A BANDA DA SEMANA DO PAULO ANDRÉ (Reloaded) – OvO

Depois de uma (dupla) pausa festiva nesta rubrica, entramos em 2014 a pés juntos – podia ter sido com o direito mas não vamos ser supersticiosos. E acumulam-se as razões, dentro e fora de Portugal, para que este seja mais um ano musicalmente em grande, tanto em termos de edições como no que diz respeito a propostas de concertos e festivais. 2013, aliás, foi sem dúvida mais um ano que teve tudo para todos os gostos. Basta passar os olhos pelas diversas listas de fim de ano no número deste mês da LOUD! para perceber isso.

Depois de ter encerrado o defunto ano com os norte-americanos Whores (faltou o vinho verde), viramos a página do calendário dando novo salto para o outro lado do Atlântico e aterrando (de novo) em Itália. Falámos dos Zolle na primeira edição “reloaded” e agora encetamos um novo ano com os seus conterrâneos OvO. Não são estrelados nem mexidos mas têm o potencial para fritar a cabeça de qualquer um com o seu experimentalismo exacerbado, como pudemos comprovar na Invicta em 2011, durante a primeira edição do Amplifest.

Embora só mais recentemente tenham começado a conquistar alguma popularidade com a sua mistura única de noise rock, sludge, drone e avant-garde jazz, a verdade é que o duo formado por Stefania Pedretti e Bruno Dorella já anda neste negócio de desbravar novas avenidas sónicas desde o início da década passada. A colaboração num tema com o ex-Khanate e actual vocalista dos Gnaw, Alan Dubin, ajudou a direccionar os focos do underground para o seu mais recente disco, «Abisso», mas essa é apenas uma das peças do magnífico puzzle que os OvO agora apresentaram.

Na tentativa de perceber a génese deste enigmático duo, o que os impele a continuar nas suas descobertas e de como esse processo criativo se desenrola na prática, troquei dois dedos de conversa com o simpático baterista Bruno Dorella.

Já levam 13 anos de existência, o que já constituíu uma carreira bastante longa. O que vos motivou a começar esta viagem e como vês a vossa evolução enquanto banda ao longo deste período?

Começou da maneira mais informal possível. Eu e a Stefania éramos um casal nessa altura e alguns amigos (NNY e Cock ESP) pediram-nos para ir em digressão com eles, por isso decidimos formar uma banda nessa altura. Olhando para trás, reconheço que éramos bastante ingénuos mas de alguma forma isso foi positivo. Fomos tentando ser mais profissionais, porém mantendo um espírito livre e honesto.

 

Quais são as vossas principais inspirações e como tem isso mudado ao longo do tempo?

As nossas origens estão no hardcore punk da década de 90. Mas sempre ouvimos todos o tipo de música, da antiga música monodia até à mais extrema electrónica contemporânea.

 

O vosso som sempre foi bastante negro e inquietante, além de particularmente experimental. Que tipo de sentimentos procuram transmitir através da vossa música? O tema “Fame” do vosso último disco é bastante curioso, ainda que parecendo desenquadrado do resto.

Ah! A “Fame” é apenas um field recording. O estúdio onde gravámos algumas partes do álbum é perto de uma quinta com porcos. O que ouves são apenas porcos que vão comer. Não há efeitos nem overdubs. Apenas uma gravação de campo pura e dura. “Fame” significa “reputação” em inglês, mas em italiano quer dizer “fome”. É suposto ser um tema fantasma mas muita gente pensou que era um tema “a sério”. Quanto aos sentimentos que tentamos expressar com os OvO, diria que quem faz qualquer tipo de arte sabe que é difícil expressar ou explicar o que se quer realmente dizer, isto caso se queira mesmo significar algo. Não há muito conceito nos OvO, somos mais coração do que cérebro.

 

Tendo em conta o experimentalismo patente no resultado final, como é que um tema vosso surge e se desenvolve?

Habitualmente vamos a um museu e escolhemos uma peça de arte. Voltamos para casa e pensamos sobre ela durante uma semana, desenhando-a nas paredes dos nossos apartamentos. Depois tiramos fotografias dos nossos desenhos e corta-mo-las aleatoriamente, formando novas formas que nunca antes existiram. Fazemos assim uma nova peça de arte, eu dou a minha à Stefania e ela dá-me a dela. Inspirados pela composição visual do outro, escrevemos alguma música. Após cerca de uma semana, trocamos também isso para que eu reinterprete o que a Stefania compôs e vice-versa. Sobrepomos o resultado das duas gravações, levamos isso ao hospital da cidade, tocamos para os pacientes e se eles ficaram malucos, significa que é um bom tema.

 

Hummm…

Estou a brincar. Fazemos jams, só isso. [risos]

 

Fico mais descansado. Achas que “minimalismo” é uma palavra que se aplica aos OvO? Como a descreverias?

Nunca o consegui fazer em relação à nossa música e na verdade nunca pertencemos a nenhuma “cena”. Isso pode querer dizer que somos únicos.. ou que somos rejeitados. Minimalismo, para mim, é uma palavra muito específica que se refere a compositores como Terry Riley, Steve Reich, La Monte Young… Claro que, desta forma, os OvO não se encaixam. O mais próximo que consigo de uma definição é “noise rock”. Mas estará correcto? Explica realmente o que fazemos? Nem por isso.

 

Qual foi o objectivo à partida para o «Abisso»? Há alguma espécie de conceito subjacente?

A Stefania não canta letras, apenas inventa palavras ou sons. A ideia de um Abismo apareceu à medida que compunhamos porque a dado momento nos pareceu que estávamos a desviar-nos bastante para além da estrada segura, porém os novos caminhos eram demasiado excitantes para que os abandonássemos. Por isso decidimos seguir sempre em direcção ao fundo, pelo Abismo.

 

O álbum conta com participações especiais de dois convidados, o Alan Dubin (Gnaw, ex-Khanate) e de Carla Bozulich dos Evangelista. Fala-me do contributo deles.

O Alan sempre foi uma grande inspiração para a música da Stefania, ainda dos tempos que ele pertencia aos O.L.D.. A Carla tem um espírito com o qual nos identificamos muito. Não te sei dizer exactamente por que os convidámos mas acho que deve ter tido algo a ver com um acidente de bicicleta que a Stefania teve antes da composição e pré-produção e devido às dores tinha muita dificuldade em cantar, tendo por isso deixado vários temas sem voz. Um deles foi o “A Dream Within A Dream”. E foi por isso que pensámos no Alan para cantar nesse tema. Com a Carla foi um pouco diferente, ela estava em tour em Itália, tinha um dia de descanso, ofereci-lhe estadia e propus-lhe gravar connosco. Foi uma bela surpresa quando toda a banda dela quis fazer uma jam connosco e, acredita, foi uma jam mesmo mágica. Ficou completamente diferente do resto do álbum e foi por isso que a colocámos no final, mesmo antes do tema dos porcos de que te falei. Era demasiado bom para não estar.

 

Com tanta música que já se gravou, especialmente ao longo das últimas décadas, fica aquele sentimento de que já tudo foi experimentado. Achas que a música dos OvO é de alguma forma uma reacção a isso? Tentam quebrar regras de forma consciente.

Essa é a melhor coisa que podes dizer sobre a nossa música. Mesmo que tenhas pensado só por um segundo que os OvO são, ou tentam ser, algo que nunca foi feito antes, deixas-me feliz. Não é o nosso objectivo, não temos essa arrogância. Mas sabemos que soamos como nenhuma outra banda, tentamos ser o mais pessoais, originais e únicos possível. Não sei se conseguimos quebrar regras ou fazer algo realmente novo, mas damos o nosso melhor nesse sentido.

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