o segundo LP, intitulado «Waiting At The Sky», acabado de editar, a banda confirma que não foi um acaso: “As reacções tem sido óptimas. Várias críticas com 9 em 10 ou 10 em 10. E bem escritas. Parece que a maioria dos jornalistas se interessa pela história, e isso é fixe.”
Ao tentarem descrever o som dos AVKRVST, os próprios membros hesitam em encaixá-lo num rótulo rígido. “Costumo dizer que é prog rock ou prog metal com alguma influência pop. Mas não tentamos fazer música progressiva de propósito”, admite Simon. Segundo ele, a música que fazem nasce de forma muito natural, alimentada por um leque de referências que vai dos Opeth, Porcupine Tree ou King Crimson até aos Mew, uma banda pop dinamarquesa. “Crescemos a ouvir todas essas bandas. Os nossos pais tinham uma banda prog. Ouvíamos tudo isso em casa. Era o que havia nos céus”, diz, com humor.
Há nuances, no entanto. Martin escuta mais neoprog, rock clássico e bandas como Deep Purple ou Iron Maiden, enquanto Simon confessa uma ligação mais intensa ao black metal. “Sempre procurei algo mais negro, mais difícil, mais brutal.”, diz-nos. Essa dualidade está na base do som da banda, que oscila entre paisagens densas e melancólicas e momentos de introspeção quase etérea. “É uma coisa semelhante a yin-yang”, explicam. “Nós não falamos muito quando escrevemos, mas sabemos quando algo funciona para os dois. Lemos a mente um do outro.”
A música dos AVKRVST é feita tanto de notas como de silêncios, e o espaço onde é criada desempenha um papel fundamental na sua estética. “Gravámos os dois LPs numa antiga casa da família, cercada por montanhase florestas. Muito longe da civilização. No Inverno, é escuro, frio e completamente silencioso. Só se ouve o barulho do comboio — e isso é mesmo só por causa dos alces, que precisam de se mover pelas linhas”, descrevem com um sorriso.
Esse isolamento, que noutro contexto poderia ser visto como um obstáculo, é aqui uma fonte de inspiração. “O cheiro, a escuridão, o silêncio. Isso tudo entra na música. Crescemos com isso, está no nosso ADN. E sim, talvez venha daí a melancolia que muitos descrevem nos nossos álbuns.”
Apesar da sua sonoridade rica, os AVKRVST procuram manter uma filosofia prática no estúdio. Gravaram a maioria dos temas com apenas duas guitarras, baixo, bateria e vozes. “Não empilhamos mil camadas. O que está no disco pode ser tocado por nós em palco. E isso é importante.”, esclarecem-nos. Ainda assim, os dois músicos admitem que nem sempre pensam no formato ao vivo quando estão a compor. “Às vezes chego aos ensaios e penso: ‘Não consigo tocar isto e cantar ao mesmo tempo. Porque é que escrevi isto assim?’”, ri-se Simon.
Este fim de semana, a actuação dos AVKRVST no Comendatio Music Fest será a sua primeira em solo português. A banda admite que não conhecia o festival antes do convite, mas ficaram impressionados com o historial do evento. “Vimos que tocaram lá bandas como os Leprous, várias vezes. Parece muito bom. Estamos entusiasmados.” Mesmo sem promessas grandiosas, o grupo garante entrega total. “Vamos tocar temas dos dois discos. Vamos, claro, tentar fazer as músicas ganharem vida em palco. Temos um excelente engenheiro de som connosco. Vamos tocar bem alto. Vai ser emocionante — para nós e, esperamos, para o público também.
Verdade seja dita, se há algo que distingue os AVKRVST no panorama atual do metal progressivo é a sua abordagem descomplicada e emocionalmente honesta. Recusam correr atrás de tendências. Não fazem música para playlists, nem seguem estratégias de marketing viral. “Queremos apenas estar juntos, fazer música e ver o que acontece. Sem pressões. Sem planos artificiais”, afiançam. Esse compromisso com a autenticidade — musical, emocional e estética — pode muito bem ser o segredo da sua força.
Num mundo saturado de ruído e rapidez, os AVKRVST oferecem silêncio, profundidade e tempo. Tempo para criar, para escutar, para construir algo que dure. Ou, como eles próprios dizem, “algo que possamos fazer até morrer”. E talvez, num palco algures no Paço da Comenda, em Tomar, rodeados de um público curioso e atento, esse tempo comece agora. Bilhetes e mais informações úteis disponíveis através do site oficial do Comendatio Music Fest.

