São já onze anos sem JOÃO RIBAS, o ícone maior do punk rock nacional. Aqui fica uma das últimas entrevistas realizadas com o músico lisboeta.
JOÃO RIBAS, só João ou só Ribas para os mais próximos, uma figura incontornável na música portuguesa. Apesar de lhe ser atribuído o estatuto de ícone do punk rock nacional, fez sempre questão de rejeitar esse epíteto, pois considerava ser “apenas um de nós”, com presença assídua e constante em concertos pelo país fora, e não apenas quando ia tocar. Um exemplo de resiliência, tenacidade, trabalho, humildade e simpatia que marcou indelevelmente parte muito significativa das últimas gerações de punks em Portugal.
Em homenagem à sua memória e obra, a LOUD! recorda um dos momentos mais marcantes da carreira do músico, com «Censurados» a escrever um capítulo muito especial do nosso Quadro de Honra, e que hoje recuperamos.
Ainda te lembras bem do início? Foi uma boa altura desta tua vida com bandas?
Ribas: Foi. É mesmo capaz de ter sido a mais importante. Foi o maior degrau que subi na minha carreira, se calhar, até hoje. Estava nos Ku de Judas que nunca chegaram a gravar, depois fui para a Alemanha e, quando voltei, vinha com ideias diferentes de como fazer as coisas. Comecei por falar com o Ampola dos Crise Total, fizemos umas músicas e falaram-me do Samuel que também parava aqui no Jardim dos Coruchéus.
Ele aceitou logo e, nessa fase inicial, o guitarrista era o Tiago. Aí, começámos a ensaiar, praticamente todos os dias, na casa da minha mãe e, de um dia para o outro, virámos músicos. Em vez de estarmos no jardim a beber bejecas, íamos para o meu quarto beber as bejecas e tocávamos. [risos]
Olhando hoje para os três discos, é do «Censurados» que continuas a gostar mais?
Ribas: É aquele pelo qual tenho mais carinho. Antes de mais, foi o meu primeiro disco. É aquele que tem mais de mim, já que comecei por fazer as músicas. Com a entrada do Orlando e do Fred, o trabalho passou a ser feito de outra forma e o «Confusão» já traz outros elementos e revela mais trabalho. O «Sopa» foi um bocado uma desilusão, mesmo a nível de produção. Não o teria feito daquela forma, se fosse hoje.
Esse álbum é um pouco diferente, fomos procurar outras coisas, o que eu acho bom, para não estarmos sempre a fazer o mesmo. São muitas horas que estão ali, penso que há um grande trabalho dos músicos em si, mas foi quando percebemos que as ondas musicais de cada um estavam a ficar bem diferentes.
Dessa altura inicial, de que histórias marcantes ainda te lembras? Aqueles episódios próprios de uma banda a emergir e que ainda te suscitam um sorriso hoje.
Ribas: Há bastantes. Lembro-me da primeira vez que fomos a França, fomos de carrinha ao festival Printemps de Bourges, depois tocámos em Paris numa segunda-feira e viajámos directos para Lisboa, onde tocámos numa quarta-feira. A dormir na carrinha, todos rotos, chegámos mesmo a tempo do soundcheck. Fazia anos nesse dia e demos um grande concerto!
Aquilo estava cheio, esquecemos o cansaço e foi uma cena memorável. A minha mãe foi de Mini com a mãe do Fred, lembro-me de as ver com dois seguranças ao lado e elas – “nós não precisamos!” [risos]
E a história do «Não», quando a tocaram pela primeira vez num concerto no Rock Rendez- Vous. Consta que a letra nasceu aí mesmo, espontânea.
Ribas: Foi ali mesmo, no palco. A música não tinha letra, só dizia “não”… tipo, tá-ne-ná-ná-não!, tá-ne-ná-ná-não! A música tinha a estrutura feita, mas lembro-me de perguntar ao Orlando se a íamos mesmo tocar… E ele: “claro!”, e eu respondo “epá, mas isso não tem letra,” e ele: “desenrasca-te!” E eu calei-me. ‘Bora lá.
Foi a partir do que ouvi gravado no concerto do RRV que fiz a letra do «Não». Coisas como “não consigo compreender o que é que eu ando p’rá aqui a fazer” saíram-me no momento. Há para lá coisas que não aproveitei como palavras tipo feisy, palavras que não existem… mas estava afinadinho e seguiu.
É incrível como muitas destas letras se mantêm hoje actuais, desde a «Angústia» aos «Srs. Políticos». No caso do «Animais», por exemplo, ainda sentes que “toda a gente olha p’ra mim, parece que me querem comer?”…
Ribas: Já não olham tanto. [risos] Mas ainda olham. Assim sempre desconfiados; este povo é muito desconfiado. Já reparei que, se estiver de pijama – num hospital, por exemplo – a pessoa está a falar comigo, está tudo bem. Quando me começo a vestir, a reacção muda. Depois a pessoa vê-me a espetar o cabelo, a pôr-me todo de preto e ficam naquela – “mas quem é este gajo?!” Há quem veja duas pessoas diferentes ali.
Na altura dos «Animais» era mesmo a onda de punkalhada e tal… Quem usava moicano era o có-co-ro-có-có, claro que o pessoal nem ligava, estávamo-nos bem era a cagar para isso. Era tipo – quero é que te vás foder, eu ando como eu quiser. É um dos temas do álbum, sem dúvida. Mas também o é, por exemplo, a «Guerra Colonial». Há refróes que me tocam particularmente, de todas as cenas que já
gravei. Essa é uma das malhas que me dá uma sensação, pura e simplesmente, espectacular. Quando começo a cantar aquele refrão, arrepio-me sempre. Assim como no caso dos Tara Perdida, o «Pernas Pr’ó Ar» [NR: começa a cantar a música] – oh, estou-me a arrepiar agora, é genuíno!
Sempre foi algo importante na construção das tuas músicas, logo nestes temas do «Censurados», ter ali uma melodia marcante e chamativa?
Ribas: Sim, sim. Eu sempre gostei muito de punk rock cru, mas também sempre gostei das vozes a puxar mais para o melódico. Sempre ouvi GBH, Discharge, The Exploited, mas também bandas como Buzzcocks ou os Dickies, que são cenas punk, mas em que há outras harmonias na voz. Já em Ku de Judas, apesar de as músicas serem rápidas, eu puxava muito por essa melodia. Depois, nos Censurados, claro, os refrões eram essenciais. É o que bate mais.
Por todas essas razões, achas que o álbum envelheceu bem até aos dias de hoje?
Ribas: Eu sou um bocado suspeito para avaliar isso, mas acho que sim. E a prova é que esse disco ainda se vende e marcou a vida de muita gente. Às vezes lembro-me de histórias que as pessoas me contam em torno do álbum, das letras que continuam intemporais, etc. Uma vez tive uma conversa com um rapaz que me reconheceu num café. Ele estava de fato e gravata, dia de trabalho e tal, vira-se para mim e diz-me – “Vocês mudaram a minha maneira de estar na vida e de ver as coisas. Vocês abriram-me os olhos.”


CENSURADOS 1990
João Ribas – Voz/Guitarra
Orlando Cohen – Guitarra
Fred Valsassina – Baixo
Samuel Palitos – Bateria
Gravado nos estúdios Tcha Tcha Tcha (Portugal)
Produção e Misturas: (Carlos Jorge) Cajó
Edição: El Tatu