No dia em que o «A Tales From The Thousand Lakes», dos AMORPHIS, celebra o seu 30.º aniversário, Esa Holopainen lembra o processo de composição de um dos mais emblemáticos títulos da época dourada do underground europeu e a desastrosa estreia da banda em Portugal.
A dar cartas, primeiro a nível underground e – poucos anos depois da formação da banda em 1990 – em massa, os AMORPHIS são um dos nomes incontornáveis do boom do metal europeu de uma das décadas mais profícuas no que à música de peso diz respeito. Hoje uma das “potências” com mais força no que toca à produção de heavy metal em todas as suas vertentes, as coisas nem sempre foram assim na Finlândia.
No entanto, antes dos NIGHTWISH, CHILDREN OF BODOM e HIM, já os AMORPHIS estavam presentes na mente dos apreciadores do death metal não alinhado com os clichés da altura. Ao longo de uma carreira que já passou a marca das três décadas, os músicos de Helsínquia conseguiram conquistar o seu lugar de destaque no panteão do som de peso e foram essenciais na tarefa de levar ao mundo o metal finlandês graças, sobretudo, ao seu segundo disco, «Tales From The Thousand Lakes».
Editado a 12 de Julho desse ano pela, o incontornável registo de 1992 funcionou como uma proverbial lufada de ar fresco no panorama da altura, transformando-se depois num dos títulos mais marcantes da música extrema produzida nos anos 90. Três décadas depois, agora em modo retrospectivo, Esa Holopainen, o guitarrista dos AMORPHIS, recorda o processo de composição e gravação do álbum, assim como a desastrosa estreia da banda finlandesa em Portugal.
Que expectativas tinham enquanto estavam a gravar o «Tales From The Thousand Lakes» em Setembro de 1993?
Nenhumas! [risos] O «The Karelian Isthmus» era puro death metal com influências suecas e, na altura em que foi lançado, o género já estava um bocado saturado, por isso não conseguimos atingir nada de significativo com esse álbum – nem sequer tocar fora da Finlândia. Quando fomos para o estúdio gravar o «Tales From The Thousand Lakes» não tínhamos expectativas nenhumas, estávamos apenas felizes por termos oportunidade de gravar um segundo álbum depois do falhanço do primeiro.
Quando perceberam que o material que tinham em mãos era, de facto, especial?
Por incrível que possa parecer, isso nunca nos passou pela cabeça enquanto estivemos no estúdio. Só depois de já termos entregue as masters, quando o pessoal da Relapse nos disse que adorava o que tínhamos feito e nos começaram a chegar as primeiras críticas, que eram positivas de forma unânime, é que percebemos que, se calhar, tínhamos feito algo que podia dar que falar.
O sucesso do álbum em termos de vendas e as reacções aos primeiros concertos que demos após o lançamento, especialmente fora da Finlândia, apanharam-nos de surpresa. Nunca imaginámos sequer, nem nos nossos sonhos mais loucos, que algo do género poderia acontecer aos Amorphis.
Estavam a fazer algo muito inovador e totalmente diferente do que se fazia na altura, por isso é incrível que, nem por um momento, tenham achado que o disco ia ser bem sucedido.
À semelhança do primeiro álbum, também gravámos o «Tales From The Thousand Lakes» nos famosos Sunlight Studios e, durante as captações, o Tomas Skogsberg [NR: famoso produtor responsável por muito dos clássicos do metal sueco dos 90s] estava muito preocupado com o facto de já não soarmos tipicamente death metal e estarmos a explorar todos aqueles elementos diferentes.
Lembro-me que nos perguntou inclusivamente se a Relapse estava a par do que estávamos a fazer… [risos] Achava que iam odiar quando ouvissem o resultado final! Nesse momento começámos a duvidar de nós próprios. Esse foi o tipo de reacções que ouvimos durante a gravação, por isso… Não sabíamos o que esperar.
O que inspirou essa mudança drástica no vosso som?
Quando o «The Karelian Isthmus» foi editado, no final de 1992, já não estávamos tão interessados em ouvir death metal e, inevitavelmente, os nossos gostos acabaram por ir-se diversificando. Lembro-me que andávamos a ouvir muita música dos anos 70. Black Sabbath e Pink Floyd, mas também uma série de grupos obscuros finlandeses, que faziam música muito estranha nos anos 60.
A forma como esses músicos misturavam elementos díspares, sem estarem muito preocupados com o resultado, atraiu-nos imenso. Adoptámos então uma abordagem semelhante aos nossos temas e o facto de, a certa altura, termos começado a tocar com um teclista também foi crucial.
Nós queríamos experimentar sons novos e, a esse nível, o Kasper desempenhou um papel essencial; termos alguém a tocar teclas permitiu-nos explorar outros tipos de melodias e harmonias a nível das guitarras. A partir daí, a nossa atitude face à música mudou. E deixámos de ter medo de experimentar fosse o que fosse.
Até fizeram uma curiosa versão da «Light My Fire», dos The Doors.
Que não vamos tocar em Vagos! [risos] Seria divertido, mas não. A cover tem uma história engraçada. Não tínhamos planos para gravá-la quando fomos para estúdio, mas os tipos da Relapse ligaram-nos a perguntar se queríamos participar num disco de homenagem aos The Doors e nós aceitámos.
Foi uma questão de ensaiarmos e gravarmos o tema, mas não pensámos muito nisso. Eventualmente o “tributo” nunca foi editado, acho que houve problemas com autorizações… E percebo porquê, basta imaginar algumas bandas que eles tinham no catálogo na altura, como os Brutal Truth, a fazer versões dos The Doors. Pura e simplesmente, não fazia sentido.
Como olhas para o álbum duas décadas depois? Sentes que ainda faz sentido e, ainda mais importante, que envelheceu bem durante os últimos vinte anos?
A produção remete-nos imediatamente para a década de 90, o que é, simultaneamente, bom e mau. Por um lado é óbvio que soa um bocado datada, mas por outro é isso mesmo que torna o disco muito especial – é, de certa forma, um reflexo fiel da época em que foi captado.
Os álbuns gravados naquela altura têm todos um som bastante específico e, se alguém puser um tema a tocar num bar ou num sítio do género, percebe-se logo que foi gravado nos anos 90. Apesar disso, para nós continua a ser um lançamento muito importante…
Foi no «Tales From The Thousand Lakes» que deixámos de ser apenas mais uma banda de death metal e começámos a explorar um som mais arrojado. Foi, sem dúvida, o álbum que nos fez ver que era possível termos um futuro a fazer música e que mais nos abriu portas. Vendemos imensas cópias e isso permitiu-nos começarmos a fazer digressões mais frequentes e tocar pelo mundo fora. Ainda hoje, continua a ser o álbum mais importante da carreira dos Amorphis.
O vosso concerto na Incrível Almadense durante a digressão de promoção ao «Tales From The Thousand Lakes», por exemplo, é lendário por todas as razões erradas.
Não precisas de me recordar, a sério. [risos] Muito provavelmente, se tivéssemos continuado a ser a banda que éramos naquela altura, não estaríamos a ter esta conversa agora.
O que se passou, de facto? Ainda te lembras?
O que se passou foi que, muito por culpa do promotor, já estávamos totalmente embriagados quando o concerto começou. Levaram-nos a jantar, havia álcool e, como bons miúdos que éramos, bebemos tudo o que nos puseram à frente.
É sabido que os finlandeses gostam de beber e não somos uma excepção a essa regra, mas na altura ainda não tínhamos noção de que tínhamos de nos controlar antes de tocar – estávamos todos na casa dos 20 anos e éramos inexperientes. Para agravar, tínhamos começado a fazer digressões há pouco tempo e ainda estávamos totalmente maravilhados com as possibilidades etílicas da vida na estrada. [risos] Subimos ao palco e foi uma vergonha…
Lembro-me que o teclista da altura, o Kasper Mårtenson, saiu do palco a meio da actuação e estava tão bêbado que desmaiou nos bastidores. Até aí, tinha passado o tempo todo a gritar para o nosso baterista – “C’mon man, let me play drums! LET ME PLAY DRUMS!!!”. [risos] Foi muito mau… Embaraçoso.
Este texto foi publicado originalmente na LOUD! #173, de Agosto de 2015.