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AMORPHIS: Novo álbum, «Borderland», para ouvir na íntegra [review + streaming]

Na novidade «Borderland», os AMORPHIS atravessam novos territórios musicais e reafirmam o seu estatuto como guardiões do metal finlandês.

Há bandas que se reinventam em ciclos regulares, outras que procuram constantemente subverter as expectativas, e depois existem aquelas que encontram a fórmula perfeita e a vão refinando ao longo das décadas, sem nunca caírem na repetição estéril. Os AMORPHIS pertencem a este último grupo. Trinta anos depois de se afirmarem como guardiões da tradição finlandesa no metal progressivo, continuam a somar capítulos que, mais do que prolongar uma história já vasta, a enriquecem de forma consistente. «Borderland», o sucessor de «Halo», surge como mais um triunfo dessa caminhada.

Se «Halo» já tinha revelado uma confiança renovada, apontando para um ciclo criativo em plena força, «Borderland» confirma essa tendência ao apostar numa abordagem mais directa e melódica. Não é uma revolução, mas sim uma afinação subtil de elementos que já são marca registada dos AMORPHIS: riffs densos, melodias luminosas, contrastes vocais entre a agressividade gutural e a limpidez do registo limpo de Tomi Joutsen.

A diferença está em como os AMORPHIS decidiram simplificar algumas estruturas e apostar na clareza das canções, sem perderem a profundidade emocional ou o toque progressivo que sempre os distinguiu. O arranque com «The Circle» deixa logo claro que estamos perante AMORPHIS no seu território mais clássico. As guitarras atmosféricas, apoiadas por efeitos de delay, sustentam um refrão expansivo que parece destinado a ecoar em arenas e festivais.

Logo depois, «Bones» remete para a energia exótica de «Death Of A King» (do álbum «Under The Red Cloud», de 2015), recuperando a fusão entre escalas orientais e peso metálico, pontuada por momentos instrumentais que piscam o olho ao progressivo sem perder a coesão. Em 2025, Tomi Joutsen celebra duas décadas como vocalista dos AMORPHIS, e a sua presença em «Borderland» é talvez uma das mais marcantes da sua carreira.

A alternância entre os rugidos graves e a limpidez melódica atinge novos patamares, especialmente em temas como «The Strange», onde a estrutura intrincada da composição ganha vida por meio de uma interpretação carregada de emoção. Ainda assim, e apesar de manterem a sua identidade, os finlandeses não deixam de explorar novos terrenos.

«Dancing Shadow» surpreende ao adoptar um pulso quase dançável, próximo de um groove festivo que, não fosse o contexto, até poderia remeter para a energia de uma pista de dança. É uma faixa luminosa, que transpira positividade e se imagina facilmente cantada em uníssono perante uma plateia de festival de Verão. Noutra direção, «Fog To Fog» exibe a faceta melancólica dos AMORPHIS, com melodias arrastadas que evocam paisagens desoladas, antes de cederem lugar à estranheza encantatória de «The Strange», onde cada mudança harmónica funciona como um pequeno sobressalto emocional.

A produção de Jacob Hansen garante que o disco soe imenso quando precisa de soar épico, mas não sufoca os detalhes mais intimistas. Em «Borderland», as canções têm espaço para respirar. Há espaço para cada instrumento, cada camada de teclado ou guitarra, e isso amplifica a sensação de proximidade com a banda, mesmo em momentos mais grandiosos.

Aliás, um dos aspetos mais fascinantes deste álbum é a temática implícita: o equilíbrio entre a sabedoria ancestral e as pressões do mundo contemporâneo. «Tempest», com o seu casamento entre delicadeza folk e robustez metálica, simboliza essa tensão entre o passado e o presente. Já «Light And Shadow» oferece-se como um hino à experiência humana, uma celebração da própria condição de existir; «The Lantern» mergulha em terrenos progressivos mais ousados, com direito a solos de teclado psicadélicos e ritmos assimétricos que desafiam a linearidade.

A faixa-título, «Borderland», assume o papel de síntese conceptual, movendo-se entre riffs e ganchos melódicos com uma fluidez quase narrativa. É uma peça que parece contar uma história sem necessidade de palavras adicionais, conduzindo o ouvinte por crescendos imponentes que evocam a grandiosidade de mitos antigos.

E quando chega «Despair», o tema final, percebe-se que a viagem foi cuidadosamente desenhada: todos os elementos explorados ao longo do LP convergem numa peça final que mistura romance, intensidade e mistério, como se os AMORPHIS nos deixassem numa praia enevoada ao amanhecer, de onde apenas se adivinha o que está para lá da linha do horizonte.

No final, a questão que paira é a mesma de há anos: como é que uma banda com tamanha consistência, criatividade e impacto nunca atingiu o estatuto gigantesco de outras formações do metal europeu? Talvez a resposta resida precisamente nessa discrição com que os AMORPHIS têm percorrido o seu caminho. Sem escândalos mediáticos, sem mudanças radicais de identidade, apenas discos sucessivos de elevada qualidade que consolidam uma obra ímpar.

«Borderland» não mudará radicalmente essa perceção externa, mas reforça o que os fãs e conhecedores já sabem: os AMORPHIS continuam a ser mestres absolutos de um domínio só deles, onde folclore e progressivo se cruzam com peso metálico e emoção genuína. É mais uma peça que se junta a um dos catálogos mais impressionantes do heavy metal contemporâneo, e uma prova de que a sua chama criativa continua a arder com vigor.