AIRBOURNE

AIRBOURNE + ASOMVEL @ Cineteatro Capitólio, Lisboa | 14.02.2025 [reportagem]

AIRBOURNE e ASOMVEL fizeram tremer Lisboa no Dia de São Valentim —  e deram tudo por amor ao rock’n’roll.

Numa era de constantes mudanças na indústria musical, onde as tendências parecem desvanecer-se tão rapidamente quanto surgem, há algo de intemporal no poder do rock’n’roll. Apesar das transformações digitais, das novas formas de consumo de música e da crescente popularidade de géneros mais comerciais, algumas bandas continuam a provar que o espírito rebelde e cru do rock permanece vivo e a pulsar nos palcos de todo o mundo.

Dúvidas restassem, em plena noite de São Valentim, o Cineteatro Capitólio, em Lisboa, foi cenário de um proverbial furacão de amor pelo rock e pelo heavy metal. Com alinhamentos explosivos, ASOMVEL e AIRBOURNE conquistaram o público com actuações arrebatadoras, celebrando o amor ao som eterno e à energia – sem paninhos quentes.

Pontualmente, os ASOMVEL, com quem conversámos antes do concerto, subiram ao palco com a garra de quem carrega décadas de história e resiliência às costas. Criada há cerca de duas décadas numa quinta em Harrogate, no Reino Unido, a banda enfrentou inúmeras mudanças de formação e, em 2010, a trágica morte de Jay Jay Winter, o carismático vocalista e baixista. No entanto, Lenny Robinson, o guitarrista fundador, à esquerda para quem estava virado para o palco no Capitólio, recusou-se a deixar o grupo definhar. Com uma nova formação, lançou o venenoso «Knuckle Duster», em 2013, mantendo muito viva a essência crua e agressiva que sempre definiu a banda.

Quando olhamos para eles em palco, a influência de nomes como os TANK, VENOM e, sobretudo, os MOTÖRHEAD é inegável. Comparações com os gigantes do metal podem parecer ambiciosas, mas, no caso dos ASOMVEL, parecem merecidas. Em Lisboa, o quarteto do Yorkshire provou que o seu metal’n’roll não é apenas uma homenagem; é uma continuação fiel da fúria e velocidade que definiram o género em primeira instância. No baixo e na voz, o jovem Ralph Robinson, com pouco mais de 20 anos, encarnou o espírito de Lemmy Kilmister com uma presença intensa e inegável carisma.

E sim, as semelhanças foram além das impressionantes patilhas à anos 70. A voz rouca, o baixo bem vigoroso e a atitude muito rock’n’roll (“We are ASOMVEL!!! A dream to some… A nightmare to others”, proferiu ele muito sério logo entre o primeiro e o segundo temas) guiaram toda a banda através de um turbilhão de riffs marcados e poderosos, que apelaram ao headbanging, semprecom o ritmo feroz da bateria como fio condutor. Dizer que, desde o momento em que subiram ao palco dispararam um ataque sonoro sem tréguas, é só apelido; e muito por causa do alinhamento, um desfile de hinos metálicos, a que nenhum fã deste tipo de coisa poderá apontar defeitos.

Começando com «Louder & Louder» e passaram também por temas como «Born To Rock’N’Roll», «Beware The Full Moon», «Payback’s A Bitch» ou «Stone Cold Stare», até ao culminar explosivo com a sequência «Light ‘Em Up» e «The Nightmare Ain’t Over». Lenny Robinson, sem dúvida o mais velho dos músicos em palco, destacou-se com os seus solos de guitarra brilhantes, a lançar sorrisos para a plateia e também a distribuir palhetas a rodos, como que a provar que a paixão e a experiência não se perdem com o tempo.

Perto das 22:00, a equipa dos AIRBOURNE iniciou a preparação do palco e, numa altura em que a maioria das bandas opta por modeladores digitais ligados directamente à mesa de som, foi muito refrescante ver ali um backline completo de amplificadores e colunas a ocupar o espaço dos dois lados da bateria. Tendo em conta a idade do maioria dos presentes (e sim, também havia por ali muita malta jovem), o mais certo é que o visual clássico das velhas válvulas e dos icónicos 4×12 tenha conseguido transportar pelo menos uma pequena parte do público à era dourada do rock. Portanto, os AIRBOURNE ainda nem tinham tocado uma nota, mas ali estava o reforço da autenticidade e do compromisso desta gente com o som puro e cru.

Depois de sermos bombardeados com uma sequência de clássicos do rock e do heavy metal, que saiam com vigor do PA da sala, as luzes apagaram-se já passavam uns minutos das 22:00, e um rugido ensurdecedor ecoou pelo espaço quando os AIRBOURNE entraram em cena. Num piscar de olhos, a banda australiana lançou-se a «Ready To Rock», e ficou desde logo claro que não estavam no Capitólio para meias medidas. O ambiente, esse, sobretudo nas filas junto às grades, tornou-se electrizante num ápice e, sem grandes paragens, seguiram-se «Too Much, Too Young, Too Fast» e «Back In The Game», antes de «Burnout the Nitro» aumentar ainda um pouco mais a intensidade.

Desde o primeiro acorde, Joel O’Keefe provou porque é habitualmente descrito como um dos líderes mais carismáticos do rock contemporâneo. A ligação com o público foi imediata, com o músico a incitar constantemente coros, a garantir que cada espectador ali presente se sentisse parte do espectáculo e também a zelar pelo bem-estar dos seus fãs, tendo inclusivamente de parar um tema para pedir aos seguranças que apanhassem os crowdsurfers com mais cuidado. Fora isso, e bem vistas as coisas, ele póprio teve pouco cuidado consigo mesmo.

O mestre de cerimónias dos AIRBOURNE atirou-se como um louco de um lado para o outro do palco, sempre com a guitarra na mão, passando a escassos centímeros das cabeças dos restantes músicos ; disparou copos e latas de cerveja pelo ar, e conseguiu acertar em cheio na mesa de som para desespero do técnico. Depois, em «Girls in Black», subiu para os ombros de um roadie e, com a guitarra em punho, percorreu a plateia enquanto tocava e pulverizava cerveja pelo ar. Por esta altura, já parecia óbvio que o Capitólio provavelmente nunca tinha presenciado tal deboche de rock’n’roll. Pior, a energia nunca esmoreceu.

Com alinhamento cuidadosamente escolhido, a banda atravessou temas como «Bottom Of The Well», «Breakin’ Outta Hell», «All 4 Rock’N’Roll» e «Stand Up for Rock’N’Roll», mostrando-se em pico de forma, sempre com a intensidade no mázimo e demonstrando uma técnica impecável e um entusiasmo contagiante. Para terminar, um reforço do espírito festivo e selvagem da noite, porque o encore foi um espectáculo à parte.

A «Live It Up», que o líder dos AIRBOURNE teve de interromper para chamar a atenção dos seguranças no fosso, acabou por transformar o Capitólio num mar de vozes em uníssono, e a «Runnin’ Wild», mesmo a fechar o concerto, com um delicioso snippet da «Let There Be Rock» (de vocês sabem bem quem), encerrou a noite com uma explosão de energia.