O tempo parece que voa, e aqui estamos nós, já a atingir o ponto médio de 2021. Os balanços mais sérios, como de costume, serão feitos no final do ano, mas apesar das limitações que a pandemia continua a teimar em nos impôr, a verdade é que já houve uma quantidade assinalável de lançamentos para fincarmos os dentes durante a primeira metade deste ano. Assim, pedimos aos membros da nossa redacção para, de forma descontraída e sem pensarem demasiado nisso, nos dizerem aquilo que 2021 teve de melhor para eles em termos musicais até agora e, porque não, soltar alguma bílis escolhendo também o pior. Depois do Ricardo S. Amorim, do Emanuel Ferreira, do Fernando Ferreita e do Luís Pires se terem atirado a este exercício quase catártico, segue-se o Pedro C. Silva:

O MELHOR

ZAO
«The Crimson Corridor»
[Observed/Observer]

Se já é um drama chegar ao fim do ano e estabelecer uma ordem honesta de “favoritados”, imaginem o esforço de ábaco que não é eleger somente um preferido, isto numa fase em que as contas ainda vão nas pré-eliminatórias. Assim, podia certamente voltar a tecer longos elogios, e fazer dissertações ainda mais variadas do que aquelas que já apareceram nas páginas da nossa/vossa revista, aos novos trabalhos de GENGHIS TRON, THE ARMED ou AMENRA, para exemplificar apenas uma trindade a que já fora incumbido de criticar, sem descurar uma panóplia de títulos que garantidamente figurarão nas tais listas finais. No entanto, precisamente pelo elemento surpresa, e até para jogar pela diferença de ainda não ter sido falado, preferi partir para uma escolha bem pessoal como são os ZAO e dissecar um pouco o disco assombroso que é «The Crimson Corridor».

À partida, até poderia ser ingrato ter de apresentar uma banda de metalcore com quase 30 anos de existência, que alcança assim os doze trabalhos de longa-duração, mas há muito que os americanos alcançaram um patamar de culto – não da grandeza de reconhecimento de uns CONVERGE, mas pelo menos equiparável à respeitosa dedicação recebida por uns POISON THE WELL –, por muitas que tenham sido as alterações de membros nas suas primeiras fases – também nada tão exagerado como com os SHAI HULUD –, e mesmo que tenham começado como um grupo cristão – chegaram a estar na Tooth & Nail e na Solid State, embora tal identificação e crença colectiva se viesse a diluir.

Desta feita, aviso à navegação para os menos versados que ainda possam estar à espera de algo no campeonato de uns KILLSWITCH ENGAGE ou AS I LAY DYING, saibam que não é essa corrente melo-death que vão encontrar aqui – nem, pelo extremo oposto, é a veia mais musculada de uns INTEGRITY, por exemplo. Na realidade, até quem apreciou a crueza do «Where Blood And Fire Bring Rest», a expressividade do «Liberate Te Ex Inferis», a temática do «The Funeral Of God» ou a abrasividade do «The Fear Is What Keeps Us Here», mesmo assim é capaz de ficar admirado com o quão negro este álbum consegue ser: desde a imagética das letras, que nos agarram com a sua visceralidade e nos transportam para os cantos mais recônditos da condição humana, até à densidade sonora que, entre compassos menos quadrados e até dissonâncias quase math, nos arrebata para cadências mais sludge e até doom.

Depois da introdução algo ominosa de «Into The Jaws Of Dread», a voz de Daniel Weyandt, naquele registo que tem tanto a rispidez de CARCASS como a emoção de IRON MONKEY, entra logo cavernosa em «Ship Of Theseus» – referência a uma interessante discussão filosófica, a que os fãs de WandaVision estarão por dentro –, com aquela repetição de “Nothing can ever stay the same” entrosada numa passagem descompassada em direcção a um riff bem GOJIRAnte e espaçoso. «Croatoan» volta a implementar um ambiente auspicioso, com uma aura bem NEUROSIS – influência que, diga-se, não lhes é só de agora –, que vai em crescendo para um breakdown que é tão característico da banda, entrosado no peso do riff e nos detalhes que Scott Mellinger e Russ Cogdell trocam. Querem ouvir como uma boa produção consegue enfatizar o baixo de Martin Lunn, bem pujante? Ao longo de «The Final Ghost» é demarcado, sem se sobrepor às guitarras, fortalecendo a parelha rítmica com Jeff Gretz, a quem dá gosto ouvir bater naquela tarola. Se suspeitam que não há melodias, «R.I.P.W.» tem ali um momento para vos surpreender, assim como as vozes cantadas em «Creator/Destroyer» criam um embalo épico. Por fim, «The Web» com os seus poucos mais de dez minutos, é uma experiência ambiciosa que funciona tanto devido àquele feeling lento que uma «Routine And Then Death» de GAZA tem (e que inclusive os CULT LEADER vieram a abordar daí para a frente) como por aquele desfecho quase à DEAFHEAVEN. E por esta altura já sinto que vos estou a fazer uma espécie de walkthrough demasiado intenso, mesmo sem referir as músicas todas, quando o que dá gozo neste disco é mesmo ir ouvindo e descobrindo os pormenores, escuta após escuta, perante uma banda que soube crescer e aproveitar as suas forças para compor um dos seus melhores álbuns.

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O MELHOR DO PIOR

SPLITSVILLE: EVERY TIME I DIE – «Youth Overrided» & CAVE IN – «Moor»

Atacando agora o pior… Bem, vamos com calma. Na verdade, estar aqui a apontar o que considerei o pior parece-me algo pouco produtivo, pelo menos espelhando o que foi feito acima. Este ano, felizmente, ainda não apanhei assim nenhuma desilusão que considere suficientemente marcante, o que também pode ser sinal do quão ando distraído ou como estou a deixar alguns discos para trás. De qualquer maneira, para não ter de recorrer à piada de ter feito confusão e olhado para as BURNING WITCHES como se fossem os BURNING WITCH, ou para não me forçar a ouvir o novo de ATREYU e assim queixar-me com evidências, optei por aproveitar esta ocasião para um exercício um bocadinho diferente.

É certo e sabido que esta pandemia nos afectou de diversas maneiras, e mesmo no panorama da música muito já terá sido dito, desde a inexistência de concertos, a toda uma classe profissional posta em stand-by, assim como uma série de lançamentos postos entretanto na gaveta pela imediata impossibilidade de, precisamente, existirem digressões de apoio a esses mesmos trabalhos. Juntando esses aspectos, já de si negativos, numa das piores fases da história recente, há ainda assim que ter a capacidade de ver o lado positivo da coisa, o copo meio cheio num copo que poderia não ter nada. Assim, para o meu pior, escolho enquadrar algo que provavelmente não teria ganho tanto embalo se não fosse este nosso pior: o diferente entretenimento que se criou, entre artistas e outros demais promotores, para nos manter a nós, e evidentemente a eles, entretidos. Para mim, falo no caso concreto do programa Two Minutes To Late Night, e o seu excêntrico apresentador Gwarsenio Hall, que além de ter possibilitado a criação duma colectânea de covers – umas de maior gabarito do que outras, mas sempre com um leque de convidados de luxo –, abriu a porta para uma série chamada Splitsville, em que duas bandas se juntam para cada uma tocar uma versão de uma música da outra. O primeiro, por exemplo, juntou os EVERY TIME I DIE e os CAVE IN, em que os primeiros tocaram a «Youth Overrided» e os segundos a «Moor», com isso também criando edições físicas e até merchandise a replicar a experiência de mutabilidade. O segundo, juntou INTEGRITY e NOTHING. Digam lá que não tem a sua piada?