IRONMAIDEN

CRYPTA, THE ZENITH PASSAGE e ORGANECTOMY abriram caminho para uma noite dominada pelos ABORTED — e pela violência e precisão extremas.

Lisboa voltou a ser palco de uma verdadeira celebração do death metal na noite de ontem, sexta-feira, 2 de Maio, com o RCA Club a receber um cartaz explosivo encabeçado pelos belgas ABORTED. Com sala cheia (e a abarrotar em alguns momentos) e quatro bandas a representar diferentes facetas do death metal — do slam brutal ao death técnico, passando pelo deathgrind mais vicioso —, a Slashing Europe Tour foi recebida por um público sedento de distorção e blastbeats.

Não é, de resto, preciso fazer grandes contas de cabeça para perceber que a noite se afirmou como um proverbial desfile de técnica, agressividade e entrega total — tanto por parte das bandas em palco como da plateia, que não parou um instante, ensaiando um circle pit muito generoso, algum stagediving e até o ocasional crowsurfing. Com a abertura de portas às 19:30 e uma enorme fila para entrar no RCA Club, a primeira descarga de peso chegou pouco depois, às 19:50, cortesia dos neozelandeses ORGANECTOMY.

A banda mostrou ao que vinha com a sua abordagem ultra brutal ao género, dominada por guturais cavernosos, breakdowns mastodônticos e um groove arrastado que levou rapidamente os primeiros moshers ao centro da sala. O death metal com elementos slam fez estremecer o chão, ainda que uma grande parte do público estivesse ainda a entrar — os que chegaram cedo foram recompensados com uma actuação intensa e sem contemplações.

Às 20:40, a viragem estética fez-se sentir com a entrada em palco dos norte-americanos THE ZENITH PASSAGE, cuja proposta se situa no campo do death metal técnico com nuances progressivas. Com um alinhamento dominado pelo mais recente álbum «Datalysium», a banda apresentou um set desafiante e altamente técnico, abrindo com «The Axiom Of Error», ao que se seguiram peças labirínticas com títulos tão sugestivos como «Algorithmic Salvation» e «Lexicontagion».

Foi, no entanto, com a sequência feita de «Holographic Principle II: Convergence», «Divinertia I» e «Divinertia II» que o grupo mostrou toda a sua ambição composicional, construindo atmosferas densas onde a melodia e a agressão coexistem com surpreendente fluidez. Fecharam com «Deus Deceptor», deixando no ar uma nota de complexidade que contrastou de forma interessante com o peso mais directo das restantes bandas da noite.

CRYPTA

Às 21:25, a sala já estava cheia para receber as brasileiras CRYPTA, e a resposta do público foi imediata do momento em que pisaram o palco ao final do concerto. Liderado por Fernanda Lira, o quarteto entrou em cena com a confiança e carisma de quem tem quilómetros e quilómetros de estrada nas pernas, e arrancaram logo com «Death Arcana», da estreia «Echoes Of The Soul», que parece ter-se tornado já obrigatório no seu repertório. Seguiram-se «The Other Side Of Anger», «Stronghold» e «The Outsider», temas que revelam bem a identidade da banda: um death metal com raízes tradicionais, mas carregado de energia moderna e riffs cortantes.

Entre solos incandescentes, riffs cortantes e uma secção rítmica sólida como granito, o grupo deixou claro que já não é apenas uma promessa — é uma certeza. Temas como «Under The Black Wings», uma faixa que torna inegável a maturidade das CRYPTA na construção de dinâmicas e atmosferas sombrias, «Trial Of Traitors», «Lord Of Ruins» e, mesmo a fechar, «From The Ashes», provaram-no, com o quarteto e a plateia em total sintonia. Foi uma atuação intensa, segura e extremamente bem recebida, sendo que esta receção calorosa por parte do público português só reforçou o estatuto de que gozam por cá.

ABORTED

Eram 22:10 quando, após a introdução retirada da banda-sonora de«O Senhor dos Anéis («Minas Morgul», de Howard Shore), os veteranos ABORTED subiram finalmente ao palco para o embate final desta noite de embates brutais. Sem cerimónias, abriram com «Dreadbringer» e «Retrogore», duas malhas ultra brutais e devastadoras que puseram o RCA Club em ebulição. O mosh generalizado foi, na verdade, a resposta natural a uma actuação marcada por uma energia fulminante e uma execução sem falhas desde o primeiro momento.

Seguiram-se «Brotherhood Of Sleep», «The Origin Of Disease» e a poderosa «Infinite Terror», retirada do último disco, «», que deu o mote para esta digressão. Liderados por Sven de Caluwé (e a fazerem a primeira tour com na bateria), os ABORTED mostraram-se coesos, rápidos e brutais, numa performance onde cada tema parecia mais violento que o anterior: «Deep Red», «From a Tepid Whiff», «Death Cult», «The Shape Of Hate» e «Insect Politics» transformaram a sala de Alvalade num campo de batalha, com o público a retribuir cada riff com um novo circle pit ou um stage diving mais arriscado.

A recta final trouxe ainda «Threading On Vermillion Deception» e a muito aguardada (e já velhinha) «The Saw And The Carnage Done», uma das canções mais icónicas dos ABORTED e que, como esperado, levou a audiência à loucura. Surpresas? Nem por isso. Em comunicado antes da digressão, o bom do Sven até já tinha deixado o aviso: “Olá, miúdos! Desde 2019 que não aterrorizamos a Europa com uma digressão de destaque! Bem, temos uma surpresa para vocês… Vamos criar uma experiência de pesadelo que fará a vossa alma gritar por sangue e gore!” — e foi exactamente isso que entregaram.

No final, ficou a sensação clara de missão cumprida. Numa sala que se manteve activa do primeiro ao último minuto e, com os ABORTED à cabeça, as quatro bandas ofereceram uma noite coesa, brutal e diversificada, onde cada grupo teve espaço para mostrar a sua identidade.