A evolução musical é um conceito escorregadio, de definição e avaliação difíceis, especialmente quando observado no contexto da discografia de uma banda. Com que propriedade se pode dizer que um álbum é superior ao outro? Melhor? Pior? O que para um é superior, para o outro pode ser inferior e ambos – ou nenhum dos dois – tem razão. Ter razão é, por ventura, algo que nem sequer tem cabimento nesta discussão, tal a sua subjectividade. Afinal de contas, “gostos não se discutem” e uns Bolt Thrower a gravar (quase) sempre o mesmo disco podem satisfazer tanto quanto a (quase) total imprevisibilidade de uns Boris.
Indiscutível é, no entanto, a virtude de procurar novos caminhos e novas formas de expressão através da música. Um dos traços característicos do verdadeiro underground (não só do metal) sempre foi a recusa do conformismo e do alinhamento com qualquer tipo de preconceito, formatação ou estereótipo. Essa liberdade, reclamada e orgulhosamente assumida, tem sido motivo para inúmeras bandas mandarem a cautela ao vento e não recearem o experimentalismo na sua música. No caso da música extrema, o objectivo último é quase sempre o mesmo: soar mais pesado. Mais negro.
E é neste ponto que o raciocínio entronca com a banda desta semana. Os dinamarqueses The Psyke Project já andam nisto há dez anos, relembrando que metal e hardcore não é só na península ali logo por cima. Ao seu post-metal atmosférico nunca faltou peso mas, ironicamente, o simples facto de firmarem a simplificação de processos como objectivo assumido para o seu último álbum fez com que «Guillotine» se revelasse não só o mais opressivo da banda, mas igualmente uma das propostas mais negras e contundentes dentro do espectro do sludge/hardcore. Sim, porque as regras deste jogo mudaram.
Falei com o guitarrista Christian Bonnesen, numa conversa bastante reveladora do que move esta banda. Motivações, influências, o underground e o DIY nos tempos que correm. Algo que soará certamente familiar a quem, como eles, tem conseguido vingar por mérito próprio e com muita dedicação, sabendo da utopia que é querer fazer disto vida.
A vossa página do Facebook define o vosso estilo como “Blackened Post Hardcore/Sludge Metal”. Etiquetas à parte, como definirias o som dos The Psyke Project?
Sempre nos definimos como banda de hardcore, mas reconheço que tal é mais enquanto mentalidade do que em termos de som. A etiqueta de “Blackened Post Hardcore/Sludge Metal” foi na verdade uma descrição que nos foi atribuída por outros e que nós mantivémos porque as pessoas pareciam identificar-se com isso. Há claramente um substracto Sludge no que fazemos, mas a parte do black é provavelmente consequência de tentarmos soar obscuros. Na realidade, até fiquei bastante surpreendido com essa comparação, mas acho que consigo ouvi-lo também.
Historicamente, a banda sempre teve uma inclinação post-metal bastante acentuada mas o «Guillotine» soa mais abrasivo e mais negro, mantendo todo o peso do passado. Isto foi algo consciente? Tinham um plano concreto à partida para este álbum?
Tínhamos, claramente. Era certo para nós que não queríamos crescendos demorados nem melodias neste álbum, focando-nos em vez disso em ter um tom sinistro e ser o mais descomprometidos possível. Primeiro, porque já o tínhamos feito extensamente com o «Apnea» e o «Dead Storm». E depois, por uma razão puramente prática: queríamos produzir muitos temas que se traduzissem facilmente para o contexto ao vivo, que bastasse apenas chegar e ligar a guitarra. O Mikkel e eu [guitarristas] já estávamos a ficar cansados de fazer tap-dancing ao vivo com os nossos pedais, e é também por isso que decidimos ir pela via mais minimalista em comparação com os nossos discos anteriores.
O que mais vos influenciou, musicalmente ou não, neste processo?
Em termos de inspiração, as duas bandas às quais pessoalmente volto sempre são os Shora do início e os Breach. Fora isso, o «Guillotine» é em larga medida um destilar dos aspectos mais negros do que havíamos feito até agora. Também me lembro de andar a ouvir muito o «Isolation», dos Harm’s Way [Banda da Semana em 21 de Novembro | https://loudmagazine.net/a-banda-da-semana-do-paulo-andre-reloaded-harms-way/], na altura em que escrevemos o álbum. Desta vez também nos focámos bastante em tocar em “shuffle”, ao passo que o «Dead Storm» foi quase todo tocado no compasso de 3/4.
Um tema particularmente interessante neste último registo chama-se «Partisan». E digo isto porque não estou a ver muitas malhas de sludge/hardcore com quatro minutos a ter um único acorde durante todo o tempo… e funcionarem! Como é que vos surgiu este tema?
Hah! Sim, essa é basicamente levar o aspecto minimalista ao extremo. Não foi uma música desafiante em termos de composição, mas foi certamente difícil de a aceitar uma vez que, como bem disseste, é baseada num único acorde. A dado momento deixámos de a tentar racionalizar demasiado porque, como também dizes e bem, a coisa simplesmente funciona. É também o melhor exemplo de uma das nossas maiores ambições com este álbum, que é reduzir a diversidade a nível de guitarras e deixar que os temas sejam conduzidos pela voz e pelo ritmo.
Normalmente, perguntar-te-ia qual é o teu álbum preferido da vossa discografia, ou um tema favorito. Mas tendo em conta a quantidade de excelentes riffs que o «Guillotine» tem, pergunto-te antes qual é mesmo o teu riff favorito.
O meu riff favorito do «Guillotine» é a secção do meio da “The End” que começa aos 1:39. Quando o Martin colocou a voz dele nessa parte, em estúdio, até me deu arrepios. Sinto que esse bocado só por si é muita da razão pela qual vim para esta banda há uns seis anos atrás.
Sei que não são uma banda que toque muito ao vivo, bem pelo contrário. Essa é uma decisão consciente ou foi ditada por outras ocupações e obrigações na vida?
Costumávamos tocar mais, mas a vida meteu-se no caminho. Não quero com isto dizer que não estejamos receptivos a andar mais na estrada, mas todos temos empregos e outros prioridades na vida, além de que um de nós tem um miúdo. É uma questão de equilíbrio. Não há muito dinheiro para se ganhar a fazer o tipo de música que fazemos, por isso quando saímos para tocar é basicamente às nossas próprias custas e porque gostamos de o fazer. A banda ainda é uma grande prioridade para nós, e o factor mais importante é mesmo que tocamos porque queremos e não porque ser alguma obrigação, o que torna as coisas mais divertidas.
Mas quando tocam, e segundo consta, “intensidade” é um eufemismo enquanto adjectivo para os vossos concertos. E a julgar pela imagem de capa do vosso Facebook, com o Martin de joelhos a vomitar em palco, não deve ser propriamente um passeio pelo parque…
Somos realmente intensos ao vivo. Fazemos questão disso, é propositado. Contem com muita energia, muita confusão e uma boa dose de caos e imprevisibilidade!
Contrariando o vosso passado, o «Guillotine» tem sido distribuído por uma série de pequenas editoras underground, em vez de uma única de maior dimensão. Como é acreditar na filosofia DIY hoje em dia e até que ponto tem sido complicado fazer a vossa música chegar às pessoas?
Acho que é mais fácil do que nunca. Tentámos a cena da editora grande e embora tenha benefícios em termos de marketing, a verdade é que o panorama mudou de tal forma com os blogs e por aí fora, que a palavra passada por ter realmente um grande impacto. A razão pela qual optámos por diferentes editoras mais pequenas foi também de forma a obter o apoio de algumas pessoas muito apaixonadas e dedicadas a isto – embora não tenha muitas oportunidades de o dizer, estou muito, muito agradecido por isso. Tocar numa banda é um processo complicado e já encontrámos muitas dificuldades pelo caminho, mas adaptámo-nos rapidamente às situações porque, no fim das contas, somos apenas 5 amigos que gostam mesmo de estar na companhia uns dos outros e da música que tocamos. Não temos por objectivo ser os maiores do mundo, só queremos ser ouvidos. Quando se é jovem e inexperiente, coloca-se muita fé nas mãos de outras pessoas e nove em cada dez vezes saimos desiludidos. E é por isso que tendemos a fazer as coisas por nós próprios.
Já têm uma década de existência, com uma média de um disco a cada dois anos. Como olhas em retrospectiva para a vossa carreira? E o que podemos esperar de vocês no futuro?
Os Psyke Project são o legado de 6 pessoas e quando olho para trás, sinto-me orgulhoso. Fizemos coisas fantásticas e vimos coisas fantásticas, tudo por culpa da música que tocamos, e estamos todos muito gratos por isso. Quanto ao futuro, começámos agora a falar sobre material novo e para onde queremos levar isto. Mas ainda é muito cedo. Agora o que queremos mesmo é concentrar-mo-nos em tocar o «Guillotine» ao vivo e convencer as pessoas que não somos uma banda que lhes deva passar ao lado.