O tempo parece que voa, e aqui estamos nós, já a atingir o ponto médio de 2021. Os balanços mais sérios, como de costume, serão feitos no final do ano, mas apesar das limitações que a pandemia continua a teimar em nos impôr, a verdade é que já houve uma quantidade assinalável de lançamentos para fincarmos os dentes durante a primeira metade deste ano. Assim, pedimos aos membros da nossa redacção para, de forma descontraída e sem pensarem demasiado nisso, nos dizerem aquilo que 2021 teve de melhor para eles em termos musicais até agora e, porque não, soltar alguma bílis escolhendo também o pior. Depois do Ricardo S. Amorim, do Emanuel Ferreira, do Fernando Ferreira,do Luís Pires e do Pedro C. Silva terem libertado energias tanto positivas como negativas, chegou agora a hora do José Carlos Santos, que tem doçura e acidez em igual medida para cuspir cá para fora:
O MELHOR
GO AHEAD AND DIE
«Go Ahead And Die»
[Nuclear Blast]
Outros álbuns foram editados até agora, e certamente ainda mais serão até Dezembro, que s(er)ão mais complexos, mais experimentais, mais relevantes, mais tudo do que o disquinho de estreia dos Go Ahead And Die. Ou quase tudo. E é esse quase que me levou, nesta brincadeira não-muito-séria que decidimos fazer a meio do percurso de 2021, a dar destaque a estes onze temas, a estes 43m48, por cima de pérolas como os trabalhos dos Genghis Tron, da sublime colaboração Lustmord & Karin Park, dos Portal e dos Grave Miasma, dos Amenra, dos Alkerdeel, dos Culted ou dos The Body, só para atirar alguns nomes que vêm facilmente à cabeça (pelo menos para quem não se limita aos nomes sensaborões do mainstream, que cada vez aborrecem mais) sem pensar muito em listas exaustivas.
É que não há nenhum disco de 2021 que seja tão divertido de ouvir como o «Go Ahead And Die». Assim que o malhão de abertura, «Truckload Full Of Bodies», é disparado direito às fuças, sem fluff desnecessário nenhum, é como se nos sentíssemos imediatamente em casa, seja qual for o significado mais positivo que “casa” possa ter para cada um. Estamos na nossa zona de conforto, no nosso happy place, num sítio onde sabemos que só coisas boas acontecem. Aquela ginga abrutalhada, aqueles riffs de quatro notas, aquele grão de quem cresceu a ouvir Celtic Frost e Discharge, aquela despreocupação se alguma coisa é “moderna” ou “antiga” – who cares, desde que seja bom. Gatecreeper ou Bathory, é tudo porrada! É o tipo de coisa que só podia mesmo vir de um dos heróis que ainda nos resta no underground, o grande Max Cavalera. Um Max que durante a pandemia foi, durante algumas tardes, fazer companhia ao filho mais novo Igor, que estava em isolamento numa casita que a família Cavalera tem no deserto à beira de Phoenix, e dessas tardes de ouvir discos e ver filmes de terror antigos à boa maneira de bonding paternal, saiu uma banda. Talvez a banda mais espontânea e menos “pensada” da carreira do Max, mas que acaba por ser a mais entusiasmante onde esteve desde a triste a aparentemente irreparável cisão com os Sepultura há 25 anos (!) atrás.
É um bocado pointless apontar destaques, tal é a maneira uniforme como o “metal cavernoso”, como o Max tanto gosta de descrever, vai fluindo, mas «(In The) Slaughterline», que foi pelos vistos o primeiro tema que o par pai/filho escreveu em conjunto, a imparável «Roadkill» que fecha o álbum, a Napalmzada que é «Prophets Prey» ou a monstruosa «G.A.A.D.» que injecta death metal anafado com fartura, são alguns pontos altos, já para não falar das letras de protesto e revolta, a fazer lembrar o capítulo Nailbomb, que elevam o significado disto tudo a outro patamar. De notar ainda o elemento que completa o trio, o baterista Zach Coleman (dos Khemmis e dos Black Curse, rico currículo!), que é tudo menos um afterthought e que se apresenta ao nível requerido por uma lenda viva como é o Max.
Sim, talvez nas votações de final do ano, o «Go Ahead And Die» não vá acabar em primeiro, mesmo que ande lá pelo pelotão da frente. Mas se a coisa fosse lá só pela quantidade de “yeah!” gritados ou pelo tempo passado de punho no ar enquanto se ouve a cena pela milionésima vez, não haveria qualquer competição.
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O PIOR
GRETA VAN FLEET
«The Battle At Garden’s Gate»
[Lava/Republic]
Por esta altura, e até pela forma como alguns dos nossos escribas até transformaram esta história do “pior do ano” em algo de diferente, creio que já todos perceberam que esta série de artigos que decidimos publicar para marcar o “ponto médio” de 2021 na música pesada não é 100% para levar a sério. Se é que alguma coisa alguma vez é. Mas sim, a nossa toada aqui é menos “institucional”, mais pessoal, e criámos aqui um espacinho para libertar alguns “ódios de estimação”, como toda a gente tem – quem desse lado é que não tem aquela banda que não suporta ouvir? Cuja mera introdução de um tema qualquer eriça logo os nervos e só dá vontade de partir a aparelhagem? “O pior de 2021”, nas várias facetas que já teve ao longo deste último mês aqui nesta nossa brincadeira, não é mais que isso. Quero portanto agradecer aos queridos colegas que fizeram um esforço por transformar a secção do “pior” em algo positivo e luminoso, porque assim não tenho eu que o fazer, e posso-me dedicar sem culpas a mandar abaixo com gosto uma banda que detesto, um exercício que, quer concordem comigo nesta banda em particular ou não, terão que admitir que é divertidíssimo. Vamos lá então.
Vá, claro que 2021 teve álbuns objectivamente “piores” (dentro dos limites dos quais é possível quantificar música de forma objectiva, que são bastante estritos), claro que estamos a falar de uma banda que sabe tocar, com um orçamento grande que lhes permite ter gravação de qualidade, isso tudo. Mas banda que irrite mais este que vos escreve assim que as malhas começam? Ah, isso não há. Deste lado do século XXI não há de certeza, e mesmo olhando para trás é difícil ter competição à altura. Começa logo pela colagem absoluta aos Led Zeppelin, ridícula ao ponto do desconforto, e que só se torna pior pela negação patética desse facto em entrevistas com a banda. Sim, claro que os Zeppelin são uma influência quase universal e que muitos vão lá beber inspiração. Mas daí à cópia pobre tipo banda de covers montada à pressa para tocar hoje à noite no bar lá da terrinha, vai uma grande distância. O que vale é que os zepelins também não se podem queixar muito, já que de roubos e colagens, percebem eles bem. Mas isso já é todo um outro rabbit hole no qual não me vou meter agora para não tirar o foco à coisa. Não estamos a falar do pior dos 70s, é o pior de 2021, afinal. Wink wink. Se houvesse uma gota de originalidade nesta atrocidade musical, ainda poderia ser um argumento a favor. Tipo, “é uma merda, mas ao menos estão a fazer a cena deles!”, não era? Mas não, é merda requentada, ainda por cima.
Se o primeiro álbum já era irritante o suficiente por variadíssimas razões, este consegue piorar ao juntar-lhe mais algumas. Agora, esta miudagem já é uma banda ciente do seu sucesso e popularidade, e na ânsia de serem considerados mais crescidos, estão a tentar armarem-se em sérios. Se em «Anthem Of The Peaceful Army» havia pessegadas líricas do calibre de “Well, you’re so pretty and I love you so / You know I’m your biggest fan / I saw your picture and it’s the best / The finest in the land”, agora reforçaram a grandiloquência oca das passagens épico-militares, como que a dar a entender que pensam muito no estado do mundo e assim. A questão é que, parvoíce por parvoíce, a que era menos pretensiosa ao menos casava muito melhor com o cock rock manhoso que praticam. Se é para fingir que estamos em 1976, que se vá all the way. O que vale é que ainda há momentos de filosofia profunda, como por exemplo, “I’ve seen many people / There are so many people / Some are much younger people / And some are so old”. É mesmo de ficar a pensar nisso.
Dito isto tudo, não há factor que contribua mais para a inaudibilidade dos Greta Van Fleet do que Josh Kiszka. Só as fotos da banda já dão vontade de lhes fazer a barba à chapada a todos, e ao Josh em particular, mas isso também se pode dizer de muitas outras bandas boas, e ultrapassamos a coisa na boa. Mas o problema é que o “vocalista” é, possivelmente, o ser humano que mais longe deveria estar de um microfone, por decreto de lei. Assim que abre a boca para bramir aqueles guinchinhos, a vontade é de fazer os tímpanos em pó com um picador de gelo, se estivermos bem dispostos, ou simplesmente desejar que alguma catástrofe global elimine a humanidade de vez do planeta, se o dia não estiver a correr muito bem. Podem metê-lo a cantar a «Achilles Last Stand» que seja, que aquilo transforma-se instantaneamente numa cacofonia digna de um jogo do Spectrum a entrar. Na pior banda do mundo, o jovem Josh consegue ser de longe o pior elemento. Kudos, miúdo!
Termino só para avisar que estou na desportiva, e aceito com gosto roasts de algumas minhas bandas favoritas por parte dos fãs genuínos dos Greta Van Fleet, se acharem que são elas as piores do ano. Fair is fair. Vemo-nos no campo de batalha. ;)