Não há volta a dar, estamos perante uma das mais entusiasmantes junções de titãs dos últimos tempos. Os ABSENT IN BODY começaram como uma colaboração entre Mathieu Vandekerckhove dos Amenra e o Scott Kelly dos Neurosis, e pelo caminho receberam os “reforços” Colin H. Van Eeckhout, também dos belgas, e, como peça final do puzzle, um baterista qualquer chamado Iggor Cavalera, que parece que já passou por umas bandas importantes. «Plague God», que já se afigura como um dos lançamentos de maior destaque de 2022, é o primeiro resultado da junção deste quarteto, e foi base de uma bela conversa com o vocalista (e aqui também baixista) Colin.
Apesar de ser agora, com o álbum, que muita gente vai ouvir falar do nome Absent In Body mesmo a sério, este projecto já conta com alguns anos de “bagagem”, não é assim?
Sem dúvida… Foi já em 2016 que o simpatico pessoal da Hypertension Records, editora aqui da Bélgica, pediu ao Mathieu para fazer um lado de um split com o Scott Kelly, para uma série de lançamentos especiais em vinil que estavam a fazer. Isso aconteceu numa altura em que andávamos na estrada com o Scott, precisamente, e lembro-me do dia, antes de um concerto em França, em que o Scott se virou para o Mathieu e lhe disse, porque é que não fazemos alguma coisa juntos, em vez de cada um fazer um lado do split a solo? O Mathieu ficou entusiasmado com a ideia, e porque eu andava sempre por ali quando eles tinham estas conversas, acabaram por me convidar para fazer algumas vozes nessa colaboração. Creio que nessa altura nem se falou na possibilidade de eu assumir também o baixo, o que acabou por acontecer mais tarde. E pronto, foi essa a fagulha inicial que deu origem ao projecto. Depois de termos gravado essa primeira peça como Absent In Body, que acabou por ser editada no lugar do split que estava previsto, todos sentimos que havia ainda muito potencial por explorar, e o Mathieu continuou a escrever algumas coisas com isso em mente. Uns dois anos depois disso, nem tanto talvez, o Scott disse-nos que também andava a gravar algumas partes de guitarra para um eventual álbum, e pronto, temos trabalhado assim, aos poucos, desde essa altura. Anos e anos de volta disto!
E como é que o Iggor entra na equação?
Já tínhamos as partes de guitarra todas gravadas, bem como os sintetizadores e a parte electrónica do Mathieu e as minhas partes de baixo, e demos connosco a pensar que seria giro ouvir como é que uma bateria acústica soaria neste material. Achámos ambos que seria algo que lhe daria uma nova dimensão, e foi aí que uma luz se acendeu na minha cabeça e me lembrei do Iggor. Tinha-me encontrado com ele algumas vezes na nossa cidade, porque temos alguns amigos em comum, nomeadamente o Dwid, dos Integrity, que também mora por ali, e até já tínhamos atirado ao ar a possibilidade de um dia experimentarmos fazer alguma coisa juntos numa conversa ou outra. Esta parecia ser uma oportunidade ideal para isso, e então falei com ele, e ele aceitou sem qualquer hesitação. Só me disse, diz-me onde preciso de estar e quando, e lá estarei! [risos]
Apesar de já estar muita coisa concluída nessa altura, a presença dele ainda serviu para alterar substancialmente a direcção do álbum?
A maior parte da direcção estava definida, realmente, o Mathieu tratou de muita coisa como o ritmo geral e a estrutura e tudo isso, mas a presença do Iggor trouxe ainda elementos que acabaram por ser decisivos. Muita “finesse”, diria. Por exemplo, nas introduções dos temas, e algumas decisões importantes como ter pedal duplo aqui ou ali, fills ocasionais a ligar secções, e tudo isto feito com um critério extraordinário, perfeito mesmo. Levou a música para outro nível. Assim que ele começou a tocar, na cabine de som do estúdio, nós estávamos sentados atrás dele no sofá enquanto ele gravava, e eu e o Mathieu olhámos um para o outro com os olhos esbugalhados, do género, “foda-se!” [risos] “Isto foi uma decisão muito boa!” E foi sempre assim, devo dizer, em todos os aspectos da gravação deste projecto. Fosse com as partes de guitarra do Scott, ou alguma parte de teclado do Mathieu, ou o meu baixo, de cada vez que adicionávamos alguma coisa parecia sempre uma peça a cair no sítio certo, nada foi forçado, foi incrível. Ainda sobre o Iggor, tenho também que dizer que foi maravilhoso tê-lo connosco a nível humano, é um tipo muito simpático, fácil de trabalhar, sem merdas, cheio de energia positiva, é fantástico tê-lo a bordo. Foi uma das gravações de estúdio mais fáceis em que já estive envolvido, desde sempre.
Comparando com a tal faixa de vinte minutos de 2016, o som do «Plague God» é muito mais cheio, muito mais “metal”, digamos assim, mais concreto. Foi um progressão natural?
Sim, acho que evoluímos assim. Esse trabalho de 2016 só marcou a direcção por onde seguir, e depois de o fazermos acho que ficámos todos com uma noção melhor de onde a nossa força podia estar, que ângulos explorar mais a fundo. Em termos de direcção musical, foi tudo bastante claro para todos nós, diria que até parece que a coisa se formou sozinha. A escolha dos tipos de voz, até a arte visual, a música apontou a direcção clara de todos estes componentes.
Poderia ter havido o problema de tentarem não soar às vossas bandas “principais”, mas dã a sensação que essa questão nem sequer se pôs para vocês. Claro que há bocados de todas elas que são audíveis, mas o todo é claramente diferente.
Sim, isto é bastante diferente. Ouve-se as influências de todos, claro que sim, mas é um espectro totalmente diferente de storytelling. Ou melhor, até diria que é a mesma história, mas contada de outro ângulo distinto. Nas nossas outras bandas, focamo-nos na esperança, ou em tentar encontrar a luz algures no meio da escuridão, mas aqui o foco está totalmente na angústia e na escuridão, sem qualquer preocupação de encontrar um rasgo de luz que seja. Os Amenra, com o tempo, evoluíram para uma espécie de rio mais calmo, e de certa forma creio que também os Neurosis, e isso é algo que acompanha o facto de ficarmos mais velhos, mas os Absent In Body são quase uma anti-reacção, uma busca para perceber se esta parte de nós ainda existia. Tentar recuperar aquela música mais antiga, mas agreste, mas “de ataque” que fazíamos ao princípio. É sem dúvida um relato do que os tempos modernos nos fizeram, também, de alguma maneira. A negatividade da existência humana de hoje em dia está mesmo à nossa frente. Há um peso acrescido nos ombros das pessoas, hoje em dia. E nós somos os sortudos, nós europeus ocidentais, sentados nas nossas banheiras douradas. Também há essa noção. Mas mesmo assim, vemos como a vida é fria e difícil para tanta gente, e isso afecta-nos. No final de contas, estamos a tentar contar essa história, a deixar que o tempo e a natureza se encarreguem de contar a história da humanidade, quase.
Houve algum momento em que achassem que alguma parte era “demasiado Amenra”, ou “demasiado Neurosis”, ou algo desse género?
Posso falar por mim e pelo Mathieu, somos grandes fãs de todas as bandas que estão envolvidas nisto, e abraçámos sem reservas tudo o que transbordou para o som do projecto. Ao mesmo tempo, claro que tivemos algum critério naquilo que propusemos, porque queríamos arranjar uma espécie de simbiose entre todos estes mundos. Quando ouves bandas que têm membros de outras bandas mais conhecidas – confesso que temos evitado o termo estúpido que é “supergrupo” – normalmente consegues perceber quando um tema foi escrito por aquele gajo, o outro foi escrito pelo outro gajo da outra banda… Aqui, gosto de pensar que isso é mais difícil de definir. Há um toque de tudo o que já fizemos ao longo do álbum, nunca quisemos esconder isso, mas acho que acabámos com um resultado final que é individual o suficiente.
Já conversaram sobre a possibilidade de tocar ao vivo, de fazer mais álbuns, e outras hipóteses de continuidade?
Lembro de, no princípio, a única coisa que dissemos é que queríamos “criar uma besta”. [risos] Foi esse o único objectivo com o qual todos concordámos. Queríamos fazer algo de que as pessoas tivessem medo. Nunca discutimos sobre se íamos conseguir fazer isto ao vivo ou não, essa conversa só veio mesmo perto do final, porque estávamos muito entusiasmados com tudo o que estávamos a ouvir. Aí sim, falámos disso, e achamos que sim, porra, era altamente fazer isto ao vivo pelo menos uma vez ou duas, largar uma bomba sonora em cima do público. Mas também percebemos rapidamente que seria difícil. Quando andávamos a escrever e a gravar o álbum, não havia expectativas nenhumas, porque ninguém sabia que estávamos a fazer isto. Mas assim que foi anunciado, as expectativas apareceram instantaneamente, e neste momento estão num ponto muito alto. Portanto, se dermos um concerto de Absent In Body, vai ter que ser algo extremamente bem feito. Temos que ensaiar, pensar a sério nas coisas, e a distância entre nós e as nossas agendas torna isso complicado. A gravação correu bem, porque foi espalhada ao longo de cinco anos e fomos fazendo quando dava, mas havendo um prazo, uma data de um concerto, aí vem a pressão, e isso era tudo o que não queríamos ter com este projecto. Não estou a dizer que nunca vamos fazer, mas se acontecer, tem que ser bem planeado. Caso surja uma oportunidade, vamos sem dúvida agarrá-la. E vai certamente haver outro álbum também. Não sei quando, nem que forma poderá ter, mas tenho a certeza que vai acontecer.
«Plague God» está disponível através da Relapse Records.