A PERFECT CIRCLE
«Eat The Elephant»
[BMG]
É fácil cair na armadilha que a elevação de expectativas nos cria. Por muito que nos convençamos que teremos a receptividade e a mente adequadamente aberta para ouvir o que uma banda fez após catorze anos de silêncio (contando com «Emotive» que, não sendo um disco de originais, é um atestado de criatividade deste colectivo), a verdade é que queremos voltar a uma zona de conforto e ao aconchego de emoções que «Mer De Noms» e «Thirteenth Step» nos causam. É um sentimento humano, e a resistência à mudança acaba por funcionar como uma autodefesa perante o desconhecido. Mas se há uma área de actividade em que devemos deixar cair essas defesas é na Arte. O risco é mínimo, pois os trabalhos anteriores continuam ao nosso dispor para serem desfrutados, e o que podemos ganhar é algo a que não nos podemos dar ao luxo de deixar passar.
Tudo isto para dizer que «Eat The Elephant», o terceiro álbum de originais de A Perfect Circle, representa uma mudança em relação aos anteriores. É uma mudança de aparência, pois o registo é mais contido e contemplativo, porém a sua essência mantém-se, ainda que despida do fulgor rock que premeia os anteriores, mas plena de pormenores que se vão revelando. As texturas e harmonias criadas, de uma beleza desarmante, os arranjos criteriosamente cuidados, a capacidade ímpar de Maynard James Keenan, não só de timbre como na criação de linhas vocais; todos esses ingredientes dos A Perfect Circle se mantêm, à excepção da dinâmica rítmica que Josh Freese lhes conferia. Porém, por ser um disco diferente na sua abordagem, não se nota tanto essa mudança. A maior preponderância do piano em detrimento da guitarra, a delicada fluidez das peças, como uma banda-sonora, evidencia os dotes composicionais de Billy Howerdel que, apesar da longa pausa editorial, continuaram a evoluir. Isso fica logo evidente no tema-título, que abre o disco, e em «Desillusioned» que lhe sucede, momento que pode remeter para «Thirteenth Step». Na verdade, é neste tema, em «Delicious» e em «The Doomed» que encontramos momentos de mais peso e que trazem maior dinâmica ao disco. Essa será uma das suas lacunas, pois as canções, embora diferentes entre si, têm uma atmosfera homogeneamente negra, com a excepção de «So Long, And Thanks For All The Fish» que é mais positiva. Como essa incursão por «The Hitchhiker’s Guide To The Galaxy» de Douglas Adams deixa antever, o humor encontra lugar nas trevas de «Eat The Elephant» e permite ver a luz no fundo. Liricamente, Maynard aborda temas como a alienação e a desconexão das pessoas, o materialismo e obsessão pela imagem e pelo supérfluo. Vocalmente, tem uma das melhores performances da sua carreira.
«Eat The Elephant» é de uma honestidade artística a toda a prova, que se recusa a olhar o passado já distante, embora o possa citar. Não como um mero exercício de estilo, mas porque faz sentido a determinado momento. E isso tanto serve para o riff marcial de «The Doomed» como para o final trippy com «Get The Lead Out». Mais um grande disco para os A Perfect Circle, banda que protagonizou uma noite mágica no Coliseu dos Recreios em 2004, e que já vai sendo mais que tempo de cá regressar. [9] R.S.A.